sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A palavra e o mundo - Curso intensivo de jardinagem (II)

"Não podemos escrever sem a força do corpo." (Marguerite Duras)

 Margarida Ferra publicou há já alguns anos um livro de poesia, Curso intensivo de jardinagem que nos introduz numa temática que é a chave temática escolhida este ano, a palavra e o mundo e neste caso, como em outros, a viagem pela cidade. Nesta primeira abordagem à cidade a poesia de Margarida Ferra revela-nos como o quotidiano, os objetos são formas de criação de imagens, de referência na memória.

O livro divide-se em quatro partes e há nele uma constância. A ideia de que o corpo é uma forma de conhecimento. Nosso e do que nos rodeia. E igualmente a ligação entre a jardinagem e o acto de escrever poesia. Ainda com esta ligação em mente deparamos com a tentativa de uma prática, de uma aprendizagem feita de energia, de brevidade pela observação, de rapidez na descrição e de utilização de recursos estilísticos mínimos. A poesia que encontramos explora locais, espaços, vivências, desencontros. Ela apresenta-se como uma exploração de procura que aposta na simplicidade do que encontra.

A epígrafe de entrada do livro de Marguerite Duras envolve-nos nessa observação que carece de uma energia. A que importa para as plantas e também para os versos, pois a beleza que se quer redescobrir e ver no quotidiano exige um esforço, uma atenção. Curso intensivo de jardinagem é um livro de poesia sobre o essencial, sobre o que vemos, sobre o que escolhemos ver. Acrescenta de uma forma muito luminosa imagens fotográficas dessa exploração do quotidiano.

 O sentido do corpo para a construção da poesia é verificável pela utilização da visão, ou do olfacto, ou ainda pelo som, ou pelo paladar. Existem muitos versos a confirmar esta forma de exploração do quotidiano. É na primeira parte do livro que este tipo de registo mais se apresenta. O quotidiano e os seus diversos gestos. Na segunda parte é a casa que é o centro do olhar da poesia. Lugar de acolhimento, mas também de desconforto. Há no entanto a procura de uma ligação entre os espaços numa observação dominada pela sensibilidade.

Nas últimas duas partes do livro os poemas caracterizam-se por serem breves. Ainda encontramos o corpo que percorre os espaços, que explora e observa em pequenas observações e nos dá ainda com um sentido de grande sensibilidade a sua transformação na poesia, na palavra, na capacidade de criar um corpo de memória. 
 
Imagem: Copyright - 半夏生の朝に - あたりまえの暮らしを護っていかれるのだろうか。

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