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"Ora eu, que sou ministerial do Progresso, antes queria a oposição dos frades que a dos barões. O caso estava em a saber conter e aproveitar. O Progresso e a Liberdade perdeu, não ganhou. Quando me lembra tudo isto, quando vejo os conventos em ruínas, os egressos a pedir esmola e os barões de berlinda, tenho saudades dos frades - não dos frades que foram, mas dos frades que podiam ser. E sei que me não enganam poesias; que eu reajo fortemente com uma lógica inflexível contra as ilusões poéticas em se tratando de coisas graves.
E sei que me não namoro de paradoxos, nem sou destes espíritos de contradição desinquieta que suspiram sempre pelo que foi, e nunca estão contentes com o que é. Não, senhor: o frade, que é patriota e liberal na Irlanda, na Polónia, no Brasil, podia e devia sê-lo entre nós; e nós ficávamos muito melhor do que estamos com meia dúzia de clérigos de requiem para nos dizer missa; e com duas grosas de barões, não para a tal oposição salutar, mas para exercer toda a influência moral e intelectual da sociedade - porque não há de outra cá.
E senão digam-me: onde estão as universidades, o que faz essa que há senão dar o seu grauzito de bacharel em leis e medicina? O que escreve ela, o que discute, que princípios tem, que doutrinas professa, quem sabe ou ouve dela senão algum eco tímido e acanhado do que noutra parte se faz ou diz?
Onde estão as academias?
Que palavra poderosa retine nos púlpitos?
Onde está a força da tribuna?
Que poeta canta tão alto que o ouçam as pedras brutas e os roblles duros desta selva materialista a que os utilitários nos reduziram? Se exceptuarmos o débil clamor da imprensa liberal já meio esganada da polícia, não se ouve no vasto silêncio deste ermo senão a voz dos barões gritando contos de réis.
Dez contos de réis por um eleitor!
Mais duzentos contos pelo tabaco!
Três mil contos para a conversão de um anfiguri!
Cinco mil contos para as estradas dos aeronautas!
Seis contos para isto, dez mil contos para aquilo!
Não tardam a contar por dezenas de milhares.
Contar a eles não lhes custa nada.
A quem custa é a quem paga para todos esses balões de papel - a terra e a indústria. (...)
Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana?"
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra.
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