Depois, em fins de Fevereiro,
despediu-se de Jerusalém e, na companhia de outros peregrinos, partiu para o
porto de Jafa. Entre esses peregrinos havia um mercador de Veneza com quem o
Cavaleiro travou grande amizade. Em Jafa foram obrigados a esperar pelo bom
tempo e só embarcaram em meados de Março. Mas uma vez no mar foram assaltados
pela tempestade. O navio ora subia na crista da vaga ora recaía pesadamente
estremecendo de ponta a ponta. Os mastros e os cabos estalavam e gemiam. As
ondas batiam com fúria no casco e varriam a popa.
O navio ora virava todo para
a esquerda, ora virava todo para a direita, e os marinheiros davam à bomba para
que ele não se enchesse de água. O vento rasgava as velas em pedaços e
navegavam sem governo ao sabor do mar. — Ah! — pensava o Cavaleiro. — Não
voltarei a ver a minha terra. Mas passados cinco dias o vento amainou, o céu
descobriu-se, o mar alisou as suas águas. Os marinheiros içaram velas novas e
com a brisa soprando a favor puderam chegar ao porto da cidade de Ravena, na
costa do Adriático, nas terras de Itália. Porém, o navio estava tão
desmantelado que não podia seguir viagem. — Esperarei por outro barco — disse o
Cavaleiro —.
A beleza de Ravena enchia-o de espanto. Não se cansava de admirar
as belas igrejas, as altas naves, os leves arcos, as finas fileiras de colunas.
Mas mais do que tudo admirava os mosaicos multicolores onde se erguiam esguias
figuras de rainhas e santos que poisavam nele o seu grande olhar. — Ouve —
disse o Mercador ao Cavaleiro —, não fiques aqui à espera de outro navio. Vem
comigo até Veneza. Se Ravena te espanta mais te espantará a minha cidade
construída sobre as águas. De Veneza seguirás por terra para o porto de Génova.
Assim atravessarás o Norte da Itália e conhecerás as belas e ricas cidades cuja
fama enche a Europa. De Génova partem constantemente navios para a Flandres. E
uma vez na Flandres depressa chegarás à tua terra.
O Cavaleiro aceitou o
conselho do Mercador e seguiu para Veneza. Veneza, construída à beira do mar
Adriático sobre pequenas ilhas e sobre estacas, era nesse tempo uma das cidades
mais poderosas do mundo. Ali tudo foi espanto para o dinamarquês. As ruas eram
canais onde deslizavam estreitos barcos finos e escuros. Os palácios cresciam
das águas que reflectiam os mármores, as pinturas, as colunas. Na vasta Praça
de Sáo Marcos, em frente da enorme catedral e do alto campanário, o Cavaleiro
mal podia acreditar naquilo que os seus olhos viam. Aérea e leve a cidade
pousava sobre as águas verdes, ao longo da sua própria imagem. Passavam homens
vestidos de damasco e as mulheres arrastavam no chão a orla dos vestidos
bordados. Vozes, risos, canções e sinos enchiam o ar da tarde.
Nunca o
Cavaleiro tinha imaginado que pudesse existir no mundo tanta riqueza e tanta
beleza. Não se cansava de olhar os degraus de mármore, os mosaicos de oiro, as
solenes estátuas de bronze, as águas trémulas dos canais onde se reflectiam as
leves colunas dos palácios cor-de-rosa, as pontes, os muros cobertos de
sumptuosas pinturas, as igrejas e as torres. A cidade parecia-lhe fantástica,
irreal, nascida do mar, feita de miragens e reflexos. Era igual às cidades
encantadas que as fadas fazem aparecer no fundo dos lagos e dos espelhos.
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