quarta-feira, 25 de março de 2015

Herberto

I do not Know much about gods, but I think that the river
Is a strong brown god
(…)
What we call the begining is the end. (T. S. Elliot, Four Quartets)

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar, que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se é esse o seu tempo, quando havia ele de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo esteja real e tudo esteja certo;
E porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. (…)
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências,
O que for, quando for, é o que será que é.

(“Poemas Inconjuntos”. in Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1946.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço —
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.
«Tríptico». In A Colher na Boca, 1961.


Herberto morreu. Eugénio sobre Torga tinha o consolo que tudo é efémero, só a morte é imortal, pois não poupou o mais chegado aos anjos, esse cântico de perfeição que são as sonatas de Mozart. Quando um poeta morre diz-se ficam as palavras. Em Herberto mais ainda, pois ele construiu na solidão de cada momento, as faces do poema. Esmerou-se como um carpinteiro por desenhar as palavras que a sua simbologia criou. Ergueu uma obra para o mundo, entregou-a sem explicações, sem manifestos, sem prémios, na reclusão da torre da palavra. Herberto tinha na reclusão a voz de um poeta, que se afirma pelas suas palavras, pelo valor que aquelas têm, como víamos em Baudelaire, sempre nessa atitude modernista, de fugir ao mundo, para o apreender. 

Herberto trouxe uma poesia, onde as palavras emergem sobre nós, como oráculos de mistério, sem um tempo definido, onde se advinham rituais de tempo mágico, parecendo conduzir-nos para o espaço sagrado de uma mitologia. Herberto recuperou nas suas palavras a sacralidade perdida num mundo secularizado, dando uma resposta à velha dúvida de Nietzsche, da perda de Deus e da dor antiga. Os rios, o corpo são formas vivas de um fogo que persiste, nos espaços obscuros e de silêncio onde emergimos, para um real nem sempre possível de integrar, pois somos feitos, na feliz expressão de António Lobo Antunes, “de ranho e de poeira cósmica”. 

Pessoa e Herberto são as maiores figuras da poesia e da literatura portuguesa do século XX. Pessoa, na dimensão única de Caeiro vive a natureza, mas supera-a em si em cada instante, absorve o olhar brilhante do sol de cada momento, sabendo-o que só o que existe é real. O real dá-lhe consistência e justificação. Herberto ainda procura um valor sagrado, uma construção de milagres, o real mais belo para a nossa respiração. Herberto procura-se na noite vasta, no tempo imemorial, onde os pensamentos são graças permanentes ouvidas em cada um de nós. 

Em Herberto há uma labuta humana, pelas ideias que hão-de chegar ao outro, ao que procuramos. Em Herberto há uma emoção por esse coração que naufraga num céu infinito, das crianças que em cada esperança se renovam, nas casas, “ruas de flores” de onde imaginamos o mundo. Há dentro de cada um de nós a flor, o fruto, a divindade, entre a racionalidade e o sagrado mais breve, as flores que nos procuram em cada um de nós. São duas formas infinitas, porque humanas de conceber o homem e os seus anseios mais secretos, o fogo das palavras eternas. São duas formas gloriosas de modernidade e de construir a língua e as palavras, essas formas breves de eternidade.

(Perto da interrupção letiva, a morte de um poema vivo, a poesia que devora o real, Herberto Helder).

domingo, 22 de março de 2015

Rainha em Folha

O holocausto - apresentação

Trabalho de Filosofia sobre o Holocausto Nazi. Realizado por alguns alunos de Filosofia do 10º B e 10º G. Nele se procurou fazer um vídeo sobre o Holocausto colocando pequenas, mas interessantes questões sobre o holocausto, a sua definição, a sua causa e a sua influência na organização do mundo pós 2ª guerra mundial. É uma forma diferente e muito criativa de colocar questões e com elas aprender com um tema, expondo-o criativamente.

O Holocausto

Trabalho de alguns alunos na disciplina de Filosofia sobre a temática do Holocausto.

Débora Santos / Irene Pires / Leonor Sá / Rugiatu - Suma -10ºB
André Henriques - 10ºG

sábado, 21 de março de 2015

Dia Mundial da Poesia

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abaraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa

Que eu via prometida nas imagens.


Sophia, "Em todos os jardins", in Poesia.

(A poesia que é sinónimo da sua palavra, Sophia e do seu perfume. As suas palavras dão-nos o encanto impressivo da claridade que tanto procuramos na compreensão do possível onde se fragmentam os nossos passos de sol nas ondas de azul, no verde das florestas. Nos lugares onde ambicionamos a substância de um encontro real, a voz dos nossos precários desejos. Sophia é, nunca é demais relembrar, nas suas palavras, a Poesia, pela sua mensagem de mistério e real, pelas possibilidades que nos deu de saber olhar e com ele construir a própria linguagem. Com ela habitamos, ainda que brevemente um reino, o seu.)

sexta-feira, 20 de março de 2015

A Primavera

Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura

Depois do Inverno, morte figurada,
A primavera, uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.

Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e como as flores e os animais
abrirás as mãos de quem te espera.


"Flores", "Primavera", "Glória" de Sophia; Miguel Torga e Eugénio de Andrade

Equinócio de Primavera

Vai-te ao longo da costa discorrendo,
e outra terra acharás de mais verdade,
lá quase junto donde o Sol ardendo
iguala o dia e noite em quantidade.
Ali tua frota alegre recebendo,
Um Rei, com muitas obras de amizade,
Gasalhado seguro te daria
E, pera a Índia, certa e sábia guia.”

Assim falava o deus Mercúrio a Vasco da Gama, no Canto II dos Lusíadas, apontando para a ideia que hoje conhecemos de equinócio, ou quando o dia e a noite têm uma duração igual. Na verdade, o equinócio é esse instante em que o Sol, no seu movimento anual aparente, passa no equador celeste. Damos habitualmente o nome de equinócio, ao momento em que associamos a chegada da Primavera. Os astrónomos consideram que o equinócio da Primavera é o momento em que visto ou observado da Terra, o Sol cruza a linha do equador terrestre que se projeta na esfera celeste. No hemisfério norte este equinócio ocorre em Março e no Hemisfério Sul acontece em Setembro. 

Não conhecendo o detalhe científico dado pela Astronomia, diferentes povos e culturas sempre celebraram a chegada da Primavera que representava o fim de um tempo difícil, cheio de privações, a longa noite, O Inverno. Várias culturas fizeram esta celebração do renascimento da vida, a que ficaram associados festividades de fertilidade e abundância. 

A Páscoa e em concreto a simbologia dos ovos remete-nos também para os símbolos da fertilidade que em diferentes culturas de diversas latitudes sempre fizeram parte da sua forma de construir as suas cosmogonias,isto é a sua visão do mundo. A Primavera é pois um período de renovação, de afirmação da vida, para novas construções e vivências nos dias à frente. Uma das formas de o celebrar é com a Poesia.

terça-feira, 17 de março de 2015

Encontro com o Ilustrador João Amaral




Esta manhã, três turmas do ensino secundário e uma do básico em duas sessões tomaram conhecimento com a obra do ilustrador João Amaral e em concreto com a sua adaptação do romance de José Saramago, A viagem do Elefante. Foi feita uma apresentação biográfica da obra e do trabalho de João Amaral. A sessão correu muito bem, tendo sido apreciada pelos alunos e pelos docentes, onde o ilustrador deu a conhecer uma obra de Saramago com utilização de conteúdos plásticos e gráficos. O ilustrador mostrou a sua metodologia de trabalho, desde a adaptação do texto original, até às diferentes fases do desenho manual e da utilização de marcadores, incluindo a sua adaptação ao digital. A BD como forma criativa e o desenho como suporte de mensagens e de histórias foram amplamente tratados, nos seus diferentes suportes.

Feira do Livro

segunda-feira, 16 de março de 2015

Semana da Leitura

A memória de Natália

"Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo" ( "IX", in Poemas)


Natália nasceu nas ilhas de lava e fogo, há um pouco mais de noventa anos, para nos dar uma poesia e uma criação da palavra capaz de nomear as coisas, a vida, a memória, as experiências do quotidiano com um ousadia apenas possível para os que buscam a identidade intrínseca de do real. Deixou-nos fisicamente há justamente vinte e um anos e para quem a conheceu, o seu espírito era de uma ousadia permanente. 

Percebeu antes de todos, que a banalização, a falta de rigor, a ausência de consciência e de memória fariam saltar as mais gritantes formas de injustiça. Ousou sobre um País cinzento, com paixão, "o corpo do amor", essencial a qualquer criação, para buscar a inocência perdida das crianças, no espanto inicial de saber olhar. A sua inteligência, a sua ousadia, a sua liberdade criativa serão sempre uma memória do País cinzento, que das praias de lava ousava  o abraço e o beijo de outros encontros, capazes de redimir o Homem.

Escritora, poetisa, participou na luta contra o Estado Novo, tendo livros como Canto do País Emerso ou Satírica proibidos pela censura. Defendeu como poucos o património da língua portuguesa, na senda da célebre ideia de Pessoa e a importância do património cultural. Fez da sua tertúlia da liberdade um ponto de discussão e promoção de direitos humanos. Falou das mulheres com um sentido mágico, lutando no final dos anos oitenta por ideias essenciais da participação da mulher na sociedade. Foi deputada, mas nunca se submeteu aos valores do carreirismo político, tendo a sua vida literária tido pontos de contacto com figuras como António Maria Lisboa ou Cruzeiro Seixas.

Natália foi sempre ela própria, onde conciliava conhecimento enciclopédio com os rasgos de originalidade, numa composição de profunda energia. Com Dimensão encontrada (1957) e Comunicação (1959) revelou uma exuberância lírica que acompanhava a sátira, onde se notavam o desejo de chegar à utopia, à fantasia. à vida plena que queria usufruir plenamente. Morreu num tempo em que esse mundo de uma construção pelo conhecimento, uma sociedade participada caía nos escombros do individualismo. Quem assistiu à declamação das suas poesias, percebe como só da pátria de lava e fogo poderia fazer nascer uma voz tão livre e tão próxima do coração da terra.

Entrevista a Einstein - Livro da semana

Título: Entrevista a Einstein
Autor: Jean Claude-Carrière
Edição: 1ª
Páginas: ...
Editor: Quetzal
ISBN: 978-972-564-686.6
CDU: 821.133.1-83"20"
Sinopse:
« (…) Durante muito tempo, pensámos em linhas rectas, pelo menos esforçámo-nos por isso, em termos de rectidão e de clareza, com a ajuda daquilo a que chamávamos a lógica, a razão, ou ainda a geometria; no nosso pensamento rectilíneo, esforçávamo-nos por ir de um ponto ao outro, o mais rapidamente, o mais simplesmente possível, o nosso pensamento evoluía em triângulos, quadrados, rectângulos e subitamente fomos invadidos pela curva! Pela sinuosidade! (…)
O pensamento é lento e frágil. Não é soberano. Não é a coisa mais bem partilhada do mundo, longe disso. Para uma massa de espíritos receosos, saber é enganar-se, saber é perder-se. Subsiste em todos nós algo de mágico e de feérico. Precisamos de feiticeiros, que nos toquem a flauta imperecível e que se encham à nossa custa. Preferimos a crença ao conhecimento, as patranhas às certezas. É assim. (…)
   É fácil de compreender. Veja: o universo é irresistível. Constitui uma autêntica sedução. É belo, se esta palavra ainda tem sentido nestes espaços incomensuráveis. Ele encerra em si toda a beleza. Cruelmente, sempre que o olhamos, reduz-nos sem cessar à nossa insignificância. Esmaga-nos. E, no entanto, ao acolher-nos, amplia-nos, abre-nos os olhos e, mais ainda, o nosso espírito, aceita-nos. Os Antigos diziam: revela-se-nos, mostra-se. Ao contrário de Deus, que põe tanto cuidado em se esconder, ele é um imenso exibicionista.(…)
Esta necessidade de um objectivo, de um desígnio, primeiro passo para a finalidade geral do mundo, aplicámo-la, ao que parece, ao universo, como se tudo tivesse de funcionar num sentido comparável ao nosso. Como se as galáxias e os electrões se deslocassem sobre a nossa atitude e desposassem todos os nossos movimentos interiores. Como se o sentido dominasse a realidade. Como se, nos infinitamente grande e pequeno, tudo obedecesse à vontade de alguém, à maquette de um arquitecto habilmente dissimulado. Como se as estrelas estivessem ali penduradas para responder às nossas velhas perguntas. (…)
Quando um pensamento percorre incessantemente o universo, quando se aventura e se perde em distâncias incomensuráveis, na infinidade dos possíveis, e se volta por um momento a fim de fixar nas minúsculas querelas da Terra, reivindicações de fronteiras, possessões, insultos e ameaças (…) um nacionalismo estreito, mesquinho, que nos deixa paralisados, o que dizer?
Como reagir, no regresso das estrelas?»
(É um pequeno grande livro sobre uma figura enorme, justamente Einstein. Um livro que nos dá a hipotética entrevista de um homem que repensou o universo. Por ele caminhamos pela sabedoria de um homem que redesenhou os conceitos do espaço e do tempo, da matéria e da energia. Uma fonte de informação e de prazer sobre a diversidade de uma das mais importantes figuras do século passado. Um livro a descobrir.)

quinta-feira, 12 de março de 2015

Escritor do Mês: Agustina - As palavras

"Todos os meus livros são, afinal, só isso, a oportunidade de milhões de almas, únicas, todas elas, almas de sapinhos cheios de importância de viver. [...] Uns partem um pouco depois de dizerem bom dia, outros ficam até morrer. Todos se continuam naquilo que têm de profundamente entre si - a vocação para serem sós, porém aceites por cada uns dos outros. Porque a solidão que me acusam de impor aos meus personagens, como uma grilheta, é apenas a sua individualidade biológica, a exclusividade, a reivindicação superior da sua própria luta. Um homem jamais corresponde a outro homem; as suas reações e conclusões não equivalem a vivência de outra alma, a experiência do outro eu. O mistério do eu cumpre-se em cada homem de forma única". (1)


Há muitas coisas belas na terra, mas nada iguala a recordação de um dia de Verão que declina, e temos 11 anos e sabemos que o dia seguinte é fundamental para que os nossos desejos se cumpram. Quem conservar este sentimento pela vida fora está predestinado a um triunfo, talvez um tanto sedentário, mas que tem o seu reino no coração das pessoas. (2)

O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome. (3) 

Não são os crentes que se salvam; são os que esperam em plano de igualdade com o que é eterno - a vida humana e a realidade dos seus direitos. Devo acrescentar aqui alguma coisa que sempre me pesou: acima dos amigos eu tive o pensamento; além da gratidão, eu pus o amor forte e generoso pela vida. (4)

Agustina Bessa-Luís, 
(1) in Revista Lusíada. Porto, Outubro, 1955.
(2) As Pessoas Felizes
(3) Sibila
(4) O chapéu de fitas a voar

segunda-feira, 9 de março de 2015

Escritor do mês - Agustina (os livros)




Perto do fim do período e em mês mais reduzido, o Boletim Bibliográfico dedicado em março, a Agustina Bessa-Luís passará pela apresentação dos conteúdos que pensámos nele introduzir, os livros, as frases e o papel de Agustina como escritora muito especial.

Voo Nocturno - Livro da semana

Título: Voo Noturno
Autor: Antoine de Saint-Exupéry
Edição: 1ª
Páginas: 215
Editor: Casa das Letras
ISBN: 978-972-46-2050-3
CDU: 821.131.1-93


Sinopse: Numa nova semana ainda sob o foco da cultura francesa e de um seus grandes nomes, justamente Antoine de Saint-Exupéry. Voo Nocturno dá-nos em livro, um autor maior da literatura universal. Nas suas páginas, revemos a nossa natureza exposta aos sonhos e aos desejos, de respirar com os outros novas dimensões de humanidade. Em Voo Noturno Saint-Exupéry dá-nos a descoberta dos grandes espaços, entre o mar e o deserto, na ousadia de superar as limitações do homem sobre a natureza. Um pouco auto-biográfico, Voo Noturno é um desenho de um Homem maior, aquele que enfrenta no ar todos os desafios ainda num tempo humano. 

quarta-feira, 4 de março de 2015

Do Infante ... o sonho

A quatro de Março do ano de 1394, nascia no Porto uma das mais ilustres figuras de uma geração que ficaria conhecida como a ínclita geração e de que Pessoa na sua mensagem chamaria o homem que na sua solidão conceberia eras novas e disporia o sonho de um mar novo sobre os escombros de "mortas eras". O seu papel na construção do lançamento da viagem para novos mundos foi essencial.

O sonho do infante chegou longe e permitiu construir uma outra ideia do mundo. Do Mediterrâneo ao Atlântico, construindo um mundo novo não fechado sobre si, como era a visão plotemaica, mas numa construção mental que integrava o mundo e o valor das esferas como ideia já não abstracta mas vivida nos espaços do quotidiano. Sobre esta temática a Fundação Calouste Gulbenkian apresentou há dois ano uma exposição chamada 360º Ciência Descoberta, de que se deixam algumas imagens. 

Foi desses infantes desconhecidos, que forjaram pelas ideias e pela vontade um mundo novo. O conhecimento dessa ciência, desses materiais, dá-nos como técnicas e pessoas erigiram um mundo mais aberto. Desse sonho inicial do Infante, outros nasceriam como Garcia da Orta ou Pedro Nunes, mas também o de médicos, cartógrafos, pilotos e das primeiras criações, das cartas onde se imaginaram tantas possibilidades de rumos novos. O Infante foi o melhor desse mundo de descobridores que faziam a viagem, por aquilo que ela faz em cada um de nós. O Infante D. Henrique foi assim um dos grandes percursores da viagem, como descoberta e construção.

Dessa viagem feita nasceram representações materiais de quem ousou combater o conhecimento garantido como universal, mas de natureza local, que ousou afundar as mais conhecidas das suas certezas. Com O Infante e com esse mundo de maravilhas se percebem que no estudo e na experimentação residem chaves para as ideias mais ousadas. Se devemos a Galileu ou a Copérnico muitas das ideias de um conhecimento novo das coisas, devemos ao Infante e aos seus marinheiros a viagem, a que permitiu reconstruir e fundar um mundo e uma ciência novas, afinal o sonho maior. O que constrói nos processos e nas formas a gestão do conhecimento.

Imagens:
Globo Celeste de Christoph Schissler, O Velho (1575)
Página de Suma de Árvores e Plantas da Índia - Ganges de Manuel Godinho de Erédia
Atlas da Índia natural / O códice de Jaume Honorat Pomar (séc. XVI)

terça-feira, 3 de março de 2015

Escritor do Mês - Ruy Cinatti

Neste mês de março, mês do nascimento de um poeta que se confunde com o que foi a universalidade do património humano, advindo das viagens marítimas dos séculos XV e XVI. 

Ruy Cinatti nasceu há noventa anos e foi um poeta que trouxe as questões antropológicas ao quotidiano que o Portugal do Estado Novo não conhecia. 

Foi um poeta que revelou uma preocupação com as questões do desenvolvimento sustentado e integrado das comunidades. Preocupou-se com a diversidade do homem e as limitadas capacidades éticas do Poder face ao coração do homem. O poeta também da natureza, como fonte de inspiração, de um sentido humano. Do Timor esquecido e organizado em comunidades com tradições próprias deu conta em muitas horas de filme e de dedicação poética. 

Paralelamente sigo dois caminhos
Abstracto na visão de um céu profundo.
Nem um nem outro me serve, nem aquele
Destino que se insinua
Com voz semelhante à minha.
O melhor mundo
Está por descobrir.
Não sequer a lua
Nem o perfil da proa.
Vai direito
Ao vago, incerto, misterioso
Bater das velas sinalado de oculto.

Quero-me mais dentro de mim, mais desumano
Em comunhão suprema, surto e alado
Nas aragens nocturnas que desdobram as vagas,
Chamam dorsos de peixe à tona de água
E precipitam asas na esteira de luz.
Da vida nada senão a melhoria
De um paraíso sonhado e procurado
Com ternura, coragem e espírito sereno.

Doçura luminosa de um olhar. Ameno
Brincar de almas verticais em pleno

Sol de alvorada que descerra as pálpebras.

Ruy Cinatti, "Vígilia". In Rosa do Mundo, 2001 Poemas Para o Mundo, Assírio & Alvim

segunda-feira, 2 de março de 2015

Liberdade e limites

O mundo acontece lá fora e aqui. Ainda bem! Há opiniões, há pensamentos, há ideias. Há letras e palavras que se cruzam em páginas do real, novas, atuais; memórias dos dias. 

Liberdade e limites

Eu concordo com a afirmação de Mandela e acho que se aplica inteiramente aos acontecimentos de Paris. 
A única forma de sermos verdadeiramente livres é não "aprisionar" os outros pois isso gera revolta e a revolta gera medo e o medo é uma forma de nos aprisionarmos a nós. Tomemos por exemplo a intolerância dos europeus face à cultura muçulmana, intolerância essa criadora de enormes ondas de emigração rumo ao Islão para lutar nas fileiras "jihadistas" que ameaçam depois a Europa.
A liberdade de expressão também ela tem limites porque embora seja verdade que o efeito que algumas caricaturas podem ter varia de pessoa para pessoa, e a culpa não é nossa, lá porque podemos fazer algo não quer dizer que o tenhamos de fazer. Se certo dia todas as nossas ações fossem consideradas legais por vinte e quatro horas, não mataríamos imediatamente alguém que odiássemos. Atuaríamos, sim, em conformidade com a nossa consciência e valor e perceberíamos o que era correto fazer ou não. O problema está na falta de consciência presente no mundo. Uns porque acham que é certo ridicularizar  fé dos outros ao máximo e outros, cuja fé é a coisa mais importante na sua vida, porque acham correto matar, como forma de vingança contra aqueles que os ofenderam.
Concluindo, temos obrigatoriamente de lutar pela nossa liberdade, mas também de fazê-la chegar aos outros, respeitando-os tal como queremos ser respeitados. O que não podemos fazer é aplicar a máxima de "pagar na mesma moeda" porque, a longo prazo, não só seremos pobres financeiramente por causa da guerra como intelectual e socialmente por causa do ódio.

Inês Duque - 11º B

Longos dias têm cem anos - Livro da semana

Título: Longos dias têm cem anos
Autor: Augustina Bessa-Luís
Edição: 1ª
Páginas:...
Editor: Guimarães Editores
ISBN:  978-972-665-568-8
CDU: 821.134.3-94"19/20"
Sinopse: "Maria Helena não tem a simpatia pronta, por isso as entrevistas que dá embatem contra uma superfície lisa, um espelho onde tremem reflexos, onde se procuram teoremas. O repórter tenta desdobrá-la como um pano cuidadosamente enrolado, e sucedem-se os espaços neutros e, de certa maneira, as evasivas. Ela não confia nesse intuito de divulgação, porque o espírito humano não se divulga. A paz e o sofrimento não se divulgam; são fluidos depois de usados, e, no momento em que se praticam, não têm rosto e, assim, não se podem descrever.

(...)Todas as vezes em que procurei Maria Helena porque eu estivesse doente, ou desanimada (como foi o caso, em 1965, de eu pensar em deixar o País), aí deparei com a verdadeira presença que não se distrai, não vagueia, não ilude. Maria Helena reage às coisas concretas e essenciais com uma prontidão admirável.

É raro que as pessoas tenham esse respeito pelo essencial. Costumam escapar ao essencial e ocupar-se pormenorizadamente do acessório. E a vida parece nelas um tumulto de confabulações e artes, sem nada de resistente ou de culto. Aproximamo-nos da Maria Helena e ela pode olhar-nos como se fôssemos um objecto mais ou menos preciso mas que não atrai a curiosidade nem o afecto. Mas se tocamos esse registo do essencial, se houver em nós um risco, um alarme, ela actua e torna-se de repente incansável; algo mais do que amizade e incorrupção da aliança humana surge, como uma flor."

Março

Lá vai Março de mansinho
- para ser ele o primeiro -
a percorrer o caminho
que vai de Castelo Frio
- o lugar de onde partiu -
ao Palácio Florentino:
o jardim à beira rio
onde nasce a Primavera.
Mas quando chega, uns casais
já montaram casa e esperam
que lhes nasçam uns meninos.
E Março, que é educado,
cumprimenta os maiorais,
tira o chapéu e lá diz:
- Bom dia, senhores pardais.
Mas logo sente uma chama,
como se em dia de festa:
abre os braços e proclama:
- Já chegou a Primavera!
Da Floresta é este o Dia
e, já agora, da Poesia! 
João Pedro Mésseder. Livro dos Meses
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