sexta-feira, 28 de abril de 2017

A palavra e o mundo - Lewis Carroll

(Alice no País das Maravilhas é um dos livros que podemos integrar no que poderíamos chamar os Grandes Livros. Alice é a maior criação da literatura infantil, estando para lá dela. É um daqueles livros imortais, onde a cada frase as crianças perguntam porquê. Inspirada numa Alice que Carroll conheceu é um livro para alimentar toda a imaginação, onde vive uma Alice que nos deixa ser nós e os nossos sonhos de aventuras).
 
«Mas quando ela desapareceu, a irmã deixou-se ficar ali sentada, tranquilamente, de cabeça apoiada na mão, olhando o sol-poente e pensando na pequena Alice e em todas as suas aventuras maravilhosas, até que começou também a sonhar. (...)
Ali ficou sentada, de olhos fechados. Quase acreditou no País das Maravilhas, embora soubesse que, quando voltasse a abri-los, tudo regressaria à enfadonha realidade... Apenas o vento faria sussurrar a erva, e as águas do lago agitar-se-iam com o balouçar dos juncos... O tilintar das chávenas transformar-se-ia no tinir dos chocalhos, e os gritos estridentes da Rainha na voz do jovem pastor...
E os espirros do bebé, o silvo do Grifo e todos os outros estranhos ruídos dariam lugar (ela sabia-o) ao barulho confuso da azáfama que reinava no pátio da quinta, enquanto os mugidos do gado à distância substituiriam os soluços profundos da Falsa Tartaruga.

Por fim, imaginou como esta sua irmãzinha seria no futuro, quando fosse crescida; e como conservaria, já na idade madura, o coração simples e adorável da sua infância, e reuniria à sua volta outras crianças, cujo olhar se tornaria vivo e curioso ao ouvirem tantas histórias estranhas, talvez mesmo a história do sonho do País das Maravilhas, de há muitos anos; e como ela se sentiria no meio das suas tristezas simples e encontraria prazer nas alegrias igualmente simples, ao recordar-se da sua própria meninice e dos dias felizes de Verão.»

quarta-feira, 26 de abril de 2017

26 de Abril - a manhã seguinte


A caricatura é uma forma de olhar a vida. Pode-se respirar e pensar que tudo é grande e imenso, ou fingir que qualquer miniatura é uma forma de decência. Podemos lutar por uma representação de direito natural, pensar que a nobreza de carácter supera a elite de sonhos deformados, ou só olhar as gotas de chuva como uma dádiva do universo. 
A liberdade de ser, de definir no real, a substância imprevista de amarmos a vida, de a inscrevermos numa ideia de dignidade ou tão só circunscrever cada sonho, aos seus passos perdidos. Entre o esquecimento, do cansaço e a orquestra política, percebemos mal o movimento e a nossa oportunidade de inscrever a vida em algo sublime. Tem sido esse a nossa maior pobreza. 
Há três anos Ricardo Araújo Pereira escreveu, para os sábios oficiais, como a nossa paralisia é ainda uma forma de ser, como o país bloqueado é um testemunho de escolhas insignificantes para a consciência de ser livre. Vale a pena ouvir esta peça de inteligência e conhecimento sobre nós próprios. É dele que se pode partir para algo mais livre. Celebrar o 25 de Abril deve também servir para compreender o que falta num caminho muitas vezes feito de sombras. A ouvir, no link acima. 
Imagem - Ainda a matinal alegria da esperança: Copyright - Eduardo Gageiro

terça-feira, 25 de abril de 2017

25 de Abril - Os sons




Três momentos, dos muitos que fizeram um movimento de esperança e alegria. Carlos Paredes foi essa alegoria de um som capaz de transportar as vivências de um povo e de uma cultura. Paulo de Carvalho, E depois do adeus, a canção de uma despedida de um mundo para o nascimento difícil e só e o poema de José Fanha sobre essa tentativa de ilustrar o que é a portugalidade, entre o silêncio da noite e a esperança da manhã.

25 de Abril - As imagens e as palavras


"(...)Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.

Que o poema seja encontro onde era despedida.
Que participe. Comunique. E destrua
Para sempre a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua.

Que o poema faça um poeta de cada
Funcionário já farto de funcionar.
Ah que de novo  acorde no lusíada
A saudade de novo o desejo de achar.

Que o poema diga o que é preciso
que chegue disfarçado ao pé de ti
e aponte a terra que tu pisas e eu piso.
E que o poema diga: o longe é aqui".

Manuel Alegre, "Poearma", in Poemas de Abril

25 de Abril - a memória de uma alegria

O 25 de Abril é uma data incontornável do século XX português. Para as novas gerações essa data surge com a distância com que ouvem falar de outras que são objeto de estudo. O 25 de Abril surge como uma data tão próxima como a Revolução Francesa ou Americana. A sua proximidade não lhe traz mais possibilidades. O País hoje é outro e a memória não é muito exercitada. O tema aparece com sorte duas, três vezes entre o início do Básico e o fim do Secundário.

Esses foram dias de uma alegria muito viva, dias onde a manhã como disse Sophia parecia nascida de encontro a todas as possibilidades, a toda a criação nossa, "a substância do tempo."  Baptista-Bastos escreveu há anos um texto curto e que nos dá a ideia dessa alegria formadora de possibilidades. Desse dia a memória de um homem, dos mais raros que o País alguma vez teve e que tentou iluminar um caminho, como Sophia disse, "a partir da página em branco". O homem que ofereceu o seu gesto sem nada receber. Foi ele o herói de uma alegria. Salgueiro Maia foi esse homem do mais genuíno e puro que pode significar o amor aos outros. Abaixo, o texto de Baptista- Bastos.

Contarás de Abril, aos meus filhos, que os meus olhos ardidos, urbanos, ficaram cheios de um ofício de dizer coisas singelas, humildes: como amor, liberdade. Contarás de Abril os idos e os que voltaram, os que ficaram e ficam. Contarás de Abril pequenas pilhas de palavras, armazenadas numa necessidade que inventei; e as nossas almas ledas e limpas: e os braços que se estendem a outros abraços; e a cordialidade de anotarmos um nome, um número, uma flor: e os balaios sem reticências de mágoas, cheios de trissos de aves, de pássaros remotos de que ignorávamos a voz ou havíamos esquecido o toque e a fímbria. 
Contarás de Abril que na nossa terra já não apodrecem as raízes e que já não adiamos o coração; que já não nos dói a velhice e que os rios são todos nossos e íntimos e que já não perdemos a infância e que nascem crianças insubmissas e claras e livres. Contarás de Abril a espessura mágica, o punho reflexo, o dia de água, a lágrima, a vontade de sermos e de estarmos, o límpido grito, a forma inconsútil, o vermelho e a brisa, o livor das coisas, a maravilha discreta de assear a vida, o caminhar, os restos nesta dócil pausa e neste imenso perdão. 
Contarás de Abril as casas de mil sóis, a imponderável descoberta dos sussurros, a brancura inadiável da perseverança, o resplandecente varar dos dias, a feira alvoroçada das horas. Contarás de Abril as mãos dadas. Contarás de Abril o renascer da essencial frescura. 

Baptista-Bastos, "Contarás 25", in O Diário, 25-4-90
Para um conhecimento do que foi esse dia, um conjunto de materiais sobre o 25 de Abril, de modo a proteger a memória. Aqui.

25 de Abril - uma ideia de nascimento

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, “25 de Abril”, in O Nome das Coisas. Lisboa: Caminho.
Imagem -  Copyright: http://urbansketchers-portugal.blogspot.pt

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Dia mundial do livro

Lembrando uma data que é uma inspiração para todas os dias – O livro, o dia mundial do livro – dia 23 de abril de cada ano.

Fui ver a minha nova estante logo pela manhã.
Era um bocado de espaço arranjado entre tralhas meio esquecidas. Fiquei ofendido. Os livros não esquecem nada. Eles são sempre a mesma memória admirável. Esquecer livros é uma agressão à sua própria natureza. Embora, na verdade, eles nem se devem importar, porque podem esperar eternamente. (...)
As histórias podem comer muitas palavras.
Pensei: os meus queridos livros. Era o que eu pensava e sentia: os meus queridos livros. Olhava-os como se estivessem vivos e pudessem sofrer. Como se pudessem também entristecer.

Gostei de colocar a hipótese de os livros serem como bichos. Isso faz deles o que sempre suspeitei: os livros são objectos cardíacos. Pulsam, mudam, têm intenções, prestam atenção. Lidos profundamente, eles estão incrivelmente vivos. Escolhem leitores e entregam mais a uns do que a outros. Têm uma preferência. São inteligentes e reconhecem a inteligência. 
Os livros estão esbugalhados a olhar para nós. Quando os seguramos, páginas abertas, eles também estão esbugalhados a olhar para nós. (...)

A primeira vez que vi um livro, que me lembre, era um que estava aberto, pousado sobre a mesa, com as folhas em leque como se fossem uma colorida flor contente. (...) Depois, compreendi, era o modo silencioso das conversas. Todos os livros são conversas que os escritores nos deixam. Podemos conversar com Camões, Shakespeare ou Machado de Assis, mesmo que tenham morrido há tantos anos.
A morte não importa muito para os livros.

Mais tarde, aprendi que os livros acontecem dentro de nós. Claro que eles podem ser bonitos de ver, mas são sobretudo incríveis de pensar. Eu disse ler é como caminhar dentro de mim mesmo. E é verdade. Quando lemos estamos a percorrer o nosso próprio interior.
Uma menina do colégio perguntava-me sempre se eu queria brincar às coisas bonitas. Brincar de beleza, dizia assim. Era igual a ficarmos cheios de delicadezas a fazer de conta que adorávamos tudo: os puxadores velhos das portas, os livros de álgebra, as meias rendadas da professora, a sopa de beterraba à hora do jantar no refeitório ou o cão zangado do guarda nocturno. Servia de maneira divertida para fazermos de conta que o mundo era maravilhoso e, subitamente, o mundo inteirinho parecia mesmo maravilhoso. Isso era tão bom de sentir.

Valter Hugo Mãe. (2015). "O rapaz que habitava os livros". Porto: Porto Editora. 93-94.

Top 10: Livros (2º Período - 16/17)

                 Os livros mais requisitados durante o 2º Período (leitura domiciliária)


  

  
  

  
  

Top 5 - Os leitores (2º Período - 16/17)

Os Leitores que integram o Top5 com mais requisições durante o 2º período. A todos eles os nossos parabéns!
7º ano:
1. Leandro Mendes Antunes - 7.º 2.ª;
2. Martim Carrilho de Noronha - 7.º 1.ª;
3. Joana Rodrigues - 7.º 1.ª;
4. Catarina Figueiredo - 7.º 1.ª
5. Alice Neves - 7.º 2.ª.
8º ano:
1. Luciana santos - 8. º 4.ª;
2. Rita Menezes -  8.º 2. ª;
3. Alexandre Sá 8.º 2.ª;
4. Bruna dos Santos Félix - 8.º 4.ª;
5. Diogo Castro - 8.º 1.ª.
9º ano:
1. Daniela Lemos  - 9.º 1.ª;
2. Carolina Paiva - 9.º 3.ª;
3. Joana Cardoso - 9.º 2.ª;
4. Daniela Lemos - 9.º 1.ª;
5. Carolina Paiva - 9.º 3.ª.
Ensino Secundário:
10º ano:
1. Sofia Seruya - 10.º H1;
2. Tomás Canavilhas Fernandes - 10.º E2;
3. Mariana Pereira - 10.º C1;
4. Pedro Coutinho - 10.º E2;
5. Afonso Pinto de Lima - 10.º H1
11º/12 anos:
1. Eduarda Pedreira - 11.º C2;
2. Sara Ferreira - 11.º H1;
3. Madalena Cunha - 11.º H1;
4. Leonor Ferreira - 12.º H1;
5. Débora Santos - 12. C1.

A palavra e o mundo - Alice no País das Maravilhas (I)

Alice no País das Maravilhas é uma narrativa intemporal. Não é exagerado dizer que nele Lewis Carroll conseguiu transmitir-nos o seu fascínio pela infância, por essa delicadeza, por onde o valor das crianças na sociedade começava a ser reconhecido com mais significado. Ela é o resumo essencial de um tempo mágico, de memória de um tempo, onde ele não existe no sentido da sua finitude. O tempo de Alice é o de todas as possibilidades, o real como uma aventura permanente. 

Alice viaja por um tempo de fantasia, olhando para o que ama, procurando dias felizes e limpos, cheios de descobertas. Não há outra personagem como Alice, no mundo infantil. A sua criação por Lewis Carroll é um ponto de eternidade num País onde vivemos um dia e ao qual podemos tentar voltar com imensas dificuldades. 

Na verdade sabemos que as figuras que habitam com Alice não voltam, permanecem num território único e maravilhoso, o País das Maravilhas. Mesmo com o serviço da imaginação todos sabemos que os unicórnios que saltavam em corridas infinitas na floresta já não voltam. A Ilustração de Alice no País das Maravilhas é de uma dimensão quase infinita, pois o seu unniverso entrou no imaginário cultural da Europa e do Mundo há longa data. De algum modo a lustração criou outras tantas formas de ver Alice. Aqui deixamos algumas.

(Charles Folkard, 1929) 
(Abelardo Morell, 1999)
 (Edwin John Prittie, 1923)

quinta-feira, 20 de abril de 2017

A palavra e o mundo - Alice do outro lado do Espelho (I)

Estás a ouvir a neve a bater nos vidros da janela, Kitty? Como é agradável e suave o som que faz! É como se alguém lá fora estivesse a encher a janela toda de beijos. Eu bem queria saber se a neve gosta mesmo das árvores e dos montes, pois são tão suaves os beijos que lhes dá! E depois cobre-os com tanto cuidado, sabes... como uma colcha branca, e talvez diga assim: "Vamos dormir, queridos, até vir o Verão outra vez." E quando acodam, no Verão, Kitty, vestem-se todos de verde e põem-se a dançar... sempre que houver vento... Oh, como deve ser lindo! - exlamou Alice, deixando cair a meada de lã para bater palmas. - Como eu gostava que isso fosse verdade! Tenho  certeza de que no Outono as florestas têm um ar cheio de sono, logo que as folhas começam a ficar castanhas.

Sob o luminoso céu, num sonho, 
 Desliza o barco, vagarosamente. 
Era uma tarde de Julho...

Abraçadas, três crianças 
De olhar brilhante, ouvido atento, 
Felizes, escutavam ingénua história.

Empalideceu já o luminoso céu, 
Perderam-se as vozes e as lembranças,
Geadas outonais invadiram o calor do Verão.

Outras crianças escutarão ainda 
Esta história, de olhar brilhante, ouvido atento, 
Amorosamente abraçadas.

Viajando no Mundo das Maravilhas, 
Esquecidas dos dias que passam, 
Esquecidas dos Verões que morrem.
Deslizam na onda, sonham, 
Demorando-se no brilho da Luz.... 
Ea vida, o que é, senão um sonho?

Lewis Carroll. (2010). Alice do outro lado do espelho. Lisboa: Publicações Europa-América