Não perguntem agora como lhe foi a vida, com que espécie de filamentos se manufacturou a tessitura da biografia a escrever. Quando a passagem é tão curta como esta, não será que tudo se reduz a um dia único, lavado e sem heroísmo assinalável, nele se degustando apenas o tegumento que não adormeceu?
De Amadeo, como de outros, poderemos dizer que oscilou do apetite à renúncia. Nem lume nem gelo o tiranizaram alguma vez, porque incólumes de intempéries ficam os homens missionários. A sua deslocação por aqui, recorta um triunfo renascentista, desses em em que um carro possante e de rodas lavradas avança esmigalhando tudo em seu curso, a mancha festejada pelas esvoaçantes nereides que nele seguem.
A história pessoal que realiza, as pegadas que deixa no solo, até pelo anonimato a que por vezes parece remeter-se, consagram uma determinação que, nas cartas que ficaram, quase se diria da última vontade: "É preciso fazer todo o esforço pela ação artística", repetirá. De há muito que estou pronto e acho que é necessário desenvolver mais ação dirá ainda. "Cuido daquilo que aprendi e herdei", resumirá por fim.
Mário Cláudio. (2016). "Amadeo", in Triologia da Mão. Lisboa: D. Quixote, página 107.
Imagem -Copyright: Amadeo de Souza-Cardoso- Pintura
(Paisagem)
Óleo s/tela: 50 x 73cm, c.1910
Doação de D. Lúcia de Souza-Cardoso
Museu Municipal Museu de Souza-Cardoso, Amarante
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