sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Newsletter de outubro

A noite de Halloween

Halloween, hoje chamado Dia das Bruxas é uma tradição que se comemora especialmente nos países de cultura anglo-saxónica, como o Reino Unido ou os Estados Unidos da América. A palavra vem do inglês com o significado de «Hallowed» que significa «santo» e «en» que significa «noite». O seu significado liga-se pois a Noite Santa ou Noite de todos os Santos.

O Halloween remonta aos Celtas, povo da idade do ferro, e às festividades que aquele povo fazia em honra dos mortos. Para os Celtas o Halloween marcava a proximidade do solstício de Inverno e indicava o fim oficial do Verão. Marcava igualmente o início do provisionamento dos diversos bens alimentares para todo o Inverno. O Halloween era para os Celtas no fundo uma forma diferente de crença na vida após a morte e na comunicação entre todos os elementos organizadores do universo, o espaço e o tempo. Todo o enquadramento da fantasia ligado ao Halloween relaciona-se com a defesa dos vivos face ao outro mundo, oculto e desconhecido.

A partir do século I os Romanos abandonaram esta tradição. A figura da bruxa aparece na Idade Média e por relação com a intolerância religiosa, tendo ficado associado a esta tradição. A Igreja no século IX deslocou de Maio para 1 de Novembro a celebração do Dia de Todos os Santos para diminuir os cultos pagãos que a norte da Europa tinham muita importância. Houve assim uma junção dos cultos cristãos e pagãos, um pouco como no  Brasil a cultura negra integrou os valores da cristandade europeia.

Hoje o Halloween tem um conjunto de adereços que foram surgindo em diferentes locais  e diversas épocas. São os disfarces, criações dos períodos em que o medo da morte assolou a Europa, como no século XIV. A própria tradição de pedir um doce ou oferecer uma travessura que ainda hoje é celebrado em Inglaterra como uma festa nacional tem ainda a ver com as  lutas civis que oposeram católicos e protestantes no século XVII. 
No século XIX, os imigrantes  irlandeses que foram para os Estados Unidos levaram o património celta, tornando o Dia das Bruxas uma tradição cultural muito apreciada. 

Literacia dos media - Iniciativa 7 dias 7 dicas

Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) em parceria com a Direção-Geral da Educação (DGE), a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e a Comissão Nacional da Unesco (CNU) promove a iniciativa/concurso 7 dias, 7 dicas. Esta iniciativa procura estimular nos alunos a produção de conteúdos / ideias / sugestões sobre os media, em suporte digital. 
O conteúdo dos trabalhos é composto por alertas, recomendações ou conselhos expressos numa linguagem direta e clara, onde cada aluno ou grupo de alunos deve elaborar 7 (sete) dicas sobre um e só um destes temas:
– 7 dicas para usar os media na sala de aula e na biblioteca
– 7 dicas para promover a segurança online
– 7 dicas para respeitar os direitos de autor
– 7 dicas para promover a inclusão e a cidadania digitais
– 7 dicas para proteger os dados pessoais
– 7 dicas para manter a reputação online
– 7 dicas para evitar a dependência online
São admitidos trabalhos individuais ou de grupo com o máximo de 3 alunos. Cada trabalho deve estar associado a um docent, que terá  a função de orientador. Os trabalhos podem ser apresentados nos seguintes formatos: vídeo – avi, flv, mpeg e wmv; apresentação eletrónica – ppt e pptx; cartaz – pdf.
Os trabalhos de cada escola, no máximo de um por tema e por categoria, devem ser enviados pela Biblioteca, até ao dia 8 de abril de 2016. Os alunos autores do trabalho vencedor de cada categoria serão distinguidos individualmente com um tablet ou um cartão oferta de valor equivalente.  Deixa-se aqui o Regulamento completo.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Nós somos feitos de átomos ou de histórias?


Nós somos constituídos por átomos e por histórias, Os átomos são os constituintes de toda a matéria e também nos constituem a nós. Porém, uma pessoa sem histórias, sem memórias, não pode ser feliz. As nossas histórias completam-nos, fazem de nós o que somos. Como? Temos de passar por experiências que marcam a nossa vida, só assim poderemos aprender e compreender o mundo e a humanidade (o que pode ser uma missão impossível!). Com as experiências, reconhecemos erros, a nossa ignorância, as nossas incapacidades. Esta compreensão leva à correção, à melhoria, ao saber, à interrogação. Somos sempre feitos de átomos e de histórias, constituintes da nossa humanidade, da nossa vida.

| Catarina Ventura| 10.º C1 |


Somos feitos de átomos, mas são as histórias que nos tornam quem realmente somos. Sem histórias éramos todos iguais, sem ideias novas e sem vontade de mudar. Pois, sem histórias, quer as que já vivemos ou as que nos contam ou lemos, não teríamos aquela vontade de saber mais, aquela necessidade que temos de inovar nas nossas vidas. As histórias conduzem-nos a viver novas aventuras. Sem histórias seríamos apenas um monte de átomos sem utilidade. Teríamos vida de pouco significado: seria o nascimento, a vida e a morte sem qualquer evolução. Sem histórias perderíamos tudo o que somos interiormente. 

                                                                                                          | Martim| 10.º C1 |

Penso que somos claramente feitos de átomos. Mas isso é completamente irrelevante comparado com o que as histórias fazem de nós. Somos manipulados e influenciados de todas as maneiras possíveis por histórias. E é tão bom que assim seja. Tornamo-nos leitores compulsivos, discípulos da leitura. Para mim a leitura é algo que deve nascer connosco ou então nunca fará parte de nós. Podemos aprender a gostar, mas nunca fará parte de algo que nos é essencial. Sou e sempre fui uma apaixonada pela leitura e não há nada tão belo como a ideia de que o paraíso possa ser uma biblioteca. Não há nada tão lindo como comparar os pássaros pendurados nos fios de eletricidade com a pontuação de uma frase invisível.  


                                                                                        | Beatriz Conceição | 10.º C1 |

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Dia Internacional das Bibliotecas Escolares

O Principezinho - Livro da semana

Uma vez, quando eu tinha seis anos, vi uma imagem magnífica num livro sobre a Floresta Virgem, chamado "Histórias Vividas". A gravura mostrava uma jibóia a engolia uma fera. Fiz-vos esta cópia.

O livro sizia que "a jibóia  engole a presa inteira, sem mastigar. Depois não se pode mexer e passa os seis meses de digestão a dorimir." 

Então, pensei e tornei a pensar nas aventuras da selva, peguei num lápis de cor e fiz o meu próprio desenho. O meu desenho número 1. Ficou assim:

Fui mostrar a minha obra-prima às pessoas crescidas. Perguntei-lhes se o meu desenho metia medo. As pessoas crescidas responderam-me: "Porque é que um chapéu havia de meter medo?"
O meu desenho não era um chapéu. O meu desenho era uma jibóia a fazer a digestão de um elefante. Para as pessoas crescidas entenderem porque as pessoas crescidas estão sempre a precisar de explicações, fui desenhar a parte de dentro da jibóia. O meu desenho número 2 ficou assim:

As pessoas crescidas disseram quer era preferível eu deixar-me de jibóias abertas e fechadas, e dedicar-me à geografia, à história, à matemática e à gramática. E assim abandonei, aos seis anos, uma magnífica carreira de pintor. Ficara completamente abalado com o insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. As pessoas crescidas nunca entendem nada sozinhas e uma criança acaba por se cansar de lhes estar sempre a explicar tudo.
Escolhi, portanto, outra profissão e aprendi a pilotar. Conheci grande parte do mundo de avião. E, afinal, a geografia acabou por me prestar bons serviços. Saber distinguir a China do Arizona à primeira vista pode ser bastante útil depois de uma noite a voar sem rumo certo.
Com um trabalho deste género tive, evidentemente, uma data de contactos com muita gente importante. Vivi durante anos e anos no mundo das pessoas crescidas. Vi-as de bem perto. Não fiquei com muito melhor opinião delas. 

Mal encontrava uma com um ar um pouco lúcido, fazia-lhe a experiência do meu desenho número 1, que nunca deitei fora. Queria verificar se realmente era capaz de entender alguma coisa. Mas ouvia sempre a mesma resposta: "É um chapéu". Então, não me punha a falar de jibóias, de florestas virgens ou de estrelas. Punha-me ao seu nível. Falava de bridge, de golfe, de política e de gravatas. E a pessoa crescida ficava toda contente por ter conhecido um homem tão sensato.

Antoine de Saint-Exupery, O Principezinho. Editorial Presença. 32ª edição. 2009

1ª prova - Ensino Secundário (CNL)

 
A primeira prova do Concurso Nacional de Leitura a realizar na fase de escola para o ensino secundário terá como objeto os seguintes livros:

Ensino Secundário: 
A manhã submersa, de Vergílio Ferreira. Bertrand.
Mar me quer, de Mia Couto. Caminho. 

Deixa-se as principais etapas do calendário relativo  à 1ª fase:
Abertura - 20.10.2015
Inscrição - até 08.11.2015
Publicação das listas de Escolas inscritas - até 18.11.2015
!º Fase - Escolas:
Provas nas escolas - até 23.01.2016
Registo dos alunos apurados e das obras lidas - até 23. 01.2016
Publicação das listas de alunos apurados - até 08.02.2016

1ª prova - Ensino Básico (CNL)

 
A primeira prova do Concurso Nacional de Leitura a realizar na fase de escola terá como objeto os seguintes livros:

Ensino Básico:
O meu pé de laranja lima de José Mauro de Vasconcelos. Booksmile.
O Principezinho de Antoine de Saint- Exupéry. Presença. 

Concurso nacional de leitura

A edição de 2014/2015 do Concurso nacional de leitura já se iniciou. Na 1ª fase (realizada na escola) irão existir duas provas, para o ensino básico  e outras duas para o ensino secundário. As provas serão realizadas entre o final da 1ª e 2ª semanas de Janeiro, tendo assim os alunos a interrupção de Natal para ler os livros que serão objeto da prova. Convidamos os alunos a inscreverem-se junto do professor de Português que já tem uma ficha para se organizar a participação dos alunos nas referidas provas. Aos interessado em conhecer os detalhes da participação no concurso nacional de leitura, deixamos o Regulamento.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O cavaleiro da Dinamarca - Livro da semana

Depois, em fins de Fevereiro, despediu-se de Jerusalém e, na companhia de outros peregrinos, partiu para o porto de Jafa. Entre esses peregrinos havia um mercador de Veneza com quem o Cavaleiro travou grande amizade. Em Jafa foram obrigados a esperar pelo bom tempo e só embarcaram em meados de Março. Mas uma vez no mar foram assaltados pela tempestade. O navio ora subia na crista da vaga ora recaía pesadamente estremecendo de ponta a ponta. Os mastros e os cabos estalavam e gemiam. As ondas batiam com fúria no casco e varriam a popa. 

O navio ora virava todo para a esquerda, ora virava todo para a direita, e os marinheiros davam à bomba para que ele não se enchesse de água. O vento rasgava as velas em pedaços e navegavam sem governo ao sabor do mar. — Ah! — pensava o Cavaleiro. — Não voltarei a ver a minha terra. Mas passados cinco dias o vento amainou, o céu descobriu-se, o mar alisou as suas águas. Os marinheiros içaram velas novas e com a brisa soprando a favor puderam chegar ao porto da cidade de Ravena, na costa do Adriático, nas terras de Itália. Porém, o navio estava tão desmantelado que não podia seguir viagem. — Esperarei por outro barco — disse o Cavaleiro —. 

A beleza de Ravena enchia-o de espanto. Não se cansava de admirar as belas igrejas, as altas naves, os leves arcos, as finas fileiras de colunas. Mas mais do que tudo admirava os mosaicos multicolores onde se erguiam esguias figuras de rainhas e santos que poisavam nele o seu grande olhar. — Ouve — disse o Mercador ao Cavaleiro —, não fiques aqui à espera de outro navio. Vem comigo até Veneza. Se Ravena te espanta mais te espantará a minha cidade construída sobre as águas. De Veneza seguirás por terra para o porto de Génova. Assim atravessarás o Norte da Itália e conhecerás as belas e ricas cidades cuja fama enche a Europa. De Génova partem constantemente navios para a Flandres. E uma vez na Flandres depressa chegarás à tua terra.

 O Cavaleiro aceitou o conselho do Mercador e seguiu para Veneza. Veneza, construída à beira do mar Adriático sobre pequenas ilhas e sobre estacas, era nesse tempo uma das cidades mais poderosas do mundo. Ali tudo foi espanto para o dinamarquês. As ruas eram canais onde deslizavam estreitos barcos finos e escuros. Os palácios cresciam das águas que reflectiam os mármores, as pinturas, as colunas. Na vasta Praça de Sáo Marcos, em frente da enorme catedral e do alto campanário, o Cavaleiro mal podia acreditar naquilo que os seus olhos viam. Aérea e leve a cidade pousava sobre as águas verdes, ao longo da sua própria imagem. Passavam homens vestidos de damasco e as mulheres arrastavam no chão a orla dos vestidos bordados. Vozes, risos, canções e sinos enchiam o ar da tarde.

Nunca o Cavaleiro tinha imaginado que pudesse existir no mundo tanta riqueza e tanta beleza. Não se cansava de olhar os degraus de mármore, os mosaicos de oiro, as solenes estátuas de bronze, as águas trémulas dos canais onde se reflectiam as leves colunas dos palácios cor-de-rosa, as pontes, os muros cobertos de sumptuosas pinturas, as igrejas e as torres. A cidade parecia-lhe fantástica, irreal, nascida do mar, feita de miragens e reflexos. Era igual às cidades encantadas que as fadas fazem aparecer no fundo dos lagos e dos espelhos.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Dia Mundial da Alimentação III

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Dia mundial da alimentação - Na rota do Oriente

A celebração do Dia Mundial da Alimentação na Escola Secundária Rainha Dona Amélia em 2015 passou pela construção temática de atividades organizadas pelo cruzamento de culturas e em particular pelas trocas de plantas. A rota do Oriente foi a temática escolhida que permitiu organizar uma exposição de especiarias com mostra bibliográfica e uma receita de almoço, com destaque para algumas das influências vindas da China, da Índia ou da Ásia Menor.

Dia mundial da alimentação

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Hannah Arendt – evocar o pensamento

” The sad truth is that most evil is done by people who never make up their minds to be good or evil. ” – Hannah Arendt, A condição humana. 

Quando a New Yorker me enviou para cobrir o julgamento de Adolf Eichman eu assumi que o tribunal teria apenas um propósito. Fazer justiça. Esta não era uma tarefa fácil, porque o tribunal que o julgava via-se diante de um crime que não exista nos códigos penais. E o réu era um criminoso muito diferente daqueles que antecederam o julgamento de Nuremberg. Mesmo assim, cabia ao tribunal definir Eichman como homem sendo julgado pelos seus actos. Não se estava a julgar um sistema, nem a História, ou sequer o anti-semitismo. Somente a pessoa. O problema com os crimes nazis como os de Eichmam é que ele insistia em renunciar a qualquer traço pessoal. Como se não tivesse sobrado ninguém para ser punido ou ser perdoado. Repetidas vezes ele protestava, rebatendo as acusações da promotoria, dizendo que não tinha feito nada por iniciativa própria. Que jamais fizera algo com premeditação para o bem ou para o mal.  Apenas cumpria ordens. Esta típica desculpa oferecida pelos nazis torna claro que o maior mal do mundo é o mal perpretado por ninguém. Males cometidos por homens sem qualquer motivo, sem convicção, sem razão maligna, mas seres humanos que se recusam a ser pessoas. E é este fenómeno que eu chamei a banalidade do mal. Nunca acusei o povo judeu pela sua destruição. A resistência era impossível. Mas talvez haja alguma coisa entre a resistência e a cooperação. E é só nesses sentido que digo, que alguns dos líderes judeus poderiam ter agido de modo diferente. É extremamente importante fazer-se essas perguntas. Porque o papel dos líderes judeus fornece o exemplo mais chocante do ponto a que chegou o colapso moral causado pelos nazis na respeitada sociedade europeia. E não só na Alemanha, mas em quase todos os países. Não apenas entre os que perseguiam, mas também entre as vítimas. Os crimes de Eichman foram crimes contra a humanidade porque os judeus são seres humanos. Porque os nazis o negavam. Um crime contra eles, é por definição, um crime contra a humanidade. Nada do que escrevi foi em defesa de Eichman. O que tentei foi conciliar a chocante mediocridade deste homem com os seus actos abomináveis. Tentar entender não é o mesmo que perdoar. A minha responsabilidade é entender. É a responsabilidade de qualquer um que ouse escrever sobre este assunto. Sócrates e Platão referiam-se muitas vezes ao pensar como o diálogo silencioso travado entre mim e eu próprio. Ao recusar-se a ser uma pessoa, Eichman abdicou totalmente da característica que melhor define o homem como tal – a de ser capaz de pensar. Consequentemente, ele se tornou incapaz de fazer juízos morais. Essa incapacidade de pensar permitiu que muitos homens comuns cometessem actos cruéis numa escala monumental jamais vista. É verdade. Tratei dessas questões de forma filosófica. A manifestação do acto de pensar não é o conhecimento, mas a habilidade de distinguir o bem do mal. O belo do feio. E eu tenho a esperança de que o pensar dê força às pessoas para evitar a catástrofe nesses raros momentos, na hora da verdade. (Do filme Hannah Arendt, de Margarethe Von Trotta)

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O palácio japonês - Livro da semana

Entretanto o que podia existir de mais bonito na praça do que as crianças brincando no parque? Nada. Todas elas vestindo infância. Num alarido de pássaros sem gaiola. Jogando bolas, correndo. Verdade que nenhuma delas trazia uma canoa ou um trenzinho como ele possuía. 

Um velho japonês sentou-se ao seu lado e lhe disse que havia um palácio japonês em plena Praça da República. 
- O senhor falou que esse palácio fica mesmo na Praça da República?
Estendeu a mão e indicou um lugar.
- Bem ali. Mas nem todas as pessoas podem vê-lo. 
- E eu?
- Você disse que gostava de crianças, não disse?
- Claro.
- Se quiser poderá fazê-lo.
Alguma força o atraía para o assunto. Sem se controlar segurou as mãos do velho japonês e implorou:
- Por favor, deixe-me ver o Palácio Japonês. Eu guardarei o maior segredo. Nunca o mostrarei para ninguém.
O velho riu.
- Mesmo que o quisesse mostrar... Não é dado a todo o mundo a maravilha de ver todas as maravilhas.

José Mauro de Vasconcelos. (1999). O Palácio Japonês. Rio de Janeiro: Dinapress.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Lembrando o Nobel de José Saramago

Foi há dezassete anos que José Saramago tomou conhecimento que seria dele o Prémio Nobel da Literatura de 1998. Nessa memória das palavras, a lembrança dos seus Cadernos, onde ele iniciou a escrita de registos sobre o que o real lhe fez pensar. Nas suas palavras encontramos formas de ver o mundo, desenhos de geografias mentais. 

A sua obra é no essencial a sua assinatura sobre o que foi, o que procurou ser e o que nos tentou mostrar como sendo o seu olhar. E nessa obra cativante e ou polémica encontramos as palavras, ferramentas que José Saramago procurou usar ao serviço de uma escrita que se possa encontrar com o que somos como humanidade, o que nos limita, que sonhos temos e que fundo nos modela. 

Acima das palavras, das emoções, do desenho ético e ideológico das ações, de que pedra somos feitos, que substância temos depois de retirada toda a gordura. A sua obra evoluiu entre o edifício das palavras e a arquitectura do cinzel que busca a essência interior do homem. José Saramago definiu uma escrita em moldes muito próprios, diversas vezes narrando como se o discurso fosse do nível oral e propusesse uma longa conversa. E denunciou uma crescente falta de humanidade de um mercantilismo destrutivo, cujos contornos se tornaram mais negros. 
Vale a pena recordá-lo nas suas próprias palavras.

(...) amarga-me a boca a certeza de que umas quantas coisas sensatas que tenha dito durante a vida não terão, no fim de contas, nenhuma importância. E porque haveriam de tê-la? Que significado terá o zumbido das abelhas no interior da colmeia? Serve-lhes para se comunicarem umas com as outras? Ou é um simples efeito da natureza, a mera consequência de estar vivo, sem prévia consciência nem intenção, como uma macieira dá maçãs sem ter que preocupar-se se alguém virá ou não comê-las?

E nós? Falamos pela mesma razão que transpiramos? Apenas porque sim? O suor evapora-se, lava-se, desaparece, mais tarde ou mais cedo chegará às nuvens. E as palavras? Aonde vão? Quantas permanecem? Por quanto tempo? E, finalmente, para quê? São perguntas ociosas, bem o sei, próprias de quem cumpre 86 anos. 
Ou talvez não tão ociosas assim se penso que meu avô Jerónimo, nas suas últimas horas, se foi despedir das árvores que havia plantado, abraçando-as e chorando porque sabia que não voltaria a vê-las. A lição é boa. Abraço-me pois às palavras que escrevi, desejo-lhes longa vida e recomeço a escrita no ponto em que tinha parado. Não há outra resposta

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Escritor do mês - Mia Couto

Tudo o que tenho não tem posse:
o rio e suas ocultas fontes,
a nuvem grávida de Novembro,
o desaguar de um riso em tua boca.

Cansa-me ser quem serei
porque em tudo esse outro
se parece com o que sou.(1)

Mia Couto é um autor moçambicano que tem reinventado a língua portuguesa dando-nos territórios por onde se ligam a identidade de uma cultura, o património colectivo de uma comunidade, saltando fronteiras, dando força nova às possibilidades da Literatura. Há trinta anos a publicar títulos, recordamos Terra sonâmbula (1992), A Varanda de Frangipani (1996), A Chuva Pasmada (2004), O Beijo da palavrinha (2006), Pensageiro frequente (2010), Tradutor de Chuvas (2011), A Confissão da Leoa (2012) ou o mais recente Jerusalém

Mia Couto está imerso como pessoa na realidade de uma cultura de um país, ainda com restos de heranças coloniais, vivendo uma construção política e social com situações mal resolvidas vindas do processo de descolonização e que assim necessita de se olhar, de se pensar como conjunto humano. Tem sido esse o papel de Mia Couto e da sua literatura. Tem dado novas formas à linguagem integrando a riqueza humana e cultural de Moçambique, expondo a sua respiração, mas também falando sobre o medo e o que povoa o quotidiano de figuras quotidianas.

A literatura de Mia Couto constrói uma ligação entre o fundo africano e aquilo que pode ser uma "modernidade" no sentido de uma sociedade mais partilhada, mais coerente com os valores de uma matriz europeia. A sua literatura desmonta as lendas, os mitos tentando ligar o mundo rural e urbano, dando consistência a uma humanidade que se religa entre a realidade e um pensamento mágico. Mia Couto dá-nos um conjunto de valores de grande significado, pois ensina-nos que a memória e a cultura são factores de grande significado na identidade dos povos. É a mais nobre função da literatura.

De que é que tens medo - (1)


No dia cinco de outubro de dois mil e quinze deu-se início ao projeto "De que é que tens medo?". É um projeto a ser desenvolvido com os alunos do ensino secundário e que tem a parceria da Companhia Nacional de Bailado. Nesta primeira sessão participaram a jornalista do jornal Expresso, Cristina Peres e de um elemento ligado à Companhia Nacional de Bailado, a senhora Cristina de Jesus. Nesta apresentação ....


De que é que tens medo - (1)

O modo como se cresce com a arte é na maior parte das vezes uma escolha. Porém, é no primeiro ou nos encontros precoces com ela que se descobre a potência que tem de raptar-nos ao quotidiano. Depois, já se sabe, somos devolvidos ao mundo mais ricos. Só que há uma condição para que a arte passe a completar-nos a vida misturando-se com as nossas inquietações: sermos livres de fazer perguntas.

"De que é que tens medo?" é um ciclo de conferências em que a palavra será dada aos jovens do ensino secundário. O objetivo é que, partindo dos temas dos espétaculos da programação 2015-2016 da CNB, se abordem questões fundamentais da fase de desenvolvimento em que se encontram. Amor, paixão, homossexualidade, machismo, direitos das mulheres, coragem, inserção, racismo, violência, submissão são alguns dos elementos que queremos trazer a debate, o mais próximo possível do modo como são formulados pelos jovens. A estrutura  das quatro edições "De que é que tens medo?" tem por ponto de partida uma palestra dada por um convidado a duas comunicações feitas por jovens, abrindo-se de seguida o debate à audiência constituída por jovens. 

À partida, só há uma certeza: nomear o medo é a melhor maneira de esvaziá-lo.

Cristina Peres - Companhia Nacional de Bailado

(Apresentação do Projeto - "De que é que tens medo?")

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Mar me quer - Livro da semana

  

Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção de alma que nem chegou a falecer.
   - Levanta, ó dono das preguiças.
   E o mando da minha vizinha, a mulata Dona Luarmina. Eu respondo
   - Preguiçoso? Eu ando é a embranquecer as palmas das mãos. 
   - Conversa de malandro...
   - Sabe uma coisa, Dona Luarmina? O trabalho é que escureceu o pobre do preto. E, fora isso, eu só presto é para viver...
   Ela ri com aquele modo apagado dela. A gorda Luarmina sorri só para dar rosto à tristeza.
     - Você, Zeca Perpétuo, até parece mulher...
     - Mulher, eu?
   - Sim, mulher é que senta em esteira. Você é o único homem que eu vi sentar na esteira.
     - Que quer, vizinha? Cadeira não dá jeito para dormir.
     Ela se afasta, pesada como pelicano, abanando a cabeça. Minha vizinha reclama não haver homem com miolo tão miúdo como eu. Diz que nunca viu pescador deixar escapar tanta maré:
     - Mas você, Zeca: é que nem faz ideia da vida.
     - A vida, Dona Luarmina? A vida é tão simples que ninguém a entende. É como dizia meu avô Celestino sobre pensarmos Deus ou não-Deus..." (pág. 09).

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Rainha em Folha (Setembro - 2015)

 

Dos livros

O livro é um dos objectos raros, por onde se construíram caminhos, fronteiras que fundaram novas realidades. O livro alimenta a imaginação, cria a fantasia e concede-nos a possibilidade de alimentar novos territórios para uma esperança, feita de mundos alternativos aos critérios da econometria. O livro constrói no universo das ideias, um realismo superior à realidade, pois dá-nos as fronteiras ilimitadas da leitura. 

Embora muitos dispensem esta chave de abrir tesouros e vidas infindáveis ela é um imenso privilégio. É-o, pois significa que superámos as mais baixas condições da utilidade dos dias, que já não vivemos num quotidiano de carências, de sobrevivência e de medo. A leitura permite ter acesso a um espaço de recolhimento, para desfrutar momentos de lazer e de conhecimento.

O que faz a grandeza do livro é a sua essência, isto é, não a leitura em si, mas a criação das imagens que ela suscita. Podemos dizer que a leitura vale pela sua literacia. O livro é o único suporte de leitura que se basta a si próprio, pelo que só depende do leitor, do seu tempo privado, ao contrário da televisão, ou do cinema. O livro chama-nos, carece do nosso entusiasmo. Ler é assim, acima de tudo, o momento de construção de imagens, “o levantar a cabeça”, imaginado essas imagens que a leitura trouxe. A leitura, a sua essência repousa na construção dessa reflexão, nesse tempo individual. A leitura isola o leitor, permite a imobilidade, instala o silêncio e concede-nos um processo de contra-movimento contra a cidade, o grupo, o barulho, o movimento, os outros, libertando-nos do tempo. 

Os livros são assim os elementos de um ritual de silêncio e descoberta, os instrumentos para a construção dum paraíso, essa divindade, de que tanto carecemos, justamente as Bibliotecas. Com elas e neles vivemos momentos, como respiração de recolhimento e reflexão. É dos livros e do seu silêncio ordenado que recebemos essa energia que nos permite descobrir em poucos anos universos inteiros. É pelos livros, pelas suas palavras, que damos peso, estrutura ao que somos. É na respiração das palavras que anunciamos as formas como que vemos o mundo, e somos muito, “aquilo que as palavras ouvem” (Manuel Anrónio Pina) e é por isso que eles são a mais bela forma de registar o mundo e as suas cores. 

A iniciar Outubro

ESPÍRITO DO OUTONO

Terei de falar do espírito do outono
agora que setembro
chegou ao fim. (Espírito
é palavra suspeita: não há
hipócrita que não se abrigue
à sua sombra.) Será
a embriaguez? O vento matinal
arrastando folhas
raparigas canções?
O sopro frio das estrelas?
Será a beleza,
o espírito do outono? Há um limite
para o homem, um limite
para suportar o peso do mundo.
Da beleza, da bárbara
orgulhosa beleza, quem sabe defender-se
sem medo do coração lhe rebentar?

Eugénio de Andrade, In "O sal da língua"