As cidades americanas são como buracos de texugo, rodeadas, todas
elas, de rebotalho, cercadas por pilhas de automóveis destruídos e a
enferrujar, e quase asfixiadas em refugo. Tudo quanto usamos vem em caixas,
caixinhas e caixotes, as chamadas embalagens de que tanto gostamos. Os montes
de coisas que deitamos fora são muito maiores do que as coisas que usamos.
Nisto, se não for por outro meio, podemos ver a exuberância desenfreada e
perdulária da nossa produção, e o desperdício parece ser o seu índice. Seguindo
o meu caminho, pensava como em França e na Itália cada uma destas coisas
deitadas fora seria guardada e aproveitada para algo. Isto não é dito como
crítica de um sistema ou de outro, mas pergunto a mim mesmo se não virá o tempo
em que já não possamos permitir-nos o nosso desperdício – desperdícios químicos
nos rios, desperdícios de metais por toda a parte, e desperdícios atómicos
profundamente sepultados na terra ou afundados no mar. Quando uma aldeia índia
ficava demasiado enterrada na sua própria imundície, os habitantes mudavam de
lugar. Mas nós não temos lugar para onde mudar. (…)
O meu caminho seguiu para o Norte, pelo Vermont, e depois para o
Leste, pelo New Hampshire, pelas montanhas Brancas. Os lugares à beira da
estrada estavam cheios de abóboras-morangas douradas, de abóboras
castanho-avermelhadas, e de cestos de maças vermelhas tão quebradiças e docas
que pareciam explodir em sumo quando as mordia. Comprei maçãs e um garrafão de
um galão de sidra recentemente espremida. Creio que toda a gente ao longo das
estradas vende mocassins e luvas de camurça.
E também não há quem não venda
doces de leite de cabra. Não vira até antão armazéns de venda direta das
fábricas em pleno campo, vendendo calçado e roupas. Suponho que as aldeias são
as mais bonitas de todo o país, limpas e pintadas de branco, e, não contando
com os motéis e acampamentos turísticos, imutáveis há cem anos, exceto quanto
ao trânsito e às ruas pavimentadas.
O clima mudou rapidamente para frio e as árvores rebentaram em cor,
com vermelhos e amarelos que não podem imaginar-se. Não é apenas cor, mas um
brilho, como se as folhas engolissem a luz do Sol de outono e a libertassem
depois lentamente. Há uma quantidade de fogos nestas cores. Fui subindo as
montanhas, tendo chegado muito acima antes do crepúsculo.
John Steinbeck. (2016). Viagens com o Charley. Lisboa: Livros do Barasil, págs 33 e 34. Imagem: Vermont, (último estado a nordeste que faz fronteira com o Alasca).
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