"Era uma vez uma casa muito arrumada onde morava um rapaz muito desarrumado. E o rapaz tinha a impressão de que não era feito para morar naquela casa. Ali os relógios estavam sempre certos mas ele andava sempre atrasado. (...)
E à noite abria a janela do seu quarto, respirava o vento que vinha de longe, olhava as estrelas e pensava na liberdade. Já não era um rapaz pequeno mas ainda não era um rapaz crescido. (...) À volta da casa havia um grande jardim. E enquanto Ruy era pequeno o jardim parecia-lhe enorme com as suas tílias profundas, as suas magnólias de folhas brilhantes e as suas palmeiras despenteadas.
Mas com o tempo o jardim foi diminuindo. Era como se o muro se fosse apertando lentamente como um laço. E tudo isto parecia irremediável. (...) Era o fim dum dia de Primavera. Ruy sentias-se ao mesmo tempo feliz e infeliz. A leveza do ar, a cor vermelha do poente, o brilho e a frescura das árvores, o perfume das flores, a doçura quebrada da kluz pareciam prometer-lhe uma felicidade maravilhosa. Mas ele não sabia nem como nem quando nem onde a poderia agarrar. (...)
Fontes corriam em cascata, o musgo cobria as pedras enormes, um curto vento agreste surgia entre as árvores. Ruy contemplava o vale trincando uma folha amarga de loureiro.
- Gela - disse ele chamando a rapariga do arame.
- Diz - perguntou Gela.
- É aqui que vocês moram?
- Gela olhou-o de frente.
- Nós não moramos aqui nem em nenhum outro lugar - disse ela. - Nós não moramos, nós vamos".
(São ainda algumas das palavras que Sophia deixou e que o seu neto conclui numa história, mais uma vez desenhadas sobre a capacidade que o olhar, o ver tem sobre a organização do quotidiano. Com ilustrações de Danuta Wojciechowska é um livro de grande beleza sobre o universo do mistério e do sonho que sempre procuramos aceder todos, de diferentes modos.)
Sem comentários:
Enviar um comentário