Espaço de partilha e divulgação das atividades da Biblioteca Escolar da Escola Secundária Rainha Dona Amélia
segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
quinta-feira, 15 de dezembro de 2016
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
High School Students Summit on "World Tsunami Awareness Day"
Um conjunto de alunos do ensino secundário acompanhados pela professora Sofia Rosado representou Portugal no Projeto "High School Students Summit on "World Tsunami Awar eness Day", que foi uma iniciativa celebrada no Japão para comemorar o Dia da Consciencialização Mundial para o Risco de Tsunami.
Decorrente desta participação que foi muito elogiada pelo país organizador, uma representante da embaixada do Japão em Portugal mostrou vontade em conhecer a nossa escola. É desse encontro, em que se falou um pouco sobre os currículos escolares e as rotinas de estudo dos alunos que as fotos documentam.
Foi um encontro muito agradável onde a escola através da Srª Diretora e os presentes mostraram a tradicional hospitalidade portuguesa. No citado encontro foi possível, a nós portugueses conhecermos mais em particular a cordialidade japonesa, sempre feita de gestos de cortesia e amabilidade.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2016
Encontro com o escritor Tiago patrício (II)
No dia dois de dezembro duas turmas do ensino secundário tiveram a oportunidade de se encontrar com o escritor Tiago Patrício. O encontro realizou-se na Biblioteca e foi dinamizado pela Professora Filipa Barreto e por um jornalista do JL (.........). Falou-se do percurso humano e literário de Tiago Patrício e da sua experiência de duas décadas como habitante de uma aldeia em Trás-os-Montes. Este universo serviu de base ao livro lido pelos alunos, justamente Trás-os-Montes. Foi o primeiro encontro deste ano letivo, neste projeto Leituras com futuro que é uma comunidade de leitores ligados à disciplina de Literatura Portuguesa. A sessão foi muito interessante pelo conhecimento e discussão de um universo desconhecido em pormenor pelos alunos. A leitura realizada permitiu colocar questões pertinentes que serviram de base ao conhecimento de uma região, mas também ao universo literário de um escritor.
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
A mousse de lima e manjericão - Cozinha Experimental (III)
ARROZ
DOCE CREMOSO – COMO SE FORMA?
Ingredientes:
- 150 g de arroz de grão curto e arredondado
- 1,25 litros de leite
- 180 g de açúcar
- 4 gemas
- 2,5 dl de água
- 2 pedaços de casca de limão
- canela em pó
- 1 vagem de baunilha
- sal fino
Modo de preparação:
- Levar a água ao lume com o sal, e uma casca de limão.
- Lavar o arroz e deitá-lo na água quando ela entrar em ebulição.
- Deixar o arroz coser, em lume brando, mexendo regularmente com uma colher de pau.
- Ferver o leite com a outra casca de limão, e com o conteúdo da vagem de baunilha.
Quando se adicionar o leite ele não deve ir frio, porque iria parar o processo de cozimento do arroz. A casca de limão é usada para aromatizar.
5. Quando a água do arroz tiver evaporado, adicionar o leite quente, aos poucos, e continuar a mexer regularmente.
O arroz deverá cozer em lume muito brando - para evitar a coagulação das
proteínas do leite, que são sensíveis ao calor - e durante bastante tempo -
para ficar com uma textura muito macia - podendo este processo levar mais de 30
minutos. Durante a cozedura deve-se ir sempre mexendo com uma colher ou manter
o recipiente tapado. Isto porque, durante o processo de aquecimento, vai
formando-se uma película à superfície, devido à evaporação da água. Essa
película é constituída por proteínas do leite. Não é solução retirar essa película,
uma vez que se ia retirar ao leite esses nutrientes. Por isso, deve mexer-se ou
tapar o recipiente, de modo a impedir que ela se forme.
(Se deixar que essa película proteica se forme, ela impede que as bolhas de
vapor se possam libertar e vão ficando presas. Até que, às tantas, são em tão
grande número, que a pressão que exercem sobre a película passa a ser muito
elevada e o leite vem por fora).
6. Quando o arroz está cozido,
misturar-lhe, fora do lume, e aos poucos, as gemas com o açúcar.
Porque não se deita o
açúcar logo no início?
Primeiro, porque o açúcar
é muito hidrofílico (amigo da água) e compete com o amido para a água; e,
segundo, porque a elevada pressão osmótica que se cria dificulta a entrada de
água para o interior dos grãos de arroz. Tudo isto impediria o processo cozedura
ideal.
7. Levar novamente ao lume só para cozer as gemas,
mexendo sempre com uma colher de pau.
Há que ter muito cuidado!
As proteínas das gemas diluídas com o leite coagulam a uma temperatura de 82ºC.
Por segurança, não se deve deixar que a temperatura ultrapasse os 80ºC.
8. Deitar em tigelinhas e polvilha-se com canela,
desenhando letras, formas ou traços...
A canela é uma especiaria
que, para além de conferir um sabor muito apreciado, tem também propriedades
anti-bacterianas e anti-fúngicas, tendo, portanto, uma ação conservante.
9. Comer bem fresquinho.
Outras explicações:
O arroz (Oryza sativa) é um cereal. A composição química média do arroz branco é a
seguinte:
Daqui se conclui que o maior grupo componente do grão de arroz é o dos hidratos de carbono (glúcidos) e, concretamente, o amido.
O amido constitui uma reserva de energia das plantas e existe, sobretudo, nas raízes e nas sementes. O amido é constituído por várias moléculas de glucose ligadas entre si, constituindo 2 tipos de polímeros.
• amilose (linear)
• amilopectina (ramificada)
No amido, a percentagem relativa destes 2 polímeros
varia, constituindo a amilose entre 15 e 30% do total.
Porque
se cozinham os alimentos com amido?
Quando se cozinham alimentos amiláceos, ou seja,
que contêm elevadas percentagem de amido, um dos objetivos é torná-los
digeríveis, isto é, acessíveis às nossas enzimas amilolíticas. É isso o que se
passa com as batatas, as farinhas e com o arroz, por exemplo.
O que
acontece ao amido a temperaturas elevadas e baixas?
No
frio, a estrutura do amido
mantém-se inalterada. Mas, quando o amido é aquecido na presença de água, grandes modificações ocorrem
na sua estrutura.
·
A energia
térmica introduzida no sistema enfraquece as ligações entre as moléculas de
glucose. A partir duma determinada temperatura (que depende essencialmente da origem
do amido), ocorre um colapso da estrutura dos polímeros. É o que sucede quando,
por exemplo, se deixa o arroz cozer demasiado tempo, ficando quase com uma
consistência de “papa”.
· Quando se
deixado arrefecer, ocorre um realinhamento dos polímeros de glucose observando-se
o aumento de rigidez do preparado. A este fenómeno chama-se retrogradação do
amido.
Porque se deve escolher um arroz de grão curto e arredondado para confecionar um arroz doce cremoso?
A retrogradação do amido é tanto maior, quanto maior for a percentagem de amilose no amido. E isto porque, como as amiloses são moléculas lineares, mais facilmente se ligam umas às outras, dando origem a uma espécie de recristalização e a um aumento de rigidez.
Como os tipos de arroz de grão curto e arredondado – tipo arroz carolino – têm um teor inferior de amilose, resulta que, depois de cozidos, os grãos ficam pastosos e colantes. E são estes, portanto, os mais adequados na preparação dum arroz doce cremoso.
Quanto ao arroz agulha, cujo amido é mais rico em amilose (> 22% do amido), ele dá origem a um arroz solto, muito adequado para acompanhamento de pratos de carne.
Bibliografia
Margarida Guerreiro;Paulina Mata. (2010). A cozinha é um laboratório. Lisboa: fonte da Palavra – Ciência Viva, (adaptado).
Adaptado de José Avillez “Mousse de lima e manjericão”.
A equipa da Cozinha Experimental.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2016
Os filmes do Mês
O nazismo e a história da 2ª guerra
mundial são um período onde se levantaram os fantasmas mais negros de uma
história humana que ainda tentamos compreender. Narrativa que fascina no
sentido de compreender essa ação incompreensível de encontrar alguma coisa no
mal e na morte. Se a literatura tem falado sobre isso, o cinema também. Nos
destaques deste mês essa é a temática que une diferentes filmes que vale a pena
ver.
As inocentes de Anne Fontaine esteve em destaque
na festa do cinema francês, festival recentemente dinamizado em Lisboa e
acolheu muitas preferências nesse certame. É considerado um dos filmes do ano
me conta-nos uma história verídica.
A de uma médica
comunista que trabalhava na Cruz Vermelha Francesa e que desenvolveu uma ação
de ajuda a freiras num convento na Polónia que tinham sido vítimas de violação
por soldados soviéticos do decurso da 2ª Gueera Mundial. Filme de grande
envolvência emocional e psicológica na reconstrução de uma atmosfera e de um
conjunto de vidas.
Com uma temática aproximada, A primavera é um filme que nos fala desses ambientes violentos, mas ao contrário de em As Inocentes, é a inocência e a imaginação de uma criança que nos conta uma história. A primavera é um filme de Christine de Mirjam Unger e cuja narrativa se desenrola em Viena, baseia-se na obra autobiográfica de Christine Nöstlinger.
Dado a
conhecer no Lisbon and Estoril Film Festival, A Infância de um Líder de Brady Corbert foi vencedor como Prémio “Melhor
Primeiro Filme” e tinha já obtido o prémio de “Melhor Realizador” no 72º
Festival de cinema de Veneza. A Infância
de um Líder é um filme que se baseia num conto de Jean-Paul Sartre, datado
de 1939 e nele se revela em forma de documentário a ascensão do fascismo no
século XX.
Se o nazismo foi uma história do mal e uma cegueira do espírito, ele teve mesmo
na Alemanha, focos de resistência pela luta pelo sentido mais humano do homem. Sozinhos em Berlim é um filme de Vincent
Pérez que reconstitui uma história verídica que já conhecíamos através do livro
com o mesmo nome de Hans Fallada. Sozinhos
em Berlim, relata-nos a história de coragem de Otto e Elise Hampel pela luta contra o nazismo no interior da
Alemanha nazi.
Filme que nos devolve a luta essencial pela dignidade humana apelando ao valor da desobediência civil. Como disse Ellie Wiesel é essencial recuperar estas vozes que lutaram com uma coragem que nem nós no mundo de hoje podemos sonhar, pois não os recuperar seria matá-los duplamente.
Filme que nos devolve a luta essencial pela dignidade humana apelando ao valor da desobediência civil. Como disse Ellie Wiesel é essencial recuperar estas vozes que lutaram com uma coragem que nem nós no mundo de hoje podemos sonhar, pois não os recuperar seria matá-los duplamente.
Mel Gibson filmou a história do primeiro soldado americano a manifestar-se objector
de consciência. O filme já tinha sido dadop a conhecer no “Lisbon and Estoril
Festival” e trata-se de uma narrativa verídica de um homem, Desmond Doss, que
era médico do exército e do modo como não combatendo salvou mais de sete
dezenas de soldados na batalha de Okinawa. O
herói de Hacksaw Ridge é um filme que aborda na temática da 2ª Guerra
mundial o valor individual como forma de superar o sofrimento dos outros.
Existem mais três filmes interessantes que se devem destacar e que fogem da
temática da segunda guerra mundial. Chocolate de Roschdy Zen apresenta-nos um
ex-escravo de origem cubana que fugiu para França no final do século XIX e onde
se tornaria uma estrela, nomeadamente em Paris. É ainda o valor individual que
nos é revelado, pois o palhaço Footit usa o riso e o humor como forma de luta
contra o preconceito. Omar Sy tem neste filme uma representação muito boa ao
dar vida a um homem que desejava ser livre, mas que ainda sabe que vive numa
sociedade pouco aberta a aceitar a diferença.
American
Pastoral é uma adaptação do romance de Philip Roth com o mesmo nome e que foi
premiado com o Prémio Pullizer. American
Pastoral é um retrato da América e das suas contradições, a narrativa do
sonho americano, dos excluídos e do que a olham como algo incompreensível, uma
metáfora do mal.
Monstros
fantásticos e onde encontrá-los é um filme de David Yates que tem como
argumentista a autora da saga de Harry Potter, justamente J. K. Rowling. É um
filme que nos conduz pela ação de personagens mágicas, onde um herói, de nome
Eddie Redmayne tenta lutar pelo que é justo e correto. O filme terá
continuação, pelo que dará lugar a uma saga que ficamos a aguardar.
A palavra e o mundo - Os três reis do Oriente (III)
III
BALTASAR
O rei Baltasar amava a frescura dos jardins e sorria ao ver na água clara dos tanques o reflexo da sua cara cor de ébano.
E amava a alegria, o rumor e a abundância dos banquetes, e muitas vezes as suas festas duravam até ao romper do dia.
Porém, certa madrugada, depois de se terem retirado todos os convivas, o rei ficou na grande sala, sozinho com um jovem escravo que tocava flauta.
E pareceu-lhe que a melodia desenhava no ar o contorno de um espaço vazio.
Então o seu coração ficou pesado de tristeza, e Baltasar pensou: «Será possível que um dia eu me retire da vida como um conviva saciado que se retira de um banquete? Ou terei sempre a mesma sede, a mesma fome, o mesmo desejo dos momentos e dos dias?»
E tendo pensado isto atravessou a porta da sala e saiu para o jardim.
Cá fora, na luz indecisa da antemanhã, o jardim parecia suspenso. A bruma confundia o desenho claro dos tanques e diluía no ar o contorno das ramagens.
Baltasar caminhou longamente entre flores e palmeiras até romper o Sol. E quando já era dia chegou a um pequeno terraço que ficava no extremo do jardim. Debruçou-se no parapeito e viu, do outro lado da rua estreita, um homem jovem, encostado a uma parede, que o olhava.
Baltasar ficou imóvel como se o rosto do outro lhe tivesse batido na cara. Ou como se o rosto do outro de repente fosse o seu rosto. Ou como se pela primeira vez na sua vida tivesse visto a cara de outro homem.
O que naquele rosto mais o surpreendia era a nudez, a evidência nua. Era como se naquele rosto o cerimonial da vida tivesse retirado a sua máscara e a realidade mostrasse, sem nenhum véu, o abandono, a dor consciente, a condição do homem.
Era um rosto de homem jovem e magro onde os ossos desenhavam, sem nenhum equívoco, o ideograma da fome.
A tristeza subia da mais profunda morada da memória e aflorava inteira à tona das pupilas. A paciência, como uma leve cinza, poisava na testa, sobre os beiços, sobre os ombros. E havia nessa paciência uma doçura tal que Baltasar sentiu de súbito uma vontade aguda de chorar e de se prostrar com a sua própria cara encostada à terra.
E perguntou:
— Tu, quem és?
— Tenho fome — murmurou o homem.
— Entra — disse Baltasar. — Vou mandar que te sirvam os melhores frutos, as melhores carnes, os melhores vinhos. Vou mandar que lavem os teus pés com água perfumada numa bacia de ouro. Vou mandar que te vistam de púrpura. Vou mandar aos meus músicos que toquem para te aprazer as mais belas melodias. Vou mandar vir para ti a tocadora de cítara. Eu próprio colocarei debaixo dos teus pés o tapete mais precioso, e ficarei sentado ao teu lado para desfazer a tua solidão, e escutarei as tuas palavras para que possas tomar parte na alegria e para que as fontes e os jardins do palácio apaguem a tua tristeza.
Porém o homem, ouvindo estas palavras, assustou-se. No rosto negro, debruçado na luz branca do terraço, reconheceu com terror o rosto do rei. E pensou:
«Ai de mim! Para que me chama o rei? Vim espreitar o seu palácio e isto sem dúvida é um crime. É melhor que eu fuja antes que os guardas cheguem.»
Pois aquele homem, como todos os muito pobres, sabia que o mundo era governado por leis que o perseguiam e condenavam, e por isso temia a cada instante ser acusado e preso por uma razão desconhecida. Caminhava num país que não era o seu e onde tudo era para ele insegurança e temor.
E por isso fugiu, sumiu-se ofegante entre as curvas da ruela estreita, sem ver o gesto de Baltasar que o chamava.
E no palácio o rei disse aos seus guardas:
— Ide e procurai nas ruas um homem jovem magro, vestido de farrapos e que tem os olhos cheios de tristeza e de paciência.
Porém, ao cair da tarde, os guardas voltaram e disseram:
— Encontrámos tantos homens esfarrapados, tristes e pacientes que não soubemos distinguir aquele que tu procuras.
Por isso na manhã seguinte o rei Baltasar, tendo despido os seus vestidos de púrpura, envolveu-se num manto de estamenha e saiu sozinho do palácio para procurar o homem.
Desceu pelas ruelas estreitas da encosta, e, longe das grandes avenidas triunfais onde a brisa faz sussurrar as folhas duras das palmeiras, percorreu longamente os bairros pobres da beira do rio. Os carregadores do cais ergueram para ele a face sombria, e o homem que vendia os sapatos de corda poisou no olhar do rei o seu olhar cansado. Viu homens dobrados sob os fardos, viu os que puxavam carroças como bois, lentos e pacientes como bois, viu os que usavam grilhetas nos pés, viu os que deslizavam rente às paredes, silenciosos como sombras, viu os que gritavam, os que choravam, os que gemiam. Viu os que estavam sós, imóveis, encostados aos muros, atónitos, interrogando, para além da voz rouca das ruas, o silêncio opaco, fitando em sua frente a estrada recta do silêncio. Viu os que pescavam pequenos peixes nas águas sujas do rio. Viu os que tinham a cara cor de trapo e as mãos feitas de cinza, cinza leve que voava com o vento. Viu a sombra verde, o reino da paciência, o país da desolação sem margens, o império dos humilhados, o lado esquerdo da vida, a Pátria deserdada, o fundo do mar da cidade.
E no dia seguinte o rei reuniu os seus ministros e disse- -lhes:
— Mandai distribuir os meus tesoiros e mandai distribuir as reservas acumuladas nos armazéns e nos celeiros. E reparti tudo entre os esfomeados e os pedintes.
Tendo ouvido isto, os ministros retiraram-se para deliberar.
E voltaram passados três dias, e responderam:
— Os teus tesoiros não chegam para resgatar os escravos, e as reservas dos teus armazéns não chegam para saciar os esfomeados. Nem o teu poder chega para alterar a ordem da cidade. Se cumpríssemos aquilo que mandaste, os fundamentos que nos sustentam e os muros que nos protegem ruiriam. O teu desejo é contrário ao bem do reino.
— Procuro outra lei e procuro outro reino.
Então os ministros retiraram-se, murmurando entre si:
— Vemos que ele nos trai.
Na manhã seguinte, dirigiu-se Baltasar ao templo de todos os deuses.
E leu estas palavras gravadas na pedra do primeiro altar:
«Eu sou o deus dos poderosos e àqueles que me imploram concedo a força e o domínio, eles nunca serão vencidos e serão temidos como deuses.»
Seguiu o rei para o segundo altar e leu:
«Eu sou a deusa da terra fértil e àqueles que me veneram concedo o vigor, a abundância e a fecundidade e eles serão belos e felizes como deuses.»
Encaminhou-se o rei para o terceiro altar e leu:
«Eu sou o deus da sabedoria e àqueles que me veneram concedo o espírito ágil e subtil, a inteligência clara e a ciência dos números. Eles dominarão os ofícios e as artes, eles se orgulharão como deuses das obras que criaram.»
— Dizei-me onde está o altar do deus que protege os humilhados e os oprimidos, para que eu o implore e adore.
Ao cabo de um longo silêncio, os sacerdotes responderam:
—Desse deus nada sabemos.
Naquela noite, o rei Baltasar, depois de a Lua ter desaparecido atrás das montanhas, subiu ao cimo dos seus terraços e disse:
— Senhor, eu vi. Vi a carne do sofrimento, o rosto da humilhação, o olhar da paciência. E como pode aquele que viu estas coisas não te ver? E como poderei suportar o que vi se não te vir?
O seu movimento era quase imperceptível. Parecia estar muito perto da terra. Deslizava em silêncio, sem que nem uma folha se agitasse. Vinha desde sempre. Mostrava a alegria, a alegria una, sem falha, o vestido sem costura da alegria, a substância imortal da alegria.
E Baltasar reconheceu-a logo, porque ela não podia ser de outra maneira.
A palavra e o mundo - Os três reis do Oriente (II)
II
MELCHIOR
A placa de barro tinha passado de geração em geração, de idade em idade, de mão em mão. Nela estava escrito que ao mundo seria enviado um redentor e que uma estrela se ergueria no Oriente para guiar aqueles que buscavam o seu reino.
A placa era um pequeno rectângulo de argila, enegrecido pelo tempo, de aspecto frágil, pobre e gasto. Era um prodígio que tivesse atravessado, sem se perder, tantos séculos de ruínas e opulências, saques, incêndios e guerras. Era um prodígio que tivesse podido atravessar sem se perder a ambição, a violência, a agitação e a indiferença dos homens.
Estava ali, no palácio, alinhada ao lado de milhares de placas que enumeravam vitórias, batalhas, massacres e riquezas.
Os seus caracteres estavam semiapagados pelo tempo e a sua escrita era tão antiga que se tornava difícil decifrá-la com exacto rigor. Muitas leituras eram possíveis.
Por isso o rei Melchior convocou três assembleias de sábios para que juntos averiguassem qual era a justa interpretação daquele texto antiquíssimo.
Primeiro vieram os historiadores, aqueles que tinham aprendido toda a ciência das bibliotecas e que conheciam até ao menor detalhe a escrita, a linguagem, os usos, os costumes, os anais e os códigos dos tempos idos.
A assembleia reuniu-se durante um mês no palácio do rei. Era o meio do Verão e o calor poisava pesadamente sobre os terraços cegos de sol. Nos jardins as palmeiras roçavam umas nas outras, com um rumor metálico, as suas folhas afiadas e duras como serras.
Ao cair das tardes os sábios sentavam-se em círculo no pátio interior do palácio. Melchior presidia. Um fino murmúrio de água correndo nos tanques acompanhava os debates. Os escravos descalços circulavam em silêncio servindo vinho de tâmara temperado com neve das montanhas.
O círculo de homens sentados descrevia uma área vazia e no centro dessa área tinha sido colocada uma mesa de pedra sobre a qual estava poisada a placa de barro. Parecia extremamente pequena e insignificante, no meio de tanto espaço e opulência, parecia um detrito das eras antigas que ali tinha sido abandonado pelo tempo.
Durante longos debates, durante trinta dias, os sábios estudaram e examinaram meticulosamente cada linha dos caracteres antiquíssimos.
E ao trigésimo dia ergueu-se Negurat, arquivista-mor do templo da Lua, e disse:
— Creio que a leitura que tu, ó rei, fizeste deste texto não é a verdadeira. Pois leste: Ao mundo será enviado um redentor e uma estrela subirá no Oriente para guiar aqueles que buscam o seu reino.» Mas verdadeiramente é outra a significação deste texto antigo: assim, os caracteres onde leste «redentor» significavam, na remota era em que foi gravada esta placa, não «redentor» mas sim «grande rei»; e os caracteres onde leste «será» e «subirá» não exprimem formas verbais do futuro mas sim formas verbais do passado; e o verbo buscar não está no presente mas sim no pretérito perfeito; e onde leste «para guiar» deverá ser lido, de acordo com os métodos de decifração dos textos antigos, «guiando». Portanto, ó rei, ao contrário daquilo que julgaste ler, este texto não se refere ao futuro mas sim ao passado, e não anuncia o advento de nenhum salvador, mas antes glorifica as obras de um grande personagem dos tempos idos. Assim a leitura correcta deste texto é, em minha opinião, a seguinte: «Ao mundo foi enviado um grande rei que como uma estrela dominou o Oriente guiando aqueles que buscaram o seu reino.»
Quando Negurat acabou de falar, levantou-se Atmad, arquivista- mor do palácio, e disse:
— Grande é a ciência de Negurat. Mas a interpretação da escrita antiga tem terríveis dificuldades. Não há dúvida que no texto apresentado devemos ler «grande rei» e não «redentor ». No entanto, não concordo com aquilo que diz respeito às formas verbais: creio que o verbo ser e o verbo subir se encontram realmente no futuro. E também discordo da forma como foram lidas as palavras «guiar», «buscam» e «reino».
E penso ainda que o verbo «subir» tem aqui o sentido de «dominar».
De forma que, na minha opinião, a leitura correcta do texto é esta: «Ao mundo será enviado um grande rei que como uma estrela dominará o Oriente para engrandecer aqueles povos que aceitarem o seu poder.» Pois esta inscrição é de facto uma profecia, mas uma profecia que já foi cumprida. É evidente que o grande rei é o grande Alexandre que dominou todo o Oriente até ao reino de Pórus e que morreu, como sabeis, em Babilónia.
E quando Atmad acabou de falar, levantou-se o velho sábio Akki, que disse:
— Admirei as sapientes palavras que ouvi. Mas na verdade a leitura deste antiquíssimo texto levanta tantas dúvidas e são tantas as interpretações que podemos propor, que verdadeiramente, ó rei, nada podemos concluir.
Então levantou-se Melchior e disse:
— Ide em paz e continuai os vossos estudos. Eu continuarei a perguntar, a escutar e a esperar.
E no mês seguinte reuniu-se no palácio real a assembleia dos letrados.
Melchior propôs-lhes as dúvidas e as interpretações dos historiadores e durante trinta dias os letrados estudaram o texto.
E no trigésimo dia, ao cair da tarde, estando todos sentados em círculo e estando no meio do círculo a mesa de pedra sobre a qual estava poisada a placa de barro, levantou-se Ken- -Hur e disse:
— A poesia não se exprime directamente. Ora o texto que temos em nossa frente é um poema e por isso mesmo deve ser tomado como um metáfora que não se refere nem ao passado nem ao presente nem ao futuro do mundo em que vivemos, mas só ao mundo interior do poeta, que é o mundo da poesia sempre voltado para o devir e para a esperança. Este texto não fala de factos reais e apenas simboliza o espírito criador do homem.
Falou em seguida Amer, que disse:
— Este texto é um poema e coloca-se por isso à margem do vivido. O poema não se refere aquilo que é, mas sim àquilo que não é. Pois a natureza é uma caixa cheia de coisas da qual o poeta extrai uma coisa que lá não está.
E levantou-se depois o irmão de Amer, que disse:
— Num poema não devemos buscar sentido, pois o poema é ele próprio o seu próprio sentido. Assim o sentido de uma rosa é apenas essa própria rosa. Um poema é um justo acordo de palavras, um equilíbrio de sílabas, um peso denso, o esplendor da linguagem, um tecido compacto e sem falha que apenas fala de si próprio e, como um círculo, define o seu próprio espaço e nele nenhuma coisa mais pode habitar. O poema não significa, o poema cria.
E tendo terminado o debate, levantou-se Melchior, que disse:
— Eu vos agradeço as vossas palavras. Por mim continuarei a buscar, a escutar e a esperar.
Então retiraram-se os letrados e o rei ficou sozinho no pátio, em frente da placa de barro, escutando o correr da água e o cair da noite.
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E no mês seguinte reuniram-se no palácio os homens sapientes. Melchior propôs-lhes as dúvidas dos historiadores e dos letrados e a nova assembleia deliberou durante trinta dias.
E no trigésimo dia levantou-se Kish, que disse:
— As multidões ignorantes curvam-se em frente dos ídolos, mas aqueles que meditam conhecem a solidão do universo. Que redentor poderemos esperar? O universo é como uma máquina bem regulada que sem princípio nem fim gira lentamente através das idades e dos ciclos. Nas constelações e nas luas, nos triângulos e nos círculos, encontrarás as leis dos números que se cumprem e se cumprirão inexoravelmente. Que redenção poderemos esperar?
E falou depois Maro, que disse:
— Os deuses que existiram extinguiram-se há muito e aquilo que adoramos é apenas a cinza do divino. Qual é, na idade em que vivemos, o homem que viu um anjo? Onde está aquele que ouviu, com os seus ouvidos de carne, a palavra de Ísis ou de Assur? Vivemos um tempo de viuvez e todas as coisas se tornaram cegas e surdas. Num mundo de injustiça e de desordem tentamos sobreviver como animais perseguidos. Quebrou-se o laço que nos ligava ao universo atento. Podemos bater com os punhos na terra, podemos implorar com a cabeça tocando a poeira. Ninguém responderá. Cegou o olhar que nos via e o ouvido que nos escutava secou. Tudo nos é alheio como um lugar que não nos reconhece. E o brilho dos astros impassíveis cintila sobre a nossa tristeza. Quem pode esperar que uma estrela se mova?
Falou em seguida Tot, e disse:
— Nascemos para morrer. Toda a nossa esperança se resolverá em cinza. Onde está o homem que não morreu? O próprio Alexandre, filho de Ámon, que estabeleceu o seu Império desde o Egipto até ao reino de Pórus, morreu miseravelmente nos palácios da Babilónia. E no entanto a sua radiosa juventude parecia mostrar a natureza de um Deus, e era tão grande a sua perfeição que ninguém a podia julgar mortal. Quem poderia acreditar que morresse o seu corpo equilibrado e liso como uma coluna, a sua inteligência aguda e limpa como o sol, o seu olhar direito que simplificava todas as coisas, o seu rosto brilhante como um estandarte e a sua alegria invencível?
Alexandre, príncipe da Macedónia, filho de Ámon, maravilhamento dos povos, conduziu o destino do homem a seus últimos limites, de tal forma que nele todos julgaram que a natureza humana tinha conquistado o divino. Mas Alexandre morreu no trigésimo terceiro ano da sua vida, no cimo da sua força e da sua glória, em pleno esplendor da sua juventude. E assim os deuses nos disseram que o homem não pode ultrapassar o seu destino, e que o seu destino é um destino para a morte. Por isso, ó rei, que poderemos esperar? Nada pode modificar a condição do homem e nesta condição não há lugar para a esperança.
Quando os pensadores se retiraram, Melchior levantou-se do trono e avançou até à mesa de pedra. Entre as grandes colunas que rodeavam o pátio, a placa de argila parecia extraordinariamente frágil e pequena. Mas o rei tocou com a sua fronte as letras quase apagadas.
Nessa noite, depois de a Lua ter desaparecido atrás das montanhas, Melchior subiu ao terraço e viu que havia no céu, a Oriente, uma nova estrela.
A cidade dormia, escura e silenciosa, enrolada em ruelas e confusas escadas. Na grande avenida dos templos já ninguém caminhava. Só de longe em longe se ouvia, vindo das muralhas, o grito de ronda dos soldados.
E sobre o mundo do sono, sobre a sombra intrincada dos sonhos onde os homens se perdiam tacteando, como num labirinto espesso, húmido e movediço, a estrela acendia, jovem, trémula e deslumbrada, a sua alegria.
E Melchior deixou o seu palácio nessa noite.
A palavra e o mundo - Os três reis do Oriente (I)
I
GASPAR
Naquele tempo, na cidade de Kalash, o príncipe Zukarta instaurou o culto do bezerro de oiro.
A estátua poisava nas multidões submissas os seus olhos espantados, muito abertos, pintados de branco e de preto. No fundo das suas pupilas aflorava quase uma interrogação, como se a extensão do seu poder o surpreendesse. Era um jovem bezerro de pequenos cornos torcidos e pernas musculosas, de testa obtusa, curta e franzida. As suas quatro patas, firmemente poisadas na terra, davam uma grande impressão de firmeza e estabilidade que tranquilizava o coração dos seus fiéis. E em todo o seu corpo brilhava o oiro, oiro compacto, duro, pesado, faiscante.
Em frente do ídolo as mulheres curvadas sacudiam sobre o mármore claro dos degraus os sombrios cabelos quase azuis. Dos confins do deserto, dos longínquos oásis, das aldeias perdidas, chegavam homens que depunham em frente do altar a sua oferta: vinham oferecer oiro ao oiro. E os homens bons de Kalash, juízes e chefes guerreiros, desfilavam reverentes em frente do bezerro. Atrás deles vinham os comerciantes, os vendedores, os oleiros, os tecelões. Beijavam os degraus do altar e depunham no chão a sua oferta: traziam oiro ao oiro. Até os sacerdotes da Lua e os seus fiéis e acólitos se prostravam, de joelhos, com a cabeça tocando o solo, em frente do ídolo novo de Kalash.
Zukarta olhava todas estas coisas com grande alegria, pois o culto do oiro era o fundamento do seu poder.
Raros eram aqueles que não acorriam ao templo, cada vez mais raros. Os muito pobres, os muito envergonhados, os muito humilhados, não ousavam apresentar-se. Eles eram como uma raça à parte, pois a pobreza era olhada como o estigma que marcava aqueles que o Bezerro não amava. No fundo das suas almas tão humilhadas que mal ousavam pensar o seu próprio pensamento, os muito pobres, os muito envergonhados esperavam outro deus.
Eles e Gaspar.
Uma delegação de homens importantes veio ao palácio de Gaspar. E disseram:
— Porque não te apresentas no templo do Bezerro? Por acaso te falta oiro para a oferta? Que tens tu de comum com a ralé das docas? Não estás por acaso vestido de púrpura e de linho como um rei? Porque desafias o poder de Zukarta? Serás um traidor? No culto do Bezerro está a prosperidade e a grandeza de Kalash. Estarás vendido aos nossos inimigos?
Gaspar respondeu:
— Não posso adorar o poder dos ídolos. O meu deus é outro e creio no seu advento, que a Terra e o Céu me anunciam.
Ouvindo esta resposta, os chefes das tribos e os homens bons de Kalash disseram:
— Separamo-nos de ti porque te separaste de nós e renegaste os nossos caminhos. Não terás mais parte nas nossas assembleias. Nem serás mais ouvido nos nossos conselhos, nem partilharás dos nossos festejos e banquetes. E também não terás lugar na nossa força. Os soldados não protegerão a tua casa nem as tuas caravanas. E serás presa fácil dos bandidos. Não receberás a protecção das nossas leis, e os nossos juízes julgarão em sentença contra ti, e a tua razão será como um punhado de cinza. Como a gente da ralé não terás nem protecção nem defesa enquanto não te curvares perante o altar do Bezerro para adorar os ídolos que nós adoramos.
E Gaspar respondeu:
— O meu deus é em mim como uma fonte que pára de correr e é em meu redor como o muro de uma fortaleza.
Então os notáveis de Kalash sacudiram a poeira dos seus sapatos e saíram do palácio.
Depois desse dia, muitas calamidades se abateram sobre Gaspar. Os bandidos assaltaram as suas caravanas e os ladrões saquearam os seus palmares. Mãos misteriosas apedrejavam de noite a sua casa e na água das suas cisternas apareciam frutos podres e aves mortas a boiar.
E começou o tempo da solidão.
Nos frescos pátios do palácio não penetraram mais os visitantes e a água correndo nos tanques deixou de acompanhar o leve rumor das conversas. Os parentes e os amigos desapareceram como que devorados pela penumbra e todas as coisas pareciam envolvidas em escândalo e terror.
Porém o tempo crescia.
E Gaspar escutava o crescer do tempo. A solidão criava em seu redor um transparente espaço de limpidez onde os instantes avançavam um por um e o universo inteiro parecia atento. O silêncio era como a mesma palavra inumeravelmente repetida.
E debruçado sobre o tempo Gaspar pensava: «Que pode crescer dentro do tempo senão a justiça?»
Olhava a alta e vasta abóbada nocturna, escura e luminosa, que simultaneamente mostrava e escondia.
E disse:
— Senhor, como estás longe e oculto e presente! Oiço apenas o ressoar do teu silêncio que avança para mim e a minha vida apenas toca a franja límpida da tua ausência. Fito em meu redor a solenidade das coisas como quem tenta decifrar uma escrita difícil. Mas és tu que me lês e me conheces. Faz que nada do meu ser se esconda. Chama à tua claridade a totalidade do meu ser para que o meu pensamento se torne transparente e possa escutar a palavra que desde sempre me dizes.
Primeiro pareceu a Gaspar que a estrela era uma palavra, uma palavra de repente dita na muda atenção do céu.
Mas depois o seu olhar habituou-se ao novo brilho e ele viu que era uma estrela, uma nova estrela, semelhante às outras, mas um pouco mais próxima e mais clara e que, muito devagar, deslizava para o Ocidente.
E foi para seguir essa estrela que Gaspar abandonou o seu palácio.
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