Dos dias em que a maior forma de
aprendizagem foram esses movimentos integrados em espaços contraditórios, para
se achar um lugar no mundo. Foi com o corpo que na vida experimentámos uma
pintura de espanto por toda a forma de respiração. Só o encantamento constrói o
sonho e ele expressava-se de modo sublime pela graça. Nessas décadas de páginas
em branco e palcos claros o corpo deu-nos mais que as palavras, pois
sintetizavam uma coreografia perfeita, a da intimidade do que vivíamos. O corpo
foi a sua graça, a sua sabedoria.
É preciso muita sabedoria, para
encantar o corpo e fazê-lo na alegria espontânea do sorriso. É preciso muito
encontro de voz, para formular formas vivas de desencanto, ainda como uma
sabedoria do corpo, a identidade da alma viva. Foram dias encantados pelo
corpo, pela dança, por uma forma de dança-teatro que ela trazia em sonhos de
precariedade e suprema alegria. O corpo sempre foi a forma mais plena de
eternidade. Os poetas sabem-no e por isso são óraculos do quase dito em flores
de esquecimento.
Essa forma perpétua de nos olharmos de frente para os olhos, em
construções do efémero, do possível feito de abraços eternos de flores, esses que
permitem sintetizar o mundo e envolvê-los em passos largos e justos. Dança
sobre o amor, os mitos Orfeu e Eurídice, Café Muller, A sagração da Primavera,
Vollmond ou Lillies of the Valley, ou como nós experimentámos esses mitos em
danças de carne e sangue. O teatro e a vida, o amor e a liberdade, a força e a
piedade, a alegria e o desespero, o encontro e a beleza. E dela vimos e
aprendemos o valor imaterial do movimento, as diferentes tonalidades de uma luz
única, a que nos conjugava com os dançarinos do Thanztheater Wuppertal.
Chama-se Pina Bausch, deixou de nos encantar há alguns
dias de saudade e disse-nos o que filosofias inteiras desconhecem, o mundo
cria-se com os outros, com o corpo
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