sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Dia de Haloween

O Haloween é uma tradição com grande significado nos países de cultura anglo-saxónica. É uma efeméride que vem de tempos muito antigos e que remonta ao Samhain, culto praticado pelos celtas e que consistia em não iluminar as casas e vestir roupas escuras, pois acreditavam que assim afugentavam os espíritos dos seus corpos e da sua influência. 

Esta comemoração realizava-se pela altura em que terminavam as colheitas e era o início de um novo ano. Acreditavam que os seres falecidos regressavam ao mundo dos vivos e era uma forma de assegurar para o resto do ano a tranquilidade do mundo vivo. 

Com a cristianização do mundo romano houve um conjunto de festividades que se materializaram a partir desta ideia que vinha desde os Celtas, tendo a Igreja assumido o dia 1 de Novembro, como o Dia de Todos os Santos, onde se configuraram a mistura de valores pagãos e cristãos. "Trick or treat", ou a travessura ou o doce vem beber a esta ideia dos Celtas, tendo o mundo contemporâneo alargado as fantasias e a imaginação nesta comemoração do outro mundo, isto é do Halloween.

                            Imagem (via http://www.candywrappermuseum.com)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

As palavras e as imagens

«Lembro-me, a mãe subia
pela tarde transportando
pequenos vasos de
orquídeas, cavando junto
ao muro alto
onde se abrigavam pezinhos
de hortelã e crisântemos, vigiando
o florir lento dos antúrios
pondo e dispondo flores
com uma atenção muito grave
feita de silêncio e
cuidado

Lembro-me, os dias contavam-se
por esses aromas, lisas invocações (...)

Nesses dias já Adriano
atingira os confins da Grécia
e ao olhar a neve
no alto do etna alcançou
uma felicidade que

pensou jamais seria
turva

mas são precárias 
as imagens que 
rolam pelas encostas difíceis

Adriano não sabia»

José Tolentino Mendonça, «A Primeira Morada», in Os Dias Contados
Imagem, http://1x.com

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Inquérito online aos nossos hábitos de leitura

 Hábitos de Leitura

Dia Internacional das Bibliotecas Escolares

Mês Internacional das Bibliotecas Escolares

O mês de outubro é escolhido há já vários anos pela ISAL, (International Association of School Librarianship) como o mês das Bibliotecas Escolares. Em cada ano a IASL escolhe um tema que procura agregar temáticas ou questões pertinentes para o universo das bibliotecas escolares. O Tema deste ano é, Biblioteca Escolar, um mapa de ideias, o que nos faz pensar sobre o que são e o que podem ser as Bibliotecas Escolares num contexto de mudança tecnológica, de imprevisibilidade económica e social e de dúvidas sobre os formatos que a educação pode assumir neste contexto.

As Bibliotecas Escolares representam ou devem representar uma centralidade na escola pela sua relação com o currículo e com a manipulação de conteúdos informacionais e de envolvimento das competências digitais. Num mundo de informação, o livro é ainda um objeto, um material de cultura e um património de memória. É importante redefinir o papel da Biblioteca num contexto de sociedade de informação. Neste sentido o que é um livro? O que nos permite ele concretizar no universo das ideias? 

A leitura é um imenso privilégio, pois significa que superámos as mais condições da utilidade dos dias, que já não vivemos num quotidiano de carências, de sobrevivência e de medo. A leitura permite ter acesso a um espaço de recolhimento, para desfrutar momentos de lazer e de conhecimento. O livro é o único suporte de leitura que se basta a si próprio, pelo que só depende do leitor, do seu tempo privado, ao contrário da televisão, ou do cinema. O livro chama-nos, carece do nosso entusiasmo.

O que faz a grandeza do livro é a sua essência, isto é, não a leitura em si, mas a criação das imagens que ela suscita. Podíamos dizer que a leitura vale pela sua literacia. O livro é um único suporte de leitura que se basta a si próprio, pelo que só depende do leitor, do seu tempo privado, ao contrário da televisão, ou do cinema. O livro chama-nos, carece do nosso entusiasmo.

Ler é assim, acima de tudo, o momento de construção de imagens, "o levantar a cabeça", imaginado essas imagens que a leitura trouxe. A leitura, a sua essência repousa na construção dessa reflexão, nesse tempo individual. A leitura isola o leitor, permite a imobilidade, instala o silêncio e concede-nos um processo de contra-movimento contra a cidade, o grupo, o barulho, o movimento, libertando-nos do tempo. Por isso a Biblioteca, como espaço de leitura assemelha-se a uma divindade, detentora de uma energia, como a de um templo.

A Biblioteca aprimora a concentração (cujo étimo do latim quer dizer, com um centro), promovendo o silêncio, a imobilidade e a individualização. Se a Biblioteca desistir desta sua  nobre função será outra coisa, que não um espaço acima do tempo e do espaço, onde os seus fantasmas nos falam dos temas eternos, o amor, a luz, a felicidade, a viagem, o outro.

 Deve assim a Biblioteca encaminhar os seus leitores ou utilizadores para um património literário e cultural que é a mais elevada forma de respeitarmos a nossa mortalidade. É a nossa graça, num tempo de cultivar as diferenças, mostrando estar disponível, ao tempo dos outros. É esta conciliação que torna difícil concretizar esta aspiração de juntar o livro à expressão de uma valor digital, de aprofundamento de técnicas de estudo. A Biblioteca Escolar deve procurar esta ligação, pois nela reside o fundamento e o significado da sua existência numa escola.

Livro da Semana - Livro de Crónicas 4


Título: Quarto Livro de Crónicas
Autor: António Lobo Antunes
Edição: 1ª
Páginas: ...
Editor: Dom Quixote
ISBN: 978-972-20451-00
CDU: 821.134.3-94"19/20"

Sinopse:
 ""(...) levanta-te do papel com as palavras. Fecha os olhos e elas saem sozinhas. As palavras são notas, repara. Não penses em nada, abandona-te. O mundo inteiro está dentro de ti." (1)

Um livro de crónicas, o quarto em que o escritor de Sôbolos rios que vão ou de Ontem não te vi em Babilónia nos dá a intimidade do seu olhar sobre os objectos na respiração do quotidiano, dos gestos que nos encantam entre a solidão do que tantas vezes somos e do que admiramos no mais pequeno olhar. António oferece-nos com mais nitidez o trabalho artesanal do escritor que do mundo, da humanidade se reconstrói em cada coração para chegar aos olhares mais particulares, à sombra das árvores nas janelas.

Um livro como todos os seus livros entregue ao leitor, às células por onde caminha o fio do mundo e onde com as suas memórias redige as suas palavras, reformula os significados dessas notas que por entre as cotovias do bosque nos parecem tão pouco expressivas para a raridade do momento.

E a comoção que nós somos em tantos, aquelas palavras, aqueles gestos na conquista breve dos dias. António é um poeta não das palavras, mas do real por onde conquista nas sombras e ausências os significados universais do que significa viver, existir e morrer. 

(1)  António Lobo Antunes, "Já escrevi isto amanhã", Quarto Livro de Crónicas

Picasso - uma aproximação à sua arte

Picasso e o Cubismo

Na memória de Picasso

O século XX, os seus acontecimentos e formas marcaram com extrema violência a vida de milhões de pessoas. A História do século XX não pode ser compreendida sem a Arte, e as formas que ela assumiu. O século passado inaugurou de forma massiva a comunicação como meio de exprimir uma ideia. A pintura deixou de depender da noção clássica dos renascentistas da noção de perspetiva, assim como deixou de representar uma figura ou um quadro natural. O quadro tornou-se a própria realidade.

Neste sentido a arte em geral e a pintura em concreto poderiam dar a conhecer uma ideia de realidade, uma proposta de sociedade, indicando uma visão do mundo. A perspetiva aparecia como um ponto de observação, dando-nos uma ideia, um quadro, uma descrição do real. Ora, a História do Século XX, pelas suas contradições e angústias mereciam que a perspectiva fosse fragmantada, dividida em secções, como a própria realidade.

A arte e a pintura, em particular deveriam mostrar, revelar a natureza humana nos seus aspetos mais visíveis. O feio, a violência, a realidade sofrida por cidadãos em tão variados locais por onde a Guerra fez as suas vítimas. A vida moderna deveria ser expressa na sua angústia, limitações e estado de caos. A arte deveria apresentar o mundo, já distante nas formas sociais e culturais do século anterior. A este movimento iniciado em 1908 por Georges Braque e Picasso deu-se o nome de cubismo.

Foi com Picasso que a ideia da fragmentação da imagem foi levada mais longe. O nome de cubismo vem-lhe da utilização de pirâmides, cubos, cones que utilizava na diferente perspetiva dos objetos. A utilização de máscaras africanas e a utilização das suas cores vivas fez dele um artista muito importante na Arte Europeia e Mundial. Não é excessivo dizer que Picasso é um dos marcos da Arte Ocidental.

Há justamente cento e vinte e cinco anos, que nascia um dos criadores do cubismo e que deu à arte e à pintura uma ideia nova e transformadora da representação da realidade e da vida. O Museu Picasso em Barcelona disponibiliza um conjunto de recursos on-line interessantes. Vale a pena consultar. Aqui.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

António Manuel Pina - a lembrança de uma memória

"A beleza é o rosto mais jubiloso da verdade. Não da própria verdade, mas do seu rosto". (1)

Os dias são muitas vezes tão sucessivamente rápidos que muitas memórias nos escapam. O tempo torna-se reduzido para inscrever no íntimo tantas vozes que tentaram connosco dar aos dias uma cor própria, um sentido vivido de consistência e beleza. António Manuel Pina desapareceu fisicamente a dezanove de outubro de dois mil e doze. É uma voz que vale a pena recuperar. Pela poesia, pelas crónicas, que nele eram uma arte de desmontar o essencial e pela prosa.

António Manuel Pina foi um homem que buscou nas palavras uma tentativa de fazer compreender a nossa natureza efémera. Foi daqueles que vindo das terras do Mondego, dos contrafortes da Estrela se fez e se encontrou na cidade do Porto, como forma de desenhar na natureza agreste das pedras, o seu caminho de combustão de sonhos, no veludo das encostas de granito.

António Manuel Pina tinha uma paixão pelo Winnie the Pooh. Olhava para a literatura infantil como a possibilidade de reencontrar o olhar inicial, o que está pronto para a linguagem do mundo, ainda sem o conhecer. Revelou uma curiosidade para traçar pela poesia as grandes questões filosóficas de sempre inerentes à natureza humana e descobriu na solidão a possibilidade de erguer sonhos.

Refletiu sobre a sociedade em que viveu com liberdade, com inteligência e com criatividade. Deu-nos no JN um conjunto de crónicas sobre esse real que se sonha e que não se compreende pela ausência de uma real cidadania. Desse real, em que instituições e media, precariamente percebem o significado do velho ideal grego, "Libertas, Humanitas, Felicitas". 

Foi um cronista que ousou utilizar as palavras para discutir "as verdades" que o establishent político gosta de enumerar como os pilares do universo, por onde interesses privados se alimentam da destruição mais básica dos valores de dignidade de tantos. António MAnuel Pina foi um prosador e com as palavras procurou exercer a liberdade que nos falta, a que tem uma dimensão moral.

E foi um poeta. Um poeta que nos descreveu como nos orientamos com os mitos, como respiramos o real, entre os lugares e as suas sombras, por onde tentamos reconhecer os gestos. Nunca nos recompomos da partida dos poetas, pois o timbre da voz é irrecuperável, mesmo que a memória e as palavras queiram colaborar nessa luta à partida perdida, de guardar o sorriso no templo desse "dragão feroz" (2) que é o próprio tempo.

(1) Entrevista a António Manuel Pina, in Jornal i, 18/02/21012 
(2) Ana Maria Matute, Paraíso Inabitado 

Dia Mundial da Alimentação - Registo (III)



A vida é feita de escolhas, comer não é uma delas. Quem opta por não comer não tem amor à vida. Querer não é poder. Comer é um dever. - Natália: 10ºA.

Somos o que comemos. Se eu não gostar de mim, quem gostará? Se deres a volta à vida, a vida volta. - 10º A.

Não devemos recusar alimentos, pois enquanto alguns não comem e não se alimentam de propósito, outros morrem de fome. Se queremos perder peso, devemos fazê-lo de maneira saudável. Assim, o que devemos fazer é ingerir alimentos menos calóricos, não apenas deixar de comer. - Marta: 10º H.

Acho que se deve ter uma alimentação equilibrada, comendo um pouco de tudo e não fazendo exageros na alimentação. - Madalena: 7º 1ª.

A gula é um dos sete pecados mortais que prevalece e se evidencia enquanto há pessoas a morrer de estômago vazio. - Carolina: 10ºA.

A obesidade é algo muito grave nos dias de hoje. Nos supermercados torna-se muito fácil a opção pelos alimentos fast food e não os vegetais, as frutas, os legumes,...
Existem pessoas que comem para encontrar um prazer, quando não existe nenhuma felicidade no seu dia-a-dia, enquanto encontramos em angústia crianças e adultos, que procuram na comida o vazio que lhes falta na alma. Proponho que reeduquemos as crianças e adultos a gostar dos verdinhos! Sim, comam desde que vos faça bem à alma e ao coração. - Sara: 10ºH.

Tudo tem dois lados. Satisfaz-nos por fora. Destrói-nos por dentro. - Marta: 10ºA.

Não devemos desperdiçar comida, pois há muita gente que a não tem. Não a deites fora. Oferece-a a quem dele necessita! - Jéssica: 7º 3ª.

Por vezes, é preciso pararmos e pensarmos nos outros. Naqueles necessitados que só podem contar com eles próprios para sobreviver. É triste pensarmos que enquanto nós temos alimento todos os dias, há pessoas que ficam felizes apenas com uma migalha de pão e nós nunca estamos satisfeitos. Desperdiçar é uma coisa "normal" para quem tem. Se formos menos egoístas o mundo não estaria assim. Vamos pensar nos outros e ajudarmo-los, como gostamos de ser ajudados. - Inês: 8º 4ª.

Há quem não possa, há quem não queira. Porque obrigar quem não quer e não dar a quem quer, mas não pode? - Isabel: 10º E.

Devemos pensar nos outros e ajudar aqueles que podemos. O mundo foi feito para todos, mas nem todos temos a mesma sorte. A fome, a guerra é uma luta diária de muitas pessoas e crianças por este mundo fora. Cada um sobrevive a cada dia como pode e para alguns a própria luta é a fome. - Ana: 10ºH.

O mundo é bastante grande. Mas podemos questionarmo-nos se realmente o é? É grande para ter tantas pessoas, mas suficientemente pequeno para alimentar todoas as pessoas. - Marta. 10º A.

Enquanto há uns que têm tudo, outros não têm nada. E isso reflete-se na alimentação também. É incrível que em certos países existam crianças que ficam dias sem comer, sem terem um único pão ou peça de fruta que, nós às vezes desperdiçamos só porque nos apetece. A fartura e a gula é algo que temos de extinguir. Devemos pensar naqueles que nada têm. Talvez isso mude a nossa consciência. - Mariana: 10º H.

Enquanto fores saudável, és feliz. - Martim: 10ºA. 

Dia Mundial da Alimentação - Registo (II)

No passado dia dezasseis de outubro a Biblioteca Escolar da Escola Secundária Rainha Dona Amélia comemorou o Dia Mundial da Alimentação com um conjunto de atividades, em que procurou destacar o valor da alimentação numa saúde, entendida est com elementos biológicos e psicológicos.

A Biblioteca organizou uma exposição composta de três zonas:
1ª - Recursos documentais - Exposição de livros e revistas que destacavam o valor da alimentação. Apresentaram-se um conjunto de imagens relativos a frutas e legumes, procurando dar um contexto visual apelativo. Junto desta zona, foram lidos alguns excertos sobre as caraterísticas de determinadas frutas e o seu papel anti-oxidante na alimentação de todos nós.

2º - Exposição de imagens - Escolheram-se imagens diferenciadas que foram expostas em dois placards. Um revelando o valor nutritivo dos legumes e frutas e outro destacando os aspetos sociais e psicológicos da alimentação. Neste  último destacaram-se os excessos alimentares, a ingestão de alimentos pouco saudáveis e os problemas ligados à fome e à anorexia.

3º - Comentário - Na mesa grande, colocada no final da Biblioteca, foram pedidos aos alunos comentários sobre as imagens, que foram apresentados também aqui em formato reduzido. Com algumas turmas do 10º ano foi possível discutir algumas ideias e refletir um pouco sobre o que envolve a alimentação, nas suas componentes de saúde, de sociedad, de hábitos e costumes e as escolhas que fazemos. No post seguinte publicamos algumas dos comentários de que mais gostamos.

Dia Mundial da Alimentação - Registo (I)



No Dia Mundial da Alimentação, o grupo de docentes e alunos envolvidos no Projeto Desacelera, preparou um conjunto de materiais e de iniciativas de modo a destacar a importância da Alimentação na vida de todas as pessoas, de modo a se atingir uma boa saúde. Foram expostos marcadores com imagens de frutas e com um conjunto de imagens que alertaram os alunos e docentes para a importância da fruta na nossa alimentação.

Foram oferecidas gelatinas de fruta e maçãs aos alunos e docentes, de modo a incentivar o valor da alimentação e a necessidade de todos nos preocuparmos com este aspeto que pode dar outra qualidade à nossa vida.

No intervalo das 9.45, foi assim possível destacar a alimentação na escola e suscitar nos alunos a problemática de uma alimentação saudável.

Livro da semana - Um lugar dentro de nós

Título: Um Lugar dentro de Nós
Autor: Gonçalo Cadilhe
Edição: 2012
Páginas: 223
Editor: Clube do Autor 
ISBN: 978-989-724-016-4 
CDU: 821.134.3

Sinopse:
 "Não são as pessoas que fazem as viagens mas sim as viagens que fazem as pessoas." (1)

É um dos mais interessantes livros de Gonçalo Cadilhe, um escritor, um cidadão que reescreveu a sua vida nas linhas do horizonte, no encontro entre as viagens diurnas e noturnas, tentando desvendar o seu eu, o que o faz percorrer kilómetros ao encontro do conhecimento de tantas culturas e de tantas cores de vida.

Ao contrário de outros livros que nos oferece um percurso mais orientado ou construído na descoberta de determinadas latitudes, em Um Lugar dentro de nós, revela-nos que somos nós o que mais importa no traçado da geografia, somos nós que nos descobrimos nos poemas que o planeta nos oferece. Em cada viagem, entre cada recolha de sal e pó, organizamo-nos sobre o que nos identifica. Na variedade do mundo recriamo-nos em originalidade.

É um pouco isto que Gonçalo Cadilhe nos transmite nesta procura do enriquecimento interior pela viagem. São as suas experiências, como testemunhos desse encontro com a geografia, por locais tão diversos, como o Porto, Guimarães, ou a Namíbia que encontramos esse diálogo por uma compreensão das histórias que o mundo lhe revela e a nós, leitores. Um livro e um autor a descobrir, por quem ainda não tenha lido, capaz de alimentar este sonho de viajar e adormecer sob o céu estrelado.
(1) John Steinbeck, do Prefácio

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Memória de António Ramos Rosa











A palavra, a fábula, o mundo

 

Escrevo para entrever o que seria o mundo
liberto de si mesmo e sem imaginar
pouso no limite entre a luz e a sombra
para me oferecer à nudez de um começo

Há palavras que esperam na sombra contra o muro
para serem a felicidade de uma folha aberta
sem mais sentido que o perpassar da brisa
mas que abrem o mundo e de doçura tremem

Não é preciso polir a madeira das palavras
ou talhá-las como se fossem seixos
Há um lugar para elas no branco e não numa alfombra de
ouro
e quanto mais frágeis mais frescura exalam
porque elas são a fábula do mundo quando a água o embala.



António Ramos Rosa. (2001). Antologia Poética. Alfragide: D. Quixote.
Imagem, lleana Bosogea-Tudor (Via http://1x.com/)

Dia Mundial da Erradicação da Pobreza

"Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia." (Nelson Mandela)

As possibilidades ao nosso dispor são imensas. Temos as ferramentas para um mundo partilhado, em que os seres humanos tenham a possibilidade de se construírem com a decência, a dignidade e o valor humano essencial à sua dimensão. Temos os recursos, aparentemente a inteligência, mas domina-nos uma arrogância pré-histórica, uma ganância sem valores. 

E neste caminho de possibilidades, que Mandela tanto falou que olhamos para estes dias e vemos realidades quotidianas que dispensam palavras pelo esmagamento a que seres humanos estão condicionados. Pelas oportunidades, pela educação, por aquilo que envolve as opções das sociedades. E há o cansaço de vermos cada vez mais pessoas nas sombras, onde o contributo deles e a consciência se destroem, sem que esse direito mínimo seja garantido.  

E na confirmação desta ausência de responsabilidade ética que se desenham nos rostos das políticas, sente-se uma fatalidade nestes milhões de pobres, nesta abordagem burocrática de sociedade, de caminho sem discussão. Os pobres são o sinal mais evidente do falhanço de uma comunidade. É preciso lutar contra esta marginalidade humana, que doutas personagens ignoram, neste assombro pelo lucro fácil, com que as sociedades se eternizam, onde o rosto é uma forma dispensável de existência. Pedro Abrunhosa disse o essencial, para que essa forma de indignidade se reduza sucessivamente e possam surgir dias realmente de mais significado para mais pessoas.


Instantânea (do espaço como capacidade de um lugar)

"De longe é oprimum tempus que avança, parecendo despertar do seu sono de milénios. Vê-se então a paisagem que se estende como um belo e amplo  painel de azulejos, mas pouco se compreende. À parte o jogo das linhas que sobem e descem em quadros de luz e sombra cruzando o relevo, tudo o resto é difuso e parece que cai a pique sobre o mar. De perto, porém, distinguem-se as coisas singulares. Todas elas têm cor, forma, som. Este, por exemplo, é António. Aqui o temos numa singular errância, olhando para o oceano poderoso enquanto conduz o automóvel - uma visão que se abre a partir do momento em que, apesar do frio, desce um pouco o vidro, a fim de respirar o ar característico do amanhecer na ilha, numa variedade de aromas que apela aos sentidos e convida à meditação.

À custa do último orvalho, o asfalto brilha como a pele juvenil de uma maçã e a brisa húmida e fria sente-se particularmente, à medida que o carro adentra neste alinhamento de incensos, sanguinhos, vinháticos, loureiros, criptomérias e plátanos, alguns dos quais sobressaindo irsutos e agrestes, com os ramos a rasgar a ténue claridade. Estranha desde logo nunca ter dado atenção a semelhantes detalhes: a correria nervosa e esquiva dos coelhos bravos, o cortejo de narcejas debicando nas covas, as tímidas codornizes ou o pasto arrastado do gado nas encostas, cujos chocalhos cadenciam a madrugada como se fossem os sinos de um templo.

Tendo agora todo o tempo do mundo para pensar, apercebe-se da distância percorrida durante a noite: uns vinte quilómetros de estrada sinuosa, ora enrolada sobre si mesma ao longo da costa, ora cortando para norte - e aí com mais suavidade, ao atravessar as pastagens -, intercalando a sensação de abismo, causada pelos precipícios, com a de brandura, causada pelas planícies. Esta averiguação motiva nele um sorriso de par em par; um sorriso alegre, intenso, ingénuo, que se prolonga por momentos no seu rosto. Por outro lado, também sorri comovido com o cântico dos canários e com as primeiras investidas dos melros, saltitando nas clareiras desamparadas.

Só quando desliga o rádio consegue ouvir nitidamente a complexidade de sons que a música e os anúncios antes abafavam e uma vez mais sorri, dada a simplicidade do que observa. Naturalmente vem a descobrir, a partir do pequeno mundo dentro do mundo que é o seu automóvel, um sentimento jamais experimentado, acerca do campo e do mar, e sem perceber porquê sente o sangue na face como alastra um incêndio pela erva seca, enquanto esfrega os olhos com o nó dos dedos para não adormecer ainda.

Bem ao fundo, aconchegada entre o mar e os montes, emerge da neblina (nas palavras de Italo Calvino) a rosa branca das habitações. Até lá, um manto de ervas, linhas de árvores e flores pequeninas; e à esquerda, num recorte, o espelho azul de uma lagoa. Respira fundo, desliga os faróis, desce até baixo o vidro do seu lado, a fim de evadir-se nos frescos odores dos eucaliptos e das rocas de velha, e assim guia um par de quilómetros, à luz aberta, mas concentrada, do alvorecer.

Até que na dobra de uma curva chega enfim o primeiro sinal de vida humana: um rapazito que irrompe a assobiar, guiando o gado para a ordenha. Sentindo-se feliz, evoca Darwin - quando em setembro de 1836 se cruzou com pastores na sua visita às Furnas do Enxofre -, abranda a marcha e encostando à berma estende o braço para fora, acenando-lhe. Como se quisesse ser ele.


Rui Machado. (2009). O Mergulho. Lisboa: Portugália Editora.

(De um livro que me chegou primeiro pela simpatia de alguém que o revelou nalgumas palavras iniciais e de pois pela sua descoberta. Mergulho é um livro sobre essa ideia de mistério e de flutuação, onde individualmente nos confrontamos connosco. Mergulho do escritor connosco leitores, na descoberta do mundo, usando uma abordagem poética da prosa. Mergulho no silêncio, nessa cadência das palavras que se descobre num mundo de ruído. Mergulho é um livro que vale a pena descobrir, numa imensidão de vazios que tanto vemos em tantos destaques livreiros. Talvez valha a pena considerar a possibilidade de o cativarmos para um encontro. O primeiro passo é lermos as suas palavras.)


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Dia da Alimentação - Comentários - 10ºC


Dia da Alimentação






(Alguns dos conteúdos produzidos para comemorar o Dia da Alimentação. Recursos produzidos no âmbito do Programa Saúde e dinamizados pelos docentes da área das Ciências Naturais).


António ou a breve eternidade das palavras

Dia Mundial da Alimentação

O amor pelas palavras

As palavras têm uma efemeridade de eternidade, no sentido de com elas desenhamos as imagens, as ideias que pensamos poder fazer criar mundos onde nos sentimos bem, onde queremos adormecer, na esperança que cada manhã seja uma possibilidade nova, um caminho que nos reencontro connosco, a nossa respiração.

Os livros são assim sonhos deixados no nosso caminho, convites para abraçarmos outras tantas formas de ver o mundo, de navegar em geografias, em viagens onde o silêncio possa sussurar entre o vento, das histórias que nos fazem meditar sobre como criamos o nosso mundo, como o relacionamos com todas as individualidades que connosco habitam o quotidiano.

O amor às palavras, nessa ideia de as ver como construtoras do mundo e de nós, é uma tarefa difícil de realizar nas escolas pelo motivo pouco óbvio, mas estruturante de que naquelas se aprende a ler. E é essa a dificuldade maior, gostar de livros, fazer gostar de livros, pois por que não usamos todos esta chave única que faz abrir tesouros desenhados em espaços e tempos diversos, mas sempre com a ideia do convite. Todo o livro já formalizou um convite, que se dirige a nós. 

Leituras com futuro  não é um projeto da Biblioteca. É um projeto de criação de uma comunidade de leitura, com alunos do 11º ano, na disciplina de Estudos Literários, com a participação de um jornalista do Jornal de Letras e que ambiciona ler livros, discutir as suas ideias e as suas palavras. Neste projeto, dinamizado pela professora Filipa Barreto, o contacto com os livros e com os seus autores é um forma inovadora de trazer esse gosto, esse amor pelas palavras, essa efemeridade de eterno que todos procuramos.

Num tempo muito pouco dado a entusiasmos e a causas é essencial dar conta dos gestos apaixonados pelas causas. O livro e a leitura é uma grande causa. Os alunos tiveram uma atitude excecional de entrega ao livro, de questionamento ao valor das opções, das escolhas que com as palavras  todos fazemos.  O seu exemplo de dedicação e de maturidade parece-nos um valor que deve ser destacado, pois as  escolas devem tentar ser aquilo que permita neles exprimir a criatividade. A imaginação para alimentar essa criatividade faz-se com percursos onde estejam o nosso rosto e a nossa respiração.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

No nascimento de Agustina

«Os meus livros são, afinal, ou só isso, a oportunidade de milhões de almas, únicas todas elas, almas de sapinhos cheios de importância de viver. [...] Uns partem um pouco depois de dizerem bom dia, outros ficam até morrer. Todos se continuam naquilo que têm de profundamente entre si – a vocação para serem sós, porém aceites por cada um dos outros. Porque a solidão que me acusam de impor aos meus personagens, como uma grilheta, é apenas a sua individualidade biológica, a exclusividade, a reivindicação superior da sua própria luta. Um homem jamais corresponde a outro homem; as suas reacções e conclusões não equivalem a vivência de outra alma, a experiência doutro eu. O mistério da vida cumpre-se em cada homem de uma forma única.» (1)

Retemos dela uma ideia de uma luz de quem caminhou ao contrário, da maturidade para a infância, de quem nos ensinou que a vida é demasiado importante para ser levada a sério e que por isso nada mais difícil do que o gesto grave, a dureza do caminho, para os que procuram um lugar de felicidade, de conquista de individualidade. Por isso as fórmulas rápidas e fáceis são inexpressivas de qualquer verdade, pois em cada ser há uma respiração diferente.

Nas suas obras, as mulheres de diferentes gerações revelam essa aspiração de humanidade, que condensam o que viveram, o que sonharam, em luta com o real sem se saber se se ousou o suficiente, se a afirmação foi suficiente para chegar a esse momento quase final em algo que se compreendeu. 

É uma das grandes figuras da cultura portuguesa deste século. Pela escrita, pelos temas, pelo humor e por aquele sorriso de quem já parece ter percebido o sentido das coisas e por isso sorri para o horizonte, como a criança acabada de nascer. Chama-se Agustina Bessa-Luís e faz hoje noventa e dois anos. Deixamos um excerto do final desse grande livro, Sibila:

«É esta a mais grandiosa história dos homens, a de tudo o que estremece, sonha, espera e tenta, sob a carapaça da sua consciência, sob a pele, sob os nervos, sob os dias felizes e monótonos, os desejos concretos, a banalidade que escorre das suas vidas, os seus crimes e as suas redenções, as suas vítimas e os seus algozes, a concordância dos seus sentidos com a sua moral. Tudo o que vivemos nos faz inimigos, estranhos, incapazes de fraternidade. Mas o que fica irrealizado, sombrio, vencido, dentro da alma mais mesquinha e apagada, é o bastante para irmanar esta semente humana cujos triunfos mais maravilhosos jamais se igualam com o que, em nós mesmos, ficará para sempre renúncia, desespero e vaga vibração. O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome.» (2)

(1) ; (2) - Agustina Bessa-Luís, in Revista "Lusíada", Porto, Outubro - 1955; Sibila

terça-feira, 14 de outubro de 2014

No aniversário de Hannah Arendt

"Na medida em que a hipótese central do totalitarismo repousa sobre o"tudo é possível", uma cidadania sensata e uma acção racional devem repousar sobre a hipótese inversa de uma constituição da natureza humana, ela própria justificada pela sua capacidade de abrir, de preservar ou reconstruir um espaço político". (1)

Hannah Arendt é um dos mais importantes nomes do pensamento filosófico do século XX. Devemos-lhe uma lucidez capaz de compreender os mecanismos que suportam a maldade como forma de organização de um qualquer poder político. O seu estudo assenta sobre esse acontecimento inexplicável nos fundamentos racionais da humanidade, essa doença do espírito que foi o nazismo.

Hannah Arendt num filme de Margarethe Von Trotta que é um exercício de cidadania e de afirmação democrática pelo que faz discutir os elementos simbólicos da organização das sociedades, revelou uma dimensão que urge salientar pela sua importância sociológica. O filme retrata a julgamento de Eichmann e a sua iniciativa de tentar compreender como se suportava no pensamento, na explicitação o "mal absoluto", num indivíduo responsável pela eliminaçãode tantos milhões de judeus. E o que Hannah Arendt compreendeu é que aquele homem não conseguia estar à altura da terrível condição que foi o nazismo. N-ao existe afirmação ideológica, nem arrependimento.

O que Hannah Arendt ouve é a voz de um burocrata, um homem que cumpre tarefas, ordens, que não está envolvido nas suas ações na engrenagem sequencial da morte que era o nazismo. Hannah Arendt compreende que existe nestes funcionários a execução do mal, a banalidade extrema desse mal. Os funcionários de Hitler não corporizam uma ideia de mal. Nessa banalidade do mal, houve uma Alemanha instruída, culta que fechou os olhos a este drama humano. A antiga aluna de Heidegger insiste que não se pode desligar o pensamento da quotidiano. 

Heidegger, filósofo da Ontologia tem dificuldades em cumprir esse compromisso. Valerão alguma coisa as palavras que não se comprometem com a dignidade humana? É essa a lição de Hannah Arendt. E a de que o pensamento tem uma moral, tem uma humanidade. A sua crítica ao colaboracionismo judeu nos campos é mais uma frente do seu vigor profundo e humano.

O filme sobre Hannah Arendt não nos ilustra um período histórico. Ele é uma peça essencial para pensar as sociedades contemporâneas, o modo como as formas de poder biopolítico se organizam. Os tempos de um crescimento sustentado de valores civilizacionais está em suspensão e a formulação do pensamento único, do fazer sem refletir deve-nos fazer pensar, que sociedade pretendemos construir, num mundo demasiado formulado a práticas burocráticas com ausência de valores de cidadania.

(1) - Hannah ArendtBetween Past and Future: Eight Exercises in Political Thought.

No nascimento de um poeta - E. E. Cummings

" (...)Teu mais ligeiro olhar facilmente me revela
Embora eu já tenha me fechado, como dedos,
Abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
Tocando habilmente, misteriosamente sua primeira rosa (...)
Somente algo em mim entende
Que a voz dos teus olhos
É mais profunda do que todas as rosas.

Ninguém,
Nem mesmo a chuva
Tem mãos tão pequenas.»

(Nos cento e vinte anos do nascimento de um dos poetas mais importantes da América do século XX, pela forma inovadora na escrita e pelos valores modernos, muito ligados ao coração e à individualidade humanas.)

                 E. E. Cummings, «somewhere i have never travelled, gladly beyond»                        in poetryfoundation.org