terça-feira, 5 de maio de 2015

Encontrar Pessoa - Visita de estudo

Entro na porta que foi a tua casa. Afinal, sempre tiveste uma casa e não esses quartos medíocres, pequenos, alagados de pequenez e solidão, para ruas de pó e formalidade. Fico contente, por essa companhia em que escreveste linhas sem fim, já na companhia de uma mãe, de uma família, se assim o podemos dizer. Entro pela tua porta e vejo essa escada velha, de madeira solene, com que os prédios antigos encantavam em passos secos os seus moradores. 

Revejo-te aprumado nessa entrada, após uma curta e maçada jornada num qualquer escritório. Vejo-te como que a encaminhar passos de descanso, por essa porta branca solícita de tantos versos, de ideias infinitas sobre o que sonhamos, o que desejamos para um Universo de finitude. Imagino-te nesse compartimento de todas as possibilidades, e, nas noites dançantes de aguardente e inspiração, para melhor percebermos os instantes que nascemos para um nome que nem sempre visitamos. 

Vejo-te debruçado sobre a janela e a corresponder a essa sabedoria de infância, que desconhece a morte e que se alegra nos instantes mais puros, nas graças mais desajeitadas de formalismo e por isso em instantes perfeitos de sorrisos e camaradagem. Imagino-te em passos caminhantes a outros espaços da casa, onde hoje te vemos como um elemento entre crianças e a tu mãe, sempre com essa dedicação de criança em sonhos. Não sei se és capaz de o perceber, mas de algum modo, os materiais revelam as sombras imanentes dos que absorveram a respiração, a tua e do que nos soubeste dizer. Precisamos de verdadeira inspiração para encontrar as tuas múltiplas vozes. 

A tua escrita é a maior forma de amor a uma língua e a uma ideia, de fazer essa navegação e descobrir todos os universos, os nomes de que somos feitos. Não sei se ao visitar a tua casa a respiração ultrapassou a imaginação. Se assim for, tal não é muito importante, pois como tu dizias, também muitas vezes me parece, que  o mais importante “é ler com a imaginação”. Obrigado Fernando. Sempre preferi os nomes próprios. Eles dizem-nos muito mais sobre esse ser que em cada um vive. Um dia vou ter saudades tuas.

(Um texto imaginado nos passos da Casa Fernando Pessoa, naquela que foi a sua última casa e onde tentámos descobrir com a ajuda preciosa do guia da Instituição, as sombras de um universo sem fim, as palavra e a vida de Pessoa).

Sem comentários:

Enviar um comentário