(Na apresentação aos alunos do escritor Miguel Torga, foi proposto na Biblioteca a leitura do conto "Tenório", inserido no livro Os Bichos. Deixam-se algumas das imagens usadas para ilustrar o conto e com elas criar uma sessão de leitura e de diálogo sobre a ideia do conto. A leitura do conto foi precedida de uma breve apresentação de Torga e do seu reino maravilhoso. Do resultado de algumas questões colocadas publicaremos noutro post, o essencial do que foi produzido pelos alunos).
Esta é a história verdadeira de Tenório, o galo. Nascido duma ninhada que a senhora Maria Puga deitou amorosamente debaixo das asas chocas da Pedrês, em doze de janeiro, pelas três da tarde, quando a velhota o viu sair da casca, disse logo:
- É frango.
E realmente. Aquela amostra de crista que trazia do ovo, poucas semanas depois, parecia já uma mitra. E ninguém mais duvidou de que era frango macho. Dos dois irmãos, muito tinhosos, sempre engeridos, desses é que a incerteza se manteve por largo tempo.
- Que te parece, António?
- Eu sei-te lá mulher!...
- O da dianteira está-se mesmo a ver. Aquelas três são pitas, com certeza.
Galo! Galo e duma maneira tal, que agora no quinteiro, mal franzia a testa, tremia tudo! E então lindo! A crista caía-lhe dobrada sobre o ouvido. Um rico brinco de cada lado. E em todo o lado. E em todo o peito, sobre o papo redondo, um avental de penas que pareciam de pavão! Sem falar nas asas, um primor de beleza, nos esporões que, de brancos, lembravam marfim, e naquela rica voz, legítimo orgulho da dona.
- Nem há...
Qual medo, qual pudor, qual nada! Era ou não era um galo a valer?! Ou não via como, em toda a capoeira alvoraçada, do espanto se passara a um rumor de pura admiração? Na capoeira e até lá dentro...
- Ouviste o frango, António?
- Ouvi.
É danado, o seu galo! Onde não chega, manda. (...)
Era a Júlia Pirraças a falar à dona. Ele ouvia com ar modesto. Por dentro, a babar-se, evidentemente. Quem é que não gosta que lhe louvem as valentias?...
Ah, se não fosse o espinho que começava a crescer-lhe no coração!...
O galo velho tem coisa...
Galo velho! Isto é que era uma vida!... Andava um homem sabe Deus como, roído por dentro, não lhe apetecia arreganhar os dentes, e logo uma sentença sem apelo: - galo velho!
- Mata-se e faz-se um bolo. O filho já dá conta do recado... Era o senhor menino, que começava a pôr as unhas de fora! Ah, mas saía-lhe cara a brincadeira! Oh, se saía! Garoto! (...).
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