sexta-feira, 12 de junho de 2015

Memória de Anne Frank



Lembro-me de uma altura em que coisas como um magnífico céu, pássaros  a chilrear, luar e flores em botão não me teriam cativado. As coisas mudaram desde que vim para aqui. Por exemplo, uma noite, na altura de Pentecostes, quando estava muito calor, fiz um grande esforço para ficar acordada até ás onze e meia para poder ver bem a lua, desta vez sozinha, para variar. Infelizmente o meu sacrifício foi em vão, uma vez que estava muita claridade e não me podia arriscar a abrir a janela. De outra vez, há vários meses, fui por acaso lá acima e a janela estava aberta. 

Só voltei para baixo quando a forem fechar. A noite escura e chuvosa, o vento, as nuvens a correr, tudo isto me hipnotizou; foi a primeira vez, em ano e meio, que vi a noite cara a cara. Depois dessa noite, o meu desejo de a voltar a ver tornou-se maior que o meu medo de assaltantes, de uma casa escura e infestada de ratazanas ou de rusgas policiais.  Descia sozinha e olhava pela janela da cozinha ou do gabinete privado. Muitas pessoas acham a natureza bela, muitas pessoas dormem de vez em quando debaixo de um céu estrelado, e muitas pessoas em hospitais e prisões esperam ansiosamente o dia em que serão livres para apreciar o que a natureza tem para oferecer. 

Mas poucas estão tão isoladas como nós das alegrias da natureza, que são para partilhar igualmente entre ricos  e pobres. Não é só a minha imaginação - olhar para o céu, as nuvens, a lua e as estrelas, faz-me realmente sentir calma e esperançada. É um remédio muito melhor que valeriana ou brometo. A natureza faz-me sentir humilde e pronta para enfrentar todos os golpes com coragem! Infelizmente, excepto raras ocasiões, só posso ver a natureza através de cortinas empoeiradas, presas sobre janelas sujas; isso  tira o prazer da observação. A natureza é a única coisa para a qual não há substituto!


(Diário de Anne Frank, 13 de Julho de 1944)

É uma história antiga e nestes dias em que dominam os privilégios do pensamento utilitário é muito importante lembrar sempre e em profundidade cívica, o que representou o Holocausto e como a dignidade, a esperança, a vida foi destruída em nome de nenhum valor. Primo Levi disse-o com clareza, "aconteceu aqui, na Alemanha, num país com uma cultura de referência, pode voltar a acontecer". É sobre isso, sobre o esquecimento que hoje se pratica que importa lembrar o nascimento de Anne Frank.

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