"Toda a miséria, toda a brutalidade deveriam ser interditas como insultos ao belo corpo da humanidade. Toda a iniquidade era uma nota falsa a evitar na harmonia das esferas. (...) Toda a felicidade é uma obra-prima: o menor erro falseia-a, a menor hesitação altera-a. A menor deselegância desfeia-a, a menor estupidez embrutece-a.
(...) alguns homens pensarão, trabalharão e sentirão como nós; ouso contar com esses continuadores colocados a intervalos irregulares ao longo dos séculos, com essa intermitente imortalidade. A vida é atroz, sabemos isso. Mas precisamente porque espero pouco da condição humana, os períodos de felicidade, os progressos parciais, os esforços de recomeço e de continuidade parecem-me outros tantos prodígios que compensam quase a massa enorme dos males, dos fracassos, da incúria e do erro. (...) As palavras liberdade, humanidade, justiça reencontrarão aqui e ali o sentido que temos tentado dar-lhe."(1)
"Um pé na erudição, outro na magia, ou, mais exatamente e sem metáfora, nesta magia simpática que consiste em nos transportarmos em pensamento ao interior de alguém.(...) é somente por orgulho, por ignorância grosseira, por cobardia, que nos recusamos a ver, no presente, os lineamentos das épocas que hão-de-vir. Aqueles livres sábios do mundo antigo pensavam como nós em termos da física ou de filologia universal: encaravam o fim do homem e a morte do globo. Plutarco e Marco Aurélio não ignoravam que os deuses e as civilizações passam e morrem.(...) Este século II interessa-me porque foi, durante muito tempo, o dos últimos homens livres.
"Um pé na erudição, outro na magia, ou, mais exatamente e sem metáfora, nesta magia simpática que consiste em nos transportarmos em pensamento ao interior de alguém.(...) é somente por orgulho, por ignorância grosseira, por cobardia, que nos recusamos a ver, no presente, os lineamentos das épocas que hão-de-vir. Aqueles livres sábios do mundo antigo pensavam como nós em termos da física ou de filologia universal: encaravam o fim do homem e a morte do globo. Plutarco e Marco Aurélio não ignoravam que os deuses e as civilizações passam e morrem.(...) Este século II interessa-me porque foi, durante muito tempo, o dos últimos homens livres.
Nada mais frágil que o equilíbrio dos lugares belos. As nossas fantasias de interpretação deixam intatos os próprios textos, que sobrevivem aos nossos comentários; mas a menor restauração imprudente infligida às pedras, a menor estrada macadamizada cortando um campo onde a erva crescia em paz desde há séculos criam para sempre o irreparável. A beleza afasta-se, a autenticidade também." (2)
(Num tempo em que a Liberdade, a Fraternidade e a Humanidade, velha divisa do imperador Adriano [nas vésperas do seu nascimento] e da casa de Marco Aurélio estão em falência significativa, um livro essencial. Escrito por Marguerite Yourcenar durante duas décadas é um documento admirável, um expoente da literatura do século XX, onde desenhou com humildade e sabedoria o olhar sobre a vida do imperador Adriano. Livro que chega a esse plano tão difícil, às palmeiras da voz. Livro que nos chega de um tempo que já não é o nosso, mas ainda próximo pela descoberta íntima da voz, do sentido mais partilhado de uma vida. Ainda é o que procuramos em tempos carentes de Humanidade.).
(1) - Marguerite Yourcenar, memórias de Adriano ( do corpo do livro)
(2) - Marguerite Yourcenar, memórias de Adriano (do conjunto dos apontamentos das diversas edições da obra).
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