quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Outono


O Outono é uma segunda Primavera. Quando cada folha é uma flor” – Albert Camus
O Outono, uma rara luz que eleva no ar, renascendo outras formas de ver o dia. Uma folha como uma nova flor, o recomeço primaveril em tardes outonais, dias de vento soprando nos olhos, dirigindo o olhar para as últimas sombras solares que descem da montanha. Os animais ainda continuam no vale olhando a descida do dia e nós caminhamos em direção a esse povoado de raras casas, de pedras angulares, debruçadas sobre uma parede de xisto que se encanta do mar de pinheiros. A luz entardece os objectos e cores douradas animam-se nos pedaços de entrada que são aquelas casas de cores escuras. 
O Outono é um renascimento dessas torrentes de rosas com que nos encaminhamos para o gesto quotidiano do encontro, a paz apaziguada desse tórrido Verão e o consolo para a hibernação das pedras. Dizia Keats, “é uma estação de bruma e doce abundância” (1), por onde amadurecem as mais simples ideias do natural, as flores e os frutos que se dão às abelhas em tardes douradas. As colheitas emergem em tons pastel, como as ceifeiras de Millet, nesse tempo de limpeza calma do tempo e de pássaros esvoaçando sobre o teu corpo dobrado de esperança. Dizes-me, – Outono como uma despedida.
É preciso não reter os hinos da Primavera, as oferendas de luz que nos escapam, e preparar a festa das cores, as fracturas de onde emergem os suaves crepúsculos, o manto de cereal que se conduz ao nosso espírito. De onde conduzimos fios emaranhados de restolho, o alimento das parcas cotovias que se aninham em campos de salgueiros. “O pintaroxo canta no jardim e nos céus piam bandos de andorinhas. Nascemos em cada Outono para um caminho que se alberga na voz que se desdobra em nervuras sólidas de luz". (1) No Outono damos a nós próprios o encanto breve da luz que se funde em cada sopro de vida, que se encontra em cada vontade, em cada fractura de um caminho para encontrar o azul, essa distância de perenidade que sempre procuramos.
(1). JohnKeats, “Ode ao Outono”. A alegria de viver com a natureza, in Diário de Edith Holden; Imagem: José Malhoa, Outono.

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