Há figuras, personalidades que pensam os seus dias, dão-nos formas de desenhar a construção do quotidiano e lembram-nos como a nossa fragilidade, o nosso desamparo se apresenta como um molde por onde os mais desjustados à dignidade humana se confinam em páginas de indiferença. Fez ontem, sessenta e quatro anos que deixámos de visitar a presença física de um homem que compreendeu como poucos o que foi o século XX - Geoge Orwell.
Foi um dos escritores que mais influenciou o século XX. Deixou uma obra importante que soube diagnosticar a tragédia humana que representou o século XX em tantas geografias. De A Quinta dos Animais, entre nós, Triunfo dos Porcos, a 1984, a sua obra traçou, como uma alegoria, os mecanismos do desprezo pela humanidade que marcaram significativamente o século passado.
Orwell, demonstrou com clareza, como o controle da informação, o apagamento da memória, a destruição de uma consciência humana, a ausência da individualidade, a anulação da espiritualidade construiram regimes inquietantes, feitos de angústia e sofrimento de dimensões indescritíveis. Revelou nas suas páginas, o que muitos respeitados intelectuais não souberam verificar, quando as marchas de paz no Mundo, eram a expressão armadilhada de uma doutrina de tirania.
O início do século prometia uma difusão de regimes democráticos, perto do que alguns consideraram a progressão da História. Vivemos a confirmação do regresso da História, onde a promessa de uma humanidade «feliz», onde a dignidade seja respeitada continua, não só por construir, mas como regrediu a níveis preocupantes. Ao poder esmagador dos estados autoritários do século XX, assiste-se pela fragmentação dos poderes tradicionais à mesma limitada oportunidade que o indivíduo tem em garantir a sua voz de individualidade.
As transformações tecnológicas têm contribuído para isolar o indivíduo, pelo controle quase de ubiquidade que as máquinas permitem e pelo tempo desperdiçado na sua aprendizagem que nunca poderá ser de igual riqueza ao que se dispende a alimentar o conhecimento dos outros. Sendo o tempo uma realidade tão preciosa, a evolução económico-social tem garantido a liberdade humana, nas instituições que devem garantir a Democracia?
Tocqueville há dois séculos lembrou que para as sociedades democráticas, as que respeitam a identidade humana, o mais perigoso é que «no meio das pequenas ocupações incessantes da vida privada, a ambição perca o seu ímpeto e a sua grandeza (2)". Estamos pois de regresso às palavras de Orwell e essa é a sua grande "vitória", do tempo que o compreendeu muito limitadamente.
(1) George Orwell, Selected Writings, Penguin
(2) Alexis de Tocqueville, Da Democracia na América
Imagens, in http://www.famousauthors.org/george-orwell
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