domingo, 30 de novembro de 2014

Pessoa - uma breve biografia


"Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes« (1)

O apelido de Pessoa remete-nos para o teatro grego, as máscaras com que cada um enfrentava as dificuldades, os desastres a que não cediam de ultrapassar. Pessoa transporta-nos para essa noção de diversidade, de multiplicidade do individual. O poeta de que aqui falamos e que hoje se evoca o seu desaparecimento físico, há justamente setenta e nove anos, é uma figura marcante da cultura europeia e mundial. Representa a procura para num mundo coletivo, exprimir a voz do indivíduo, do seu olhar e das suas possibilidades.

Pessoa foi influenciado por um conjunto de circunstâncias, as suas, as do seu tempo, que lhe criou um ambiente histórico onde já se determinavam as dificuldades do Portugal Contemporâneo. A saber, O Ultimatum inglês, a decadência da monarquia, as dificuldades de afirmação da República, a instabilidade política e social, os acontecimentos trágicos à volta de Sidónio Pais. A confirmação de um regime onde a dignidade do ser não existia assegurou-lhe um Portugal cinzento, sem visão, nem futuro. Pessoa soube criar uma poética que respondia à multiplicidade individual, oferendo-nos a dimensão moderna, universal do homem como medida de realização de um todo. Afinal o que pode ser a vida?

Neste caminho em contínua aprendizagem que dimensão nos pode transportar para uma felicidade mais próxima da respiração de cada um? Um trajeto em que apenas o visível pelos sentidos se pode apreender, acima de qualquer ideia moral, como em Alberto Caeiro, ou o modernismo tecnológico do mundo de Álvaro Campos, ou os constantes valores culturais da memória de Ricardo Reis? Afinal não são os heterónimos diferentes possibilidades de olhar para a afirmação do género humano nessa aventura que é viver?

Em todo este complexo modo de ser, Pessoa afirmou-nos que é pela força das ideias que o País poderá ter a sua única possibilidade de se afirmar no mundo desenvolvido. A Mensagem, mais do que um relato de feitos do passado transporta-nos para essa ideia de um Quinto Império em que Portugal para ser autónomo, diferente, melhor, só o pode concretizar se for autêntico, se souber assumir a sua verdadeira dimensão.

Pessoa afirmou-se modernista pela sua tentativa de transformar o futuro do País pelas ideias, pela arte, pela cultura, no sentido de cada indivíduo poder participar na construção de uma comunidade. Quantos que governaram este País, inclusivé no presente, se esqueceram deste simples princípio? Pessoa é um criador universal, porque soube criar as diversas possibilidades do indivíduo, a sua multiplicidade onde se encontram inscritos, os valores humanos. Afinal o que poderemos ser em cada dia, reconstruindo o futuro quotidianamente, é uma das suas grandes ideias. Partindo de uma experiência individual, as suas palavras reforçam a nossa humanidade, como valor universal.

Só os homens geniais conseguem acima da espuma dos dias, verificar o movimento mais profundo e compreender como poderemos ser mais dignos como País, nas palavras de Almada. Existir é pouco para uma dimensão mais consciente da vida. A genialidade de Pessoa é essa. A de revelar a necessidade de quebrar a incerteza que reina nestas praias em sucessivas gerações. Mariano Deida afirmou, há alguns anos, que o poeta de Autopsicografia inventou a própria literatura, no sentido não de ter criado palavras novas, mas de nos revelar dimensões novas do sentir/sentido humano.  

O autor de Guardador de Rebanhos ou de Mensagem ou de Tabacaria é o maior dos nossos poetas, o filósofo das partidas esquecidas e dos sonhos de conquista do infinito universo. Chamou-se Pessoa, Fernando Pessoa, andou por aqui durante os milénios dos seus sonhos e faz hoje setenta e nove anos que adormeceu. Continua a interrogar o real tão feito de aparentes compromissos de verdade e imaginação.

(1) Ricardo ReisOdes
Imagem, in f.Pessoa.com

O mistério das coisas

O mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio e que sabe a árvore
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as coisas e penso no que os
homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As coisas não têm significação: têm existência.

As coisas são o único sentido oculto das coisas.

Alberto Caeiro, "Poema XXXIX", "Guardador de Rebanhos", in Poemas de Alberto Caeiro.

Cinema e memória


O cinema é um recurso de informação de grande significado, e em muitos sentidos permite chegar à compreensão dos muitos aspetos que envolvem o quotidiano de diferentes épocas, dando-nos uma forma plural de compreender os valores humanos e a sua relação com a evolução cultural e social de diferentes tempos. Valeria a pena pensar como aproveitar este recurso como fonte de projetos de literacia digital e de formação e cada um, nuam escola e por isso também numa biblioteca.

Um dos casos maiores, que vale a pena estudar e usar como forma de aprendizagem é o caso, do possivelmente maior realizador de cinema, justamente, Charlie Chaplin. Charlie Chaplin mudou a linguagem cinematográfica, fez a transição do cinema mudo para o sonoro  e realizou grandes avanços nas formas de  edição do filme.

Charlie Chaplin foi ator e realizador de cinema. E foi como ator que se iniciou, aparecendo pela primeira vez, justamente há cento e um anos, a trinta de novembro de 1913, com "Making a Living". Chaplin foi um génio da sétima arte no modo como de uma forma singular, saberia envolver o desamparo dos gestos, a solidão, a ternura, a esperança em feitos de cumplicidade. Chaplin é um ícone da sociedade contemporânea e com ele aqui voltaremos para falar desse recurso inesgotável que é o cinema e que são os seus filmes Luzes da Cidade de 1936, ou Tempos Modernos, de 1940. 

Chaplin revelou a universalidade maior dos valores humanos que se comprometem com a beleza, o sonho, a ternura, ou a esperança, a dignidade da vida humana. Um dos trechos mais significativos dessa forma de exprimir a liberdade, está em O Grande Ditador, realizado em 1947 e que nos dá um tempo contínuo, onde, as nossas características pré-históricas parecem ser maiores, que o valor das ideias que soubemos edificar em palcos vazios de dignidade. Imaginámos que esses eram tempos do passado, mas subsistem muitos muros, onde muitos estão de fora dessa fraternidade pelo essencial.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Sophia - "Em todos os jardins"

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia.
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.
  
Um dia serei eu o mar e a sereia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como um beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Sophia, De Mar (Antologia), Caminho 
Imagem, Dos Jacarandás de junho, na Boavista.

(No fim deste mês, um poema de Sophia, que foi um dos autores em destaque na Biblioteca e para a qual se criará entre a próxima semana e o fim do 1º período uma exposição temática, "o mar de Sophia", que convidamos todos a conhecer e a participar. Daremos notícias disso pelos canais habituais.)

Eugénio - "O indulgente cativo"

Há pouco mais de um ano uma revista que procura na cidade do Porto conduzir-se entre as artes, os livros e as bibliotecas, publicou um texto, que foi lido publicamente no velho Guarani e onde participou um artista plástico que deu corpo a diferentes projetos de cidadania, H Mourato. Essa revista, As Artes entre as Letras deixou um texto num dos seus números de 2013, em evocação de Eugénio, lembrando esse tempo que o poeta dizia a sua poesia na cidade crepúsculo. Nesta despedida do mês de novembro, um texto,  que nos lembra a luz das suas palavras e de algum modo esse mundo dos cafés e das tertúlias, onde tantas ideias se ajuntaram para qualquer coisa mais belo.

"Com aquele semblante austero, aquele olhar levantado e distante quando era visto (ou quando se via) passar; com aquela solitária presença, protegido de silêncio ou mergulhado profundamente, com todos os sentidos, numa leitura absorvente, quem ousava romper uma tal serenidade ou quebrar essa muralha com que procurava proteger-se? E, no entatnto, bastava uma saudação amável ou até um sorriso apenas para "abrir a porta". (...)

O halo da sua presença atraía e, com aquela sua voz inconfundivelmente amável e sedutora, quem quer que o ouvisse não podia deixar de ficar preso à sua musicalidade nem à sabedoria adivinhada em cada palavra ouvida. Mesmo não o conhecendo, pela sua voz, pela figura, era "alguém" invulgar. E era. Era o Poeta: o arquitecto exímio da palavra, com a qual era capaz de edificar palácios que resistirão ao tempo, ao mundo, aos homens, mesmo que os que por deficiência genética ou por ambição se tornam demolidores

Quem o conheceu e lhe é leal não pode deixar de lembrá-lo como homem bom e cortês, afável, delicado, carinhoso, fiel, sem outra ambição que não fosse encontrar "uma sílaba, uma sílaba só...uma vogal, uma consoante, quase nada" e dar à sua vida a dimensão que pudesse ser pesada "num prato de balança" com um verso seu. Não sei de destino mais glorioso. Passou a vida toda a transformar a luz em canto

Que singularidade a vida e a existência deste ser comum que amou um lódão como uma criança, que louvou a heroicidade de Chico Mendes ou a memória de Ruy Belo por palavras que mais ninguém saberia harmonizar! (...) Quem te lê, sente que enlevas e elevas para onde só a poesia como a tua é capaz de transportar. Felizes aqueles que podem guardar no coração e em qualquer momento um verso teu.Isso fá-los-á estar sempre mais próximo do sol". 

   Imagem, a partir de uma escultura do mestre de artes plásticas, H. Mourato

Mural Filosófico - Profª Teresa Santos (10º A)



Alguns dos comentários produzidos para o Mural Filosófico, iniciativa integrada na comemoração do Dia Mundial da Filosofia. 

Mural Filosófico - Profª Teresa Santos (10ºE)



Alguns dos comentários produzidos para o Mural Filosófico, iniciativa integrada na comemoração do Dia Mundial da Filosofia. 

Mural Filosófico - 10º B / C / D /F / G (Profª Isabel Sousa)




Alguns dos comentários produzidos para o Mural Filosófico, iniciativa integrada na comemoração do Dia Mundial da Filosofia.  

Dia nacional da cultura científica

No dia nacional da cultura científica alunos do 12º ano partilharam o seu conhecimento na área da Física e realizaram sob a supervisão da professora Leonor um conjunto de experiências. Foram realizadas as seguintes experiências que foram partilhadas com duas turmas do 7º ano (7º 1ª, 7º 2ª):
  1. Eletromagnetismo (o processo de construção de uma bússola artesanal e os modos de atração entre um íman, uma folha e um objeto);
  2. Hisdrostática e Hidrodinâmica (os processos de condução da água quando ela se desloca a zonas mais baixas. Nesta área também foi possível verificar como se move o ar entre duas pequenas bolas suspensas);
  3. Ótica (observação de uma câmara escura e verificação das condições para observar imagens num periscópio);
  4. Mecânica (verificação das posições de equilíbrio e análise do modo de encontrar o centro da massa de um objeto irregular);


Estas experiências foram feitas com base em dois livros de divulgação de ciência de Rómulo de Carvalho, Física no dia-a-dia e Física para o povo. Foi um encontro muito interessante de divulgação da Ciência e de evocação de Rómulo de Carvalho. Nesta sessão evocou-se a outra dimensão de Rómulo, a do poeta António Gedeão. Os alunos do 7º 1ª e 7º 2ª leram diversos poemas de António Gedeão, como "lágrima de preta", "Fado do homem nascido", ou "Poema para Galileo". Deixam-se alguns registos desta componente, que mais tarde agruparemos numa palataforma digital, com maior enquadramento visual.
Um agradecimento vivo aos alunos pelo entusiasmo e aos docentes pela colaboração e sensibilização do valor da Ciência e da Poesia na formação cultural essencial de todos nós. 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O mar de Sophia

Iremos juntos sozinhos pela areia
Embalados no dia
Colhendo as algas roxas e os corais
Que na praia deixou a maré cheia.

As palavras que disseres e que eu disser
Serão somente as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
Como vêm as ondas com o vento.

O belo dia liso como um linho
Interminável sem um defeito
Cheio de imagens e de conhecimento.
                                      
                                        SophiaNo Tempo Divido, Obra Poética

(A Biblioteca irá promover entre o início da próxima semana e o fim do 1º Período uma exposição temática a que damos o nome de O Mar de Sophia. Pretende ser uma exposição onde se destaquem textos e imagens relativos a esse imaginário essencial da vida e obra da autora de O nome das coisas. A exposição terá uma parte gráfica e outra com uma seleção de versos ou excertos de frases dos seus contos. A ideia é que a mesma possa ser visitada pelos alunos e solicitar um comentário à imagens ou uma ilustração aos textos. Haverá também a apresentação de maquetes construídas voluntariamente por alunos, a partir da leitura de "A saga", nos oitavos anos. Fica a ideia para relembrar um universo poético e de maravilhamento que Sophia nos concedeu.)

2ª prova - Ensino Básico e Secundário (CNL)

A segunda prova do Concurso Nacional de Leitura a realizar na fase de escola terá como objeto os seguintes livros:

Ensino Básico: Jorge Amado, O gato malhado e a a andorinha Sinhá. D. Quixote.
Ensino Secundário: Dulce Maria Cardoso. O Retorno. Tinta da China.
Os alunos que participem nas provas do Concurso Nacional de Leitura poderão na Biblioteca requisitar alguns destes títulos, pois os que estão em falta, foram adquiridos devendo em breve chegar. Esta situação diz respeito ao livro de Dulce Maria Cardoso e Ilse Losa, pois nos outros dois casos existem diferentes exemplares disponíveis para leitura.

1ª prova - Ensino Básico e Secundário (CNL)

A primeira prova do Concurso Nacional de Leitura a realizar na fase de escola terá como objeto os seguintes livros:

Ensino Básico: Ilse Losa, O mundo em que vivi. Afrontamento.
Ensino Secundário: Camilo Castelo Branco, Amor de perdição. Ulisseia.  

Concurso Nacional de Leitura

A edição de 2014/2015 do Concurso nacional de leitura já se iniciou. Na 1ª fase (realizada na escola) irão existir duas provas, para o ensino básico  e outras duas para o ensino secundário. As provas serão realizadas entre o final da 1ª e 2ª semanas de Janeiro, tendo assim os alunos a interrupção de Natal para ler os livros que serão objeto da prova. Convidamos os alunos a inscrever-se junto do professor de Português que irá ter uma ficha para se organizarem as provas. Aos interessado em conhecer os detalhes da participação no concurso nacional de leitura, deixamos o Regulamento.

Cesariny e o surrealismo

Linha de água ...

terça-feira, 25 de novembro de 2014

No nascimento de Eça

Uma nação vive, próspera, é respeitada, não pelo seu corpo diplomático, não pelo seu aparato de secretarias, não pelas recepções oficiais,(...); isto nada vale, nada constrói, nada sustenta;(...). Uma nação vale pelos seus sábios, pelas suas escolas, pelos seus génios, pela sua literatura, pelos seus exploradores científicos, pelos seus artistas». (1)

José Maria de Eça de Queiroz, o nosso Eça, nasceu a vinte de Novembro de 1845 na Póvoa do Varzim, justamente há cento e sessenta e quatro anos. É um dos autores mais importantes para o estudo da sociedade contemporânea portuguesa. A sua obra continua imensamente actual.  Eça de Queiroz estudou entre o colégio da Lapa, na cidade do Porto e a Universidade de Coimbra, onde entra no primeiro ano, em 1861. Em 1866 forma-se em Direito e passa a viver em Lisboa, onde exerce a profissão de advogado. Nesse mesmo ano inicia a publicação de folhetins que são publicados na Gazeta de Portugal e mais tarde reunidos nas Crónicas Bárbaras.

Entre 1869 e 1870 publica diferentes obras, como os versos de Fradique Mendes, O Mistério da Serra de Sintra em parceria com Ramalho Ortigão e inicia a publicação das Farpas. Em 1871 é nomeado 1º Cônsul nas Antilhas espanholas, transitando depois para Cuba onde permanece dois  anos. Em 1874, passa a desempenhar a sua actividade em Inglaterra e é em Newcastle que termina o Crime do Padre Amaro. Entre 1883 e 1887 refaz algumas das suas obras e publica o Conde D’Abranhos e Alves & Companhia. Em 1888 publica a sua grande obra, Os Maias e é nomeado Cônsul em Paris. Continuará a escrever diferentes textos e obras, como A Ilustre Casa de Ramires ou a publicação na Revista Moderna, em Paris.


Eça de Queirós tendo vivido na parte final do século XIX soube pela sua capacidade de análise do quotidiano e da organização social, traçar com humor algumas das características deste País. O diagnóstico de uma classe política naufragada onde os interesses particulares parecem não ser capazes de organizar institucionalmente o País, onde as ideias tantas vezes decididas em circunstâncias de acaso parecem ameaçar um País de oito séculos de história à sua sobrevivência. Vindo do século XIX é um modernista na escrita e no pensamento que nos deixou. A sua obra tem a marca dos grandes escritores que pretendeu agitar nos cidadãos de um País a ambição não só de existir, mas de acompanhar a civilização nos seus aspectos mais modernos e transformadores da vida. 

A utilização do humor, como forma superior de caricatura do mais banal e trivial no quotidiano deu-lhe uma dimensão quase intemporal pela afirmação da cultura e da arte como formas de exprimir uma sociedade. Sociedade cuja espuma dos dias é diferente pelos mais evidentes motivos, mas cujas ondas ainda se organizam em princípios que Eça explicitou há mais de um século.

(1) Eça de Queiroz, Distrito de Évora
Imagem, in contosdocovil.wordpress.com

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

"A inteligência das coisas", ou as palavras de António Gedeão

De António Gedeão para Rómulo de Carvalho


Eu queria que o amor estivesse realmente no
[ coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no
[coração.
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos."

Mas o meu coração é como o dos compêndios.
Tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois
[ventrículos).
O sangue ao circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.

Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, som os lábios
[apertados.
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz dos olhos em bisel cortados.

Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e que ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.

Então, meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?

António Gedeão, "Poema do Coração", in Poemas Escolhidos

Dia nacional da cultura científica - atividades

Hoje, segunda-feira, dia vinte e quatro de Novembro, na Biblioteca da Escola alguns professores e três turmas (duas de sétimo e ano e uma de 12º ano) comemoraram o Dia Nacional da Cultura Científica. As disciplinas de Física e de Português desenvolveram na Biblioteca um conjunto de atividades para assinalar a memória de Rómulo de Carvalho e o papel da Ciência para o progresso civilizacional das comunidades humanas. Assim  realizaram-se as seguintes atividades:
  1.  Exposição de alguns livros científicos de Rómulo de Carvalho;
  2. Exposição do seu livro de Memórias;
  3. Realização de algumas experiências retiradas do livro "R.C. Física para o Povo", por uma turma do 12º ano, entre as dez horas e o meio-dia, para as turmas do 7º 1ª e 7º 2ª. Foram organizados quatro espaços de experiência: Eletromagnetismo, Hidrostática e Hidrodinâmica, Óptica e Mecânica.
  4. Preenchimento de um questionário feito pelos alunos do 7º ano, a partir das experiências realizadas.
  5. Recitação de poemas diversos de António Gedeão, "Lágrima de preta", "Fado do homem nascido", Poema para Galileo" entre outros escolhidos pelos alunos.
  6. Foram ainda elaborados um cartaz e um folheto para assinalar esta importante data.  
A Biblioteca gostaria de agradecer o empenho dos alunos e o entusiasmo dos docentes. Uma palavra especial para a professora Leonor e para o professor Deodato que nos animaram com a sua sabedoria sobre "essa inteligência das coisas" de que falava António Gedeão, nessa personalidade poética de Rómulo de Carvalho.

Newsletter de novembro

Paraíso Inabitado - Livro da semana

Título: Paraíso Inabitado
Autor: Ana María Matute
Edição: 1ª
Páginas:2009
Editor: Planeta
ISBN:  978-989-657-040-8
CDU: 821.131.1

Sinopse: 
"E esperou-me tanto que ainda lá está, com a mão levantada, acenando-me. naquele tempo, naquele lugar indefenível onde se guarda o mais profundo e, talvez, o mais inexplicável da memória." 

 É um livro autobiográfico, sendo sobretudo um canto de palavras, uma visita a esse território pouco definível que é a primeira infância. No cenário da guerra civil de Espanha, uma família, mas sobretudo uma criança que voando nas velas de barcos imaginários, nos contos onde escondia os seus medos e onde transfigurava os seus dias. É um livro sobre os sonhos redigidos no imaginário das fadas, dos cisnes que voam sobre as varandas do céu, dos unicórnios que se passeiam na noite do vivido.

É um livro onde se sente como a infância é um território de magia, misterioso, nem sempre límpido, mas continuadamente maravilhado pelo que se vive.É ainda um livro que acima do tempo histórico nos dá a dimensão humana da solidão, da tristeza, mas também da simplicidade de olhar para a luz, para o céu, para os objetos do quotidiano, com os olhos maravilhados, afinal repõe a humanidade que pertence ao próprio homem.É um livro que se oferece como uma obra de arte porque nos transporta para um universo, um imaginário, onde pela inocência se buscam mundos novos. A sua beleza permite-nos viajar no tempo e voltar a recordar as manhãs em que os raios de sol espreguiçavam sobre o quarto, aberto à luz, entre aquelas árvores, e por onde ainda nos parece vir o cheiro dos objetos e dos gestos afetivos de quem nos acompanhava.

É um grande livro, quase uma obra-prima. É um  livro que nos envolve e trata as emoções com a simplicidade que só as crianças conseguem. Um livro a descobrir sobre a memória do que todos fomos. Um livro a ler e a partilhar pela experiência que o envolve. Embora saibamos que os unicórnios não voltam, a memória dos seus passos no silêncio da noite pode ainda ser um reconforto.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Columbano Bordalo Pinheiro

(Columbano Bordalo Pinheiro -  O grupo do Leão)

Um dos quadros de um dos mais importantes pintores portugueses, exposto no Museu do Chiado e que expõe um dos encontros de artistas e amigos que se reuniam na cervejaria Leão, em Lisboa. Funcionava como espaço de convívio e de tertúlia, com Silva Porto, expoente da pintura contemporânea e que em Lisboa contribuiu para um ambiente de tertúlia pouco comum na capital, e que se animou muito, sobretudo após o regresso daquele de Paris. Enquadra-se no período do realismo, já na fase de abandono das projeções românticas e com a preocupação de revelar o olhar mais cru do artista.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Dia Mundial da Filosofia (Nietzsche)

Dia Mundial da Filosofia



Já tem dois anos e foi pensado por um grupo de trabalho do Ministério da Educação, para celebrar o Dia Mundial da Filosofia. Trata-se de um Webinar muito interessante, sobre a Filosofia como disciplina, para discutir questões essenciais sobre o homem e o seu lugar no mundo. Chama-se Ensinar e aprender Filosofia no mundo atual e conta com a participação de Maria Luísa Ribeiro Ferreira.

O valor essencial das Humanidades - (Dia Mundial da Filosofia)

"Eu por mim, devo sem dúvida, na medida das minhas forças, trabalhar, para que os meus concidadãos se tornem mais instruídos, graças à minha atuação, estudo e obra." (1)

São palavras antigas, milenares sobre essa disciplina antiga que nos reporta o essencial da nossa dimensão, o amor, a morte, a justiça e a procura do bem. Terreno da Filosofia, onde a cultura Grega com a sua explosão de conhecimento e dúvida erigiu um edifício que tem sido dispensada por sábios pouco dados ao valor da respiração das pessoas. Sem este espelho do passado, sem o seu conhecimento perde-se o contorno do horizonte, as ligações que tínhamos, ficando ausente da ideia essencial de continuidade. Este abandono das Humanidades revela-nos como perdemos o valor simbólico do que soubemos construir como comunidade humana.

A importância do pensamento crítico, a formulação de ideias, a participação na construção de uma sociedade depende muito da afirmação da cidadania e esta carece muito do valor simbólico que uma educação liberal possa concretizar. As Humanidades são assim um instrumento de cidadania, de fortalecimento das possibilidades da Democracia.

Neste processo de marginalização das Humanidades, devemos destacar quem ainda consiga destacar o pensamento clássico como algo muito importante a conhecer, a filosofia como disciplina essencial nestes dias esquecidos de dignidade e lembrar que a liberdade não é um conjunto de letras que se "gritam" em algumas ocasiões, mas uma massa crítica para exercer nos dias. Embora nos media não falte quem diga o contrário, as Humanidades permitem reforçar a Democracia.

Pensamos em Martha Nussbau, professora de Filosofia na Universidade de Chicago e quem em 2012 recebeu o Prémio Príncipe das Astúrias em Ciências Sociais pelo seu trabalho desenvolvido na área do estudo do pensamento grego e da filosofia que orientou a construção do Humanismo ocidental. Martha Nussbau tem defendido a ideia evidente, mas pouco praticada que a riqueza de um País não pode ser só medido pelo produto interno bruto, mas também pelos índices de qualidade de vida, pelo usufruto que as pessoas, as famílias, fazem das artes e da cultura.

Ideia muito importante, pois a Democracia e o seu primado do direito vem perdendo a sua referência na ideia, na razão, sendo substituída por referências de valor economicista. Sem educação de valorização do pensamento crítico, não há cidadania real e a liberdade perde-se em formalismos. O não usufruto pela maioria de uma educação de valores globais e participados pode conduzir-nos a uma edificação de sociedade de tons totalitários. A Democracia corre assim sérios riscos pela desvirtualização com que a globalização assumiu os valores de um fundamentalismo económico.

Num dia  em que se comemora o valor universal da Filosofia, a Democracia e as comunidades humanas precisam de retomar uma ideia, que Isócrates, no século I a. C. defendia. Justamente, a de que se torna necessário promover uma educação liberal capaz de suportar um desenvolvimento humano que enfrente em alternativa o culto do poder e do dinheiro, reforçando o nosso humanismo. 

Ideia que Anthony O' Hear desenvolveu no seu "Ler os grandes livros", como forma de estabelecer uma conversação. Isto é, compreender os suportes humanos da nossa civilização. É muito isso que nos falta e que a professora Martha Nussbau vem destacando nos seus trabalhos. Para conhecer melhor o seu trabalho na Filosofia, mas também nos aspetos éticos do Direito e na sua influência no desenvolvimento económico, deixamos um link. Martha Nussbau - Not for Profit.

(1) Cícero, De Finibus,  citado de Maria Helena da Rocha Pereira, das Origens do Humanismo Ocidental, conferência (Porto - 1985)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Eugénio - Um retrato de si

“Sou filho de camponeses, passei a infância numa daquelas aldeias da Beira Baixa que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante só conheci o sol e a água. Nesse tempo, que só não foi de pobreza por estar cheio de amor vigilante e sem fadiga da minha mãe, aprendi que poucas coisas há absolutamente necessárias. São essas coisas que os meus versos amam e exaltam.
A terra e a água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que a minha poesia é capaz.

As minhas raízes mergulham desde a infância no mundo mais elementar. Guardo desse tempo o gosto por uma arquitetura extremamente clara e despida, que os meus poemas tanto se têm empenhado em refletir; o amor pela brancura da cal, a que se mistura invariavelmente, no meu espírito, o canto duro das cigarras; uma preferência pela linguagem falada, quase reduzida às palavras nuas e limpas de um cerimonial arcaico - o da comunicação das necessidades primeiras do corpo e da alma.

Dessa infância trouxe também o desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas é sempre uma degradação; a plenitude dos instantes em que o ser mergulha inteiro nas suas águas, talvez porque então o mundo não estava dividido, a luz, cindida, o bem e o mal compartimentados; e ainda uma repugnância por todos os dualismos, tão do gosto da cultura ocidental, sobretudo por aqueles que conduzem à mineralização do desejo num coração de homem. A pureza, de que tanto se tem falado a propósito da minha poesia, é simplesmente paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente e ainda não consumada".

[Eugénio de Andrade, uma biografia por si construída]
Eugénio de Andrade, Prosa, Modo de Ler, 2011

Onda Pina - Celebrar a poesia de Manuel António Pina

No dia do nascimento de Manuel António Pina, um conjunto de marcadores, como sugestão de leitura de alguns poemas, em alguns momentos possíveis na disciplina de Português. A lembrança de um jornalista, de um cronista e de um poeta que nos deixou uma memória das palavras irreverente na forma e na substância.