Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção de alma que nem chegou a falecer.
- Levanta, ó dono das preguiças.
E o mando da minha vizinha, a mulata Dona Luarmina. Eu respondo:
- Preguiçoso? Eu ando é a embranquecer as palmas das mãos.
- Conversa de malandro...
- Sabe uma coisa, Dona Luarmina? O trabalho é que escureceu o pobre do preto. E, fora isso, eu só presto é para viver...
Ela ri com aquele modo apagado dela. A gorda Luarmina sorri só para dar rosto à tristeza.
- Você, Zeca Perpétuo, até parece mulher...
- Mulher, eu?
- Sim, mulher é que senta em esteira. Você é o único homem que eu vi sentar na esteira.
- Que quer, vizinha? Cadeira não dá jeito para dormir.
Ela se afasta, pesada como pelicano, abanando a cabeça. Minha vizinha reclama não haver homem com miolo tão miúdo como eu. Diz que nunca viu pescador deixar escapar tanta maré:
- Mas você, Zeca: é que nem faz ideia da vida.
- A vida, Dona Luarmina? A vida é tão simples que ninguém a entende. É como dizia meu avô Celestino sobre pensarmos Deus ou não-Deus..." (pág. 09).
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