A minha alma
partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela
escada excessivamente abaixo.
Caiu das
mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se
em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira?
Impossível? Sei lá!
Tenho mais
sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um
espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho
na queda como um vaso que se partia.
Os deuses
que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os
cacos que a criada deles fez de mim.
Não se
zanguem com ela.
São
tolerantes com ela.
O que era eu
um vaso vazio?
Olham os
cacos absurdamente conscientes,
Mas
conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e
sorriem.
Sorriem
tolerantes à criada involuntária.
Alastra a
grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco
brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha
obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses
olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.
Álvaro de Campos,
in "A minha alma partiu-se", in Poemas
Poesia gráfica de Tânia Mota, 12º A1
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