Entro na porta que foi a
tua casa. Afinal, sempre tiveste uma casa e não esses quartos medíocres,
pequenos, alagados de pequenez e solidão, para ruas de pó e formalidade. Fico
contente, por essa companhia em que escreveste linhas sem fim, já na companhia
de uma mãe, de uma família, se assim o podemos dizer. Entro pela tua porta e
vejo essa escada velha, de madeira solene, com que os prédios antigos
encantavam em passos secos os seus moradores.
Revejo-te aprumado nessa entrada,
após uma curta e maçada jornada num qualquer escritório. Vejo-te como que a
encaminhar passos de descanso, por essa porta branca solícita de tantos versos,
de ideias infinitas sobre o que sonhamos, o que desejamos para um Universo de
finitude. Imagino-te nesse compartimento de todas as possibilidades, e, nas
noites dançantes de aguardente e inspiração, para melhor percebermos os
instantes que nascemos para um nome que nem sempre visitamos.
Vejo-te debruçado
sobre a janela e a corresponder a essa sabedoria de infância, que desconhece a
morte e que se alegra nos instantes mais puros, nas graças mais desajeitadas de
formalismo e por isso em instantes perfeitos de sorrisos e camaradagem.
Imagino-te em passos caminhantes a outros espaços da casa, onde hoje te vemos
como um elemento entre crianças e a tu mãe, sempre com essa dedicação de
criança em sonhos. Não sei se és capaz de o perceber, mas de algum modo, os
materiais revelam as sombras imanentes dos que absorveram a respiração, a tua e
do que nos soubeste dizer. Precisamos de verdadeira inspiração para encontrar
as tuas múltiplas vozes.
A tua escrita é a maior forma de amor a uma língua e a
uma ideia, de fazer essa navegação e descobrir todos os universos, os nomes de
que somos feitos. Não sei se ao visitar a tua casa a respiração ultrapassou a
imaginação. Se assim for, tal não é muito importante, pois como tu dizias,
também muitas vezes me parece, que o mais
importante “é ler com a imaginação”. Obrigado Fernando. Sempre preferi os nomes
próprios. Eles dizem-nos muito mais sobre esse ser que em cada um vive. Um dia
vou ter saudades tuas.
(Um texto imaginado nos passos da Casa Fernando Pessoa, naquela que foi a sua última casa e onde tentámos descobrir com a ajuda preciosa do guia da Instituição, as sombras de um universo sem fim, as palavra e a vida de Pessoa).
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