O apelido de Pessoa remete-nos para o teatro grego, as máscaras com que cada um enfrentava as dificuldades, os desastres a que não cediam de ultrapassar. Pessoa transporta-nos para essa noção de diversidade, de multiplicidade do individual. O poeta de que aqui falamos e que hoje se evoca o seu desaparecimento físico, há justamente setenta e nove anos, é uma figura marcante da cultura europeia e mundial. Representa a procura para num mundo coletivo, exprimir a voz do indivíduo, do seu olhar e das suas possibilidades.
Pessoa foi influenciado por um conjunto de circunstâncias, as suas, as do seu tempo, que lhe criou um ambiente histórico onde já se determinavam as dificuldades do Portugal Contemporâneo. A saber, O Ultimatum inglês, a decadência da monarquia, as dificuldades de afirmação da República, a instabilidade política e social, os acontecimentos trágicos à volta de Sidónio Pais. A confirmação de um regime onde a dignidade do ser não existia assegurou-lhe um Portugal cinzento, sem visão, nem futuro. Pessoa soube criar uma poética que respondia à multiplicidade individual, oferendo-nos a dimensão moderna, universal do homem como medida de realização de um todo. Afinal o que pode ser a vida?
Neste caminho em contínua aprendizagem que dimensão nos pode transportar para uma felicidade mais próxima da respiração de cada um? Um trajeto em que apenas o visível pelos sentidos se pode apreender, acima de qualquer ideia moral, como em Alberto Caeiro, ou o modernismo tecnológico do mundo de Álvaro Campos, ou os constantes valores culturais da memória de Ricardo Reis? Afinal não são os heterónimos diferentes possibilidades de olhar para a afirmação do género humano nessa aventura que é viver?
Em todo este complexo modo de ser, Pessoa afirmou-nos que é pela força das ideias que o País poderá ter a sua única possibilidade de se afirmar no mundo desenvolvido. A Mensagem, mais do que um relato de feitos do passado transporta-nos para essa ideia de um Quinto Império em que Portugal para ser autónomo, diferente, melhor, só o pode concretizar se for autêntico, se souber assumir a sua verdadeira dimensão.
Pessoa afirmou-se modernista pela sua tentativa de transformar o futuro do País pelas ideias, pela arte, pela cultura, no sentido de cada indivíduo poder participar na construção de uma comunidade. Quantos que governaram este País, inclusivé no presente, se esqueceram deste simples princípio? Pessoa é um criador universal, porque soube criar as diversas possibilidades do indivíduo, a sua multiplicidade onde se encontram inscritos, os valores humanos. Afinal o que poderemos ser em cada dia, reconstruindo o futuro quotidianamente, é uma das suas grandes ideias. Partindo de uma experiência individual, as suas palavras reforçam a nossa humanidade, como valor universal.
Só os homens geniais conseguem acima da espuma dos dias, verificar o movimento mais profundo e compreender como poderemos ser mais dignos como País, nas palavras de Almada. Existir é pouco para uma dimensão mais consciente da vida. A genialidade de Pessoa é essa. A de revelar a necessidade de quebrar a incerteza que reina nestas praias em sucessivas gerações. Mariano Deida afirmou, há alguns anos, que o poeta de Autopsicografia inventou a própria literatura, no sentido não de ter criado palavras novas, mas de nos revelar dimensões novas do sentir/sentido humano.
O autor de Guardador de Rebanhos ou de Mensagem ou de Tabacaria é o maior dos nossos poetas, o filósofo das partidas esquecidas e dos sonhos de conquista do infinito universo. Chamou-se Pessoa, Fernando Pessoa, andou por aqui durante os milénios dos seus sonhos e faz hoje setenta e nove anos que adormeceu. Continua a interrogar o real tão feito de aparentes compromissos de verdade e imaginação.
O autor de Guardador de Rebanhos ou de Mensagem ou de Tabacaria é o maior dos nossos poetas, o filósofo das partidas esquecidas e dos sonhos de conquista do infinito universo. Chamou-se Pessoa, Fernando Pessoa, andou por aqui durante os milénios dos seus sonhos e faz hoje setenta e nove anos que adormeceu. Continua a interrogar o real tão feito de aparentes compromissos de verdade e imaginação.
(1) Ricardo Reis, Odes
Imagem, in f.Pessoa.com