Como é bela uma rua de Inverno! Ao mesmo tempo explícita e obscura. Aqui, é possível traçar vagamente avenidas direitas e simétricas feitas de portas e janelas; aqui, debaixo dos candeeiros, flutuam ilhas de luz coada, por onde passam, rapidamente iluminados, homens e mulheres que, apesar de toda a sua miséria e desmazelo, transportam qualquer coisa de irreal, um ar de triunfo, como se tivessem fugido da vida, iludida por quem a despojou, erra sem eles. Mas, mesmo assim, ainda estamos apenas a deslizar suavemente pela superfície das coisas. (...)
Como é bela uma rua de Londres, com as suas ilhas de luz, e os longos arvoredos de escuridão, e num dos lados, talvez, um espaço relvado salpicado de árvores, onde a noite se enrosca naturalmente para dormir, e quando se atravessa o gradeamento de ferro se ouvem aqueles pequenos estalidos e a agitação das folhas e dos gravetos, o que pressupõe o silêncio das campos em redor, o piar de uma coruja, e ao longe o ruído de um comboio a passar no vale.
Mas estamos em Londres, lembremo-nos; bem acima das árvores nuas há molduras de luz oblongas, de um amarelo-alaranjado-janelas; existem pontos de luz a brilhar; imóveis, como estrelas baixas - candeeiros; este espaço vazio que contém o campo e o seu sossego, é apenas um bairro de Londres, constituído por escritórios e casas,...
os acenos das chamas nas lareiras, e as incidências de luz projectadas pelos candeeiros sobre a privacidade de uma qualquer sala, as suas poltronas, os papéis, a porcelana, a mesa de embutidos, a figura de uma mulher a contar atentamente o número exacto de colheres de chá que... Olha para a porta, como se estivesse a ouvir tocar, lá em baixo, e alguém a perguntar: "Ela está em casa?"
Virginia Woolf. (2016). Fastamagorias, deambulando pelas ruas de Londres. Feitoria dos Livros.
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