sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Eugénio - "O indulgente cativo"

Há pouco mais de um ano uma revista que procura na cidade do Porto conduzir-se entre as artes, os livros e as bibliotecas, publicou um texto, que foi lido publicamente no velho Guarani e onde participou um artista plástico que deu corpo a diferentes projetos de cidadania, H Mourato. Essa revista, As Artes entre as Letras deixou um texto num dos seus números de 2013, em evocação de Eugénio, lembrando esse tempo que o poeta dizia a sua poesia na cidade crepúsculo. Nesta despedida do mês de novembro, um texto,  que nos lembra a luz das suas palavras e de algum modo esse mundo dos cafés e das tertúlias, onde tantas ideias se ajuntaram para qualquer coisa mais belo.

"Com aquele semblante austero, aquele olhar levantado e distante quando era visto (ou quando se via) passar; com aquela solitária presença, protegido de silêncio ou mergulhado profundamente, com todos os sentidos, numa leitura absorvente, quem ousava romper uma tal serenidade ou quebrar essa muralha com que procurava proteger-se? E, no entatnto, bastava uma saudação amável ou até um sorriso apenas para "abrir a porta". (...)

O halo da sua presença atraía e, com aquela sua voz inconfundivelmente amável e sedutora, quem quer que o ouvisse não podia deixar de ficar preso à sua musicalidade nem à sabedoria adivinhada em cada palavra ouvida. Mesmo não o conhecendo, pela sua voz, pela figura, era "alguém" invulgar. E era. Era o Poeta: o arquitecto exímio da palavra, com a qual era capaz de edificar palácios que resistirão ao tempo, ao mundo, aos homens, mesmo que os que por deficiência genética ou por ambição se tornam demolidores

Quem o conheceu e lhe é leal não pode deixar de lembrá-lo como homem bom e cortês, afável, delicado, carinhoso, fiel, sem outra ambição que não fosse encontrar "uma sílaba, uma sílaba só...uma vogal, uma consoante, quase nada" e dar à sua vida a dimensão que pudesse ser pesada "num prato de balança" com um verso seu. Não sei de destino mais glorioso. Passou a vida toda a transformar a luz em canto

Que singularidade a vida e a existência deste ser comum que amou um lódão como uma criança, que louvou a heroicidade de Chico Mendes ou a memória de Ruy Belo por palavras que mais ninguém saberia harmonizar! (...) Quem te lê, sente que enlevas e elevas para onde só a poesia como a tua é capaz de transportar. Felizes aqueles que podem guardar no coração e em qualquer momento um verso teu.Isso fá-los-á estar sempre mais próximo do sol". 

   Imagem, a partir de uma escultura do mestre de artes plásticas, H. Mourato

Sem comentários:

Enviar um comentário