sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A palavra e o mundo - em nome da terra - (II)

O teu corpo. O amor do teu corpo e tudo o que é possível acumular para uma vida, esse resgate permanente da tua juventude, da tua perfeição que é a nossa identificação para pronunciar Terra ou Universo ou Deuses. É contigo, com a tua expressão de amor que em átomos de energia e sorrisos, de pele branca que nos encontramos na mais desnudada imaginação.
É a construção da nossa mortalidade, mas é mais do que apenas material. É feita de deslumbramento, de mistério e de impossível, pois a ternura só se formula nessa criação de doçura. Uma doçura capaz de em momentos de tempo mais lento permitir a nossa criação, entre a tua agilidade, o teu riso de nuvem, os teus cabelos soltos em caracóis, as tuas mãos de chuva, a tua vitalidade de mármore feita corpo transbordante de alegria. 

E agora que sucumbo às feridas do tempo, em que tropeço nas minhas mãos gastas, com linhas de chuva escorrendo, como gotas de vidraças ensombradas de vento vejo as áleas da janela que resistem aos dias seguidos de rotina. Decoram o mais longe, com braços esguios nascidos em rugas que o tempo acastanhou e de onde flores de vento se erguem como pequenos jardins. E deste amor que se lembra, como amar-te agora em rugas de silêncio, no tempo do acontece, na essência da eternidade, acima da memória descalcificada. O sublime é sempre uma iluminação, ama-se com esse sentido de circunstância, a forma de escrever eternidade, como quando os astros se juntam numa galáxia de luz. 

É o ponto inicial e final de consumir beleza, o fascínio encontrado nos teus olhos, o amor do qual não sabíamos sair, o mundo que não existe, as formas maciças de toda a expressão corporal, o fundamento da terra. E em casas, como árvores ouvíamos a folhagem, o silêncio do absoluto, os seres da terra, a sua música e talvez também Deus. E era para superar a nossa mortalidade e o seu poder, a sua omnipotente vaidade que nos amávamos até que perdemos o que era o amor, essa canção sem lobos.

E dos momentos em que partiste tornou-se impossível recuperar as formas e o movimento de como, de quanto te amei. As formas possíveis do que fomos, a nossa ontologia, como uma natureza viva que já não se recupera no desenho do teu rosto, pois já não sobra do real que vejo. O amor éramos nós nesses tempos de rio e bosques e com o universo fomos só uma forma de eternidade. O corpo que se transcende de angústia de tempo deu-nos essa totalidade de nós. O que farei desse sonho de nuvem?

Com as palavras de Vergílio ou o que elas me dizem. Vergílio Ferreira. (1990). em nome da terra. Imagem: © – Acompletelife.

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