Autor: Juan José Millás
Edição: 1ª
Páginas: 174
Editor: Planeta
ISBN: 978-989-657-003-3
CDU: 821.134.2-31"19/20"
"As tardes mortas, com a perspetiva que dá o tempo, acabaram por ser as mais vivas da minha existência. Foram elas, para o bem ou para o mal, que me fizeram; daquelas tardes por onde deambulei ocioso, como um fantasma, nasci. (...)
E o que vi, sobretudo, foram as ligações invisíveis que uniam tudo, e eram tão sólidas, as ligações, que na realidade profunda tudo era a manifestação de uma vida. Aquela diversidade estava ao serviço da unidade, pois só havia uma coisa, a minha rua, quer dizer,a Rua, ou seja, o mundo."
No dia mundial da criança, um livro sobre cada de um de nós e essa experiência da infância e de como ela molda a vida. Todos nós somos diferentes e vivemos experiências de infância particulares. De algum modo a infância torna-se uma rua, onde crescemos, onde vimos o mundo e a partir do qual construímos a nossa própria forma de ser. Juan José Millás escreveu um livro sobre a sua infância e também sobre o seu mundo.
Há livros assim. Livros que entram em nós como um vento, inundando todos os momentos por onde as palavras respiram o que viveram e o que construíram, entre o silêncio e o pavor de desencontros. A voz que se esquece de si no mundo que não se entende, nos milagres que não presenciamos, nos lugares que são pouco nossos. Há livros que aspiram a contar-nos as experiências de sal e lágrimas com que muitas vezes crescemos, na incompreensão de uma festa onde somos pouco acolhidos.
O mundo é um desses raros livros, onde a infância marca uma vida, o seu frio e o seu vento, e onde, entre o maior desconforto e a maior solidão, se procura construir vidas reais. Realidade forjada, a partir de uma ficção vivida, dos seus ciclos, de tudo o que não entendemos e que permanece em nós. Um livro sobre a infância, na Espanha do franquismo, sobre os adultos e a sua solidão feita de medos e sobre uma sociedade de pobreza, de carência, que renega a memória de cada um, a sua participação no real.
Um livro sobre a dificuldade de cada criança em ser aceite, do social como linha forçada de uma individualidade pouco compreendida e das feridas que da infância trazemos para os mundos irreais de onde tentamos renascer. Um livro que é uma memória de um tempo, de uma geração de um mundo que se fazia e criava na rua que nos fazia crescer. Ainda lá estamos, mesmo que já lá não vivamos, pois os seus cheiros e as suas cores ainda nos acordam em muitos momentos.
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