A Desumanização de Valter Hugo Mãe é um livro de assombro que assume na escrita um continente poético de uma ilha muito especial, a Islândia. Estamos aqui perante um livro alucinante de tristeza, de solidão,
mas sempre a apostar na ternura, na reinvenção do coração. É um livro que tenta também ser uma obra plástica sobre a vida, a morte e os fantasmas que nos habitam. Um livro
imenso, que deveria ser mias conhecido, mais lido, pois é
simplesmente fascinante pela forma como nos interroga. A Desumanização é um livro difícil, de uma
beleza tocante e que é uma declaração de amor à Islândia, ao homem e à natureza
como fonte contínua de redescoberta.
A Islândia é uma paisagem entre a desolação, a solidão nos elementos e um sentido onírico, pelas viagens que nos permite fazer, a nós, emersos num natural imenso, do tamanho da fundação do mundo. Viver na Islândia implica fazer um diálogo com esse natural. Implica fazer das forças naturais, dos elementos, dos vulcões, das montanhas de gelo formas de pensamento e ver em tudo isso formas silenciosas dos deuses. A cada instante a água, o vento, a neve nos revela que há forças vitais a suportar esse momento que parece tão próximo da fundação do dia em Deus acordou para o mundo. Só um homem capaz de entender essa vitalidade e de a reconstruir no seu quotidiano, nas suas lendas, no sentido épico poderá viver num espaço desses.
É neste enquadramento que Valter Hugo Mãe compõe uma história, onde ao lado dos elementos naturais, feitos de uma dimensão agreste nos conta uma história de amor, uma narrativa de perda e uma reconciliação com a vida.
Juntando referências da mitologia nórdica, a conteúdos da literatura de natureza épica (Jóhann Sveinsson Kjarval) ou à música dos hinos religiosos (Hallgrímur Pétursson), ou a referências literárias muito significativas (Thor Vilhjálmsson), A Desumanização é um obra literária cheia de natureza e de poesia.
A Desumanização é um relato comovente sobre uma criança à deriva, sobre uma aldeia perdida num fiorde, mas é sobretudo a construção de uma viagem entre esses elementos naturais, os homens e Deus. Desse Deus não organizado em sentidos oficiais, mas aquele que se revela no natural, que se revela nas coisas, aquele que nos mostra que o homem é um ser à espera de um fim, pois "tudo na vida tem a ver com a morte". A conciliação final é uma redenção feliz para um conjunto de personagens à deriva num continente de gelo e desolação. A Desumanização é um livro imenso e não será exagerado dizer-se que é uma obra-prima da literatura.
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