segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Encontro na Biblioteca - Margarida Palma

A escritora Margarida Palma esteve hoje na Biblioteca numa sessão de apresentação do seu livro, Veio depois a noite infame. Nesta sessão estiveram presentes alunos de três turmas do ensino secundário acompanhados pelos professores Heitor Rodrigues, Ana Margarida, Filipa Barreto, Esperança Braga e o jornalista Ricardo Duarte do Jornal de Letras. A sessão foi iniciada com uma breve apresentação feita pela Srª Diretora da Escola, Professora Isabel Le Gué que introduziu alguns dados biográficos da escritora.

De seguida o jornalista Ricardo Duarte suscitou um conjunto de questões relativas ao trabalho da escrita, às motivações e gostos da escritora pela História e ao modo como integra a narrativa ficcional na construção da história. Foram levantadas diversas questões por alguns alunos tendo a escritora Margarida Palma respondido de um modo muito afectuoso às questões colocadas. 

Do encontro ficou um conjunto de partilhas de gosto pela escrita, do valor da Literatura para reencontrar a respiração das pessoas nas suas épocas e de as fazer reviver na atmosfera cultural e social do seu tempo. Foram referidos aspetos muito relevantes sobre o período da 1ª República nos seus aspetos políticos, sociais e culturais tendo todos ganho muito com a informação disponibilizada pela escritora. A instabilidade política, as contradições da 1ª República e todo o ambiente decorrente de uma época de grandes conflitos (Revolução Russa, 1ª Guerra Mundial) deu aos que estiveram presentes uma ideia mais clara sobre esses tempos.

Dias do Desassossego 2015

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Noite de Natal - livro da semana

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Declaração Universal dos Direitos Humanos

«Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.» - artigo 1º

Cerca de mil milhões de pessoas têm como rendimento diário para si e para a sua família o valor de um dólar. Três milhões sobrevivem em condições de extrema pobreza, tendo como valor diário dois dólares. Dois mil milhões não têm cuidados médicos e todos os dias morrem de fome vinte mil pessoas, estimando-se que cerca de 963 milhões de pessoas não têm o que comer. Deste conjunto a grande maioria é formada por crianças com idade inferior a quinze anos.

Em muitos países do Mundo o acesso a redes de comunicação, energia ou água potável é uma tarefa impossível. A participação em meios de comunicação como jornais, televisão ou simplesmente manifestar as suas opiniões está interdita. Milhões de pessoas, especialmente crianças não frequentam qualquer escola. A prisão e a tortura por reivindicar uma opinião ou ser de uma cor ou cultura diferentes é imensamente frequente em vastas zonas deste Planeta. Pode ser este um retrato de um mundo desenvolvido? Com tantos progressos tecnológicos porque continuamos a assistir a este quadro com tanta frequência? 

Comemora-se hoje os sessenta e seis anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Procura-se chamar à atenção de todos para a importância da vida, do respeito pelos direitos da Humanidade que devem, deveriam ser respeitados em todos os indivíduos. Esta celebração continua, a fazer sentido pelo quadro do mundo actual. O Homem continua a ser o seu maior inimigo pela falta de respeito com que trata o seu semelhante. Desde as Revoluções Americana e Francesa que se tem procurado avançar para formas de sociedade onde a razão e a consciência humanas sejam respeitadas. Infelizmente a crueldade tem marcado uma imensa presença na vida de muitas pessoas que habitam o Planeta.

Num mundo de globalização denunciar (manifestações, cartas, petições)os que oprimem, os que apenas querem ter uma voz, são atitudes que devemos ter. O Darfour ou O Tibete são apenas alguns dos casos desta falta de "amor" pela Humanidade, no seu sentido global. Os Países constroem a sua História, pobre ou grandiosa pela forma como sabem lidar com os Direitos Humanos. A luta pelas causas justas, a construção de uma comunidade humana em que a razão e as ideias possam ser apresentadas livremente só podem ser um património das grandes nações.

O acesso à escolarização e a cuidados de saúde e o trabalho comunitário poderão permitir que daqui, a certamente muitos anos este seja um quadro do passado, e já não tão presente no quotidiano de tantos milhões. Como escreveu Tucídides,historiador grego, a felicidade humana está dependente da liberdade e esta da coragem. A coragem de exigir um mundo diferente. Na semana em que temos a memória de Mandela precisamos lutar pela óbvia decência humana ignorada em muitos faustos palácios de ignorância e esquecimento.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Memória visual - Dia nac. da cult. científica 2015

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Feira do Livro


A estrela - livro da semana

"Um dia, à meia-noite, ele viu-a. Era a estrela mais gira do céu, muito viva, e a essa hora passava mesmo por cima da torre. Como é que a não tinham roubado? Ele próprio, Pedro, que era um miúdo, se a quisesse empalmar, era só deitar-lhe a mão. Na realidade, não sabia bem para quê. Era bonita, no céu preto, gostava de a ter. Talvez depois a pusesse no quarto, talvez a trouxesse ao peito. E daí, se calhar, talvez a viesse a dar à mãe para enfeitar oi cabelo. Devia-lhe ficar bem, no cabelo.

 De modo que, nessa noite, não aguentou. Meteu-se na cama como todos os dias, a mãe levou a luz, mas ele não dormiu. Foi difícil, porque o sono tinha muita força. Teve mesmo de se sentar na cama, sacudir a cabeça muitas vezes a dizer-lhe que não. E quando calculou que o pai e a mãe já dormiam, abriu a janela devagar e saltou para  a rua. A janela era baixa. Mas mesmo que não fosse. Com sete anos, ele estava treinado a subir às oliveiras quando era o tempo dos ninhos, para ver os ovos ou aqueles bichos pelados, bem feios, com o bico enorme, muito aberto. 

E se não era o tempo dos ninhos, andava à solta pela serra, saltava os barrancos, jogava mesmo, quando preciso, à porrada com o um homem. Assim que se viu na rua, desatou a correr pela aldeia fora até à torre, porque o medo vinha a correr também atrás dele. Mas como ia descalço, ele corria mais. A igreja ficava no cimo da aldeia e a aldeia ficava no cimo de um monte. De modo que era tudo a subir. Mas conseguiu - e agora estava ali. Olhou a estrela para ganhar coragem,  ela brilhava, muito quieta, como se estivesse à sua espera. 

E de repente lembrou-se: se a porta estivesse fechada? Levantou-se logo, foi ver. A torre era muito alta e tinha uma porta para a rua. Pedro empurrou-a um pouco e viu que estava aberta. Ficou muito admirado, mas depois nem por isso. Ninguém ia roubar os sinos que mesmo eram muito pesados. E quanto ás estrelas, se calhar ninguém se lembrava de que era fácil empalmá-las. E tão contente ficou de aporta estar aberta, que só depois se lembrou de a ter ouvido ranger. E então assustou-se. Voltou a experimentar e rangeu outra vez. Rangia pouco, mas o silêncio era muito e parecia por isso que também a porta rangia muito. E teve medo. Reparou mesmo que estava a suar e não devia ser da corrida, porque este suor era frio. 

A porta ficara já deslocada e agora era  só encolher-se um pouco e passar. Mas sem tocar na porta, para não ranger. Meteu-se de lado e entrou. Havia um grande escuro lá dentro. Já calculava isso, mas as coisas são muito diferentes de quando só se calculam. E cheirava lá a ratos, a cera, às coisas velhas que apodrecem na sombra. Como estava escuro, pôs-se a andar às apalpadelas. Mas as pedras frias assustaram-no. Lembravam-lhe mortos ou coisas assim. (…) Mas, à medida que ia subindo, vinha lá de cima um fresco que aclarava o cheiro. À última volta da escada em caracol, olhou ao alto o céu negro, muito liso. Via algumas estrelas, mas era tudo estrelas velhas e fora de mão. Até que chegou ao campanário e respirou fundo. Aproveitou mesmo para puxar as calças que estavam a cair.  Eram dois sinos e uma sineta. (…) E assim que se pôs em terra, largou para casa, mas não muito depressa. Apetecia-lhe mesmo parar de vez em quando e olhar a estrela com uma atenção especial. Era formidável. 

Lembrava um pirilampo, mas muito maior. Oh, muito maior. E de outro feitio, já se vê. A certa altura, voltou-se para trás e olhou ao alto o sítio donde a despegara, como se para ver se realmente já lá não estava. E não. O que lá estava agora era um buraco escuro, por sinal bem feito. Lembrava-lhe a boca dele quando lhe caiu um dente, mas não sabia bem porquê. Quando por fim chegou a casa, trepou á janela que deixara aberta e meteu-se na cama. Estava ainda algum tempo com a estrela na mão, mas não muito, porque já não podia mais, arrombado de sono. De modo que guardou a estrela numa caixa e adormeceu. 

No dia seguinte acordou tarde. A mãe estranhou aquele sono demorado, mas não muito, porque quem passava os dias no retoiço era natural que uma vez por outra pegasse no sono com vontade. Como tinha o berro forte, capaz de ir de monte a monte, a mão ouviu logo. Veio então a correr muito aflita, sem fazer ideia do que fosse, e perguntou-lhe o que tinha. E ele, que estava fora de si, ou mesmo ainda com sono, disse assim:
- Roubaram-ma! Roubaram-ma!

E a mãe, naturalmente, perguntou o que é que lhe tinham roubado. Mas ele aqui calou-se. A mãe cuidou que seriam restos de sonho e não ligou. (…) Mas não tinha sido um sonho, não. O que aconteceu foi que, logo de manhã, assim que acordou, abriu a caixa para ver a estrela e a estrela não estava lá. Ou por outra, estava lá, mas não era a mesma, era assim como uma estrela de lata. E então pensou que lha tinham trocado para pensar qualquer coisa, porque aquilo, realmente, não era coisa que se pensasse. É claro que brilhava um pouco. Mas toda a estrela de lata brilha. O que é, só de dia, quando lhe bate o sol. E mesmo assim, não muito.  Que afinal, com sol todas as coisas brilham com o brilho que é do Sol e não dessas coisas. E a estrela brilhava com  um brilho só dela. Mas nada disse à mãe do que se passara (…)"

Vergílio Ferreira, A Estrela. Quetzal. 2010.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

As palavras de Rómulo

(Rómulo de Carvalho e o seu amigo António Gedeão, foram duas pessoas de infinitas multiplicidades. Neles vimos a divulgação científica, o artigo, o livro, o poema, o sonho de vencer o preconceito e a ignorância pela luta diária do pensamento. Que almas humanas eram e que sentimentos e angústias conheceram nas suas vidas de cientista e poeta? Memórias dá algumas respostas. E foi da leitura de excertos com alunos do 7º, 8º e 11º anos que celebrámos a 24 de novembro essa figura muito rara e de grande inspiração chamado Rómulo de Carvalho.)

Eu digo "pobre de mim" como diria pobre do pobre que está sentado à soleira da porta a apanhar sol e a coçar as costas. Mas ele, o pobre,ainda é feliz porque ao vê-lo desejo ajudá-lo, e eu era um ser indefeso que ninguém pensava em ajudar. Nunca tive vocação nem jeito para viver, inclinação elementar que qualquer ser, mesmo sem ser humano, possui por natureza. Tão incapaz, tão estranho, tão desajustado que ainda hoje, aos oitenta e um anos, me sinto tão surpreendido de viver como aquele frágil menino de um ano a quem a irmã mais velha ampara, no retrato, para que não caia do alto da coluna de madeira em que o poisaram.

Ele tem a cabecinha um pouco inclinada sobre o lado direito como quem pede auxílio, e eu sempre assim a mantive, mas por dentro, dissimulada numa cara comprida e talvez severa, implorando o mesmo auxílio. Sou um pobre ser necessitado de carinho, à espera de um afago que lhe cerre os olhos interiores com deleite como os gatos quando se deitam de barriga para cima. Preciso de amor constante, o amor que se exprime em cada gesto e em cada olhar do quotidiano, mesmo sem contactos, sem palavras, sem premeditações, espontâneo, natural. Amor é um termo ambíguo que se presta a ridicularizar quem o pronuncia. Mas este de que falo não é o que nos faz supor de olhos brancos, em alvo. O amor de que falo é o que se opõe ao ódio, à violência, à dissimulação, ao orgulho, à prepotência, a todas essas "virtudes" que adornam os humanos com os loiros dos triunfos.

Por não possuir tais "virtudes" fui sempre encarado com uma ponta de desconfiança pelos meus companheiros de existência porque naturalmente sentiam a minha impenetrabilidade às suas manobras, manobras correntes, quase inocentes, atitudes do dia-a-dia, de momento a momento, só detectáveis por um escrúpulo demasiado como sempre foi o meu. Em jovem já guardava da humanidade o mesmo sentimento que conservo, a mesma incompatibilidade com as normas correntes de conduta social  e privada, e a passagem dos anos apenas veio dar mais solidez e convicção às suspeitas do instinto.  Aliás, se me alheasse dessas normas por um instante bastaria pegar em qualquer jornal do dia para tudo se avivar. Felizmente a vida proporcionou-me encontros com algumas excpções ao tipo comum do ser humano, e acolhi-as com comoção.

Apesar destes rigores falo bem a toda a gente, uso boas palavras, não me exalto, e posso-me gabar que nunca, na vida inteira, me zanguei com alguém, nunca cortei relações com alguém, nunca virei a cara a alguém. É que, meus queridos tetranetos, eu não detesto os outros nem fujo ao seu convívio se os vejo aproximarem-se de mim. Os meus sentimentos para com os outros não são de repulsa, mas (imaginem!) de pena, de piedade. tenho pena de ver as pessoas presas aos seus preconceitos, às suas ansiedades, aos imperativos da sua hereditariedade, ao peso das tradições, aos condicionamentos do ambiente físico  e humano em que nasceram ou vivem. Tenho pena de todos, e também tenho pena de a ter, porque as pessoas preferem ser odiadas a suscitarem pena. No fundo somos todos irresponsáveis, tanto eles pelo que fazem como eu por reparar nisso.


Rómulo de Carvalho. (2010). Memórias. Lisboa: fundação Calouste Gulbenkian