sexta-feira, 16 de junho de 2017

Até já ...

É o ponto final do trabalho de uma equipa da Biblioteca e de uma ideia múltipla sobre ela e que aqui se desenvolveu durante três anos letivos, de setembro de 2014 a junho de 2017. Publicaram-se um pouco mais de oitocentos posts, dos quais cinquenta pertenceram aos alunos. Materiais em diferentes suportes, texto áudio, vídeo, por onde se tentou articular com os conteúdos / áreas de estudo de diferentes anos. Biblioteca Rainha  tentou ser uma plataforma digital, onde se trocaram ideias, experiências, vivências e emoções. 

Divulgaram-se atividades, iniciativas e alimentaram-se projetos relacionados com a leitura e com o digital. Usou-se a palavra para imaginar, sonhar, transformar ideias, valores e pensamentos. Tentámos reescrever com as memórias de diferentes pessoas, as palavras e os sonhos de poetas e criadores, a que juntámos muitas experiências feitas com e pelos alunos.  Estas ideias e valores foram vistos neste espaço de tempo por mais de seis mil pessoas e consultadas mais de vinte mil páginas. Sobre a qualidade do que foi feito será melhor que os o analisem, pois eles está online e pode sempre ser avaliado. 

Um desejo final. Que a ideia não se perca e que outros saibam-lhe dar continuidade e melhorá-la com novas abordagens. A Biblioteca como espaço de utilização dos alunos e o seu reconhecimento como valor essencial ao serviço das pessoas é aquilo que melhor fica como suporte para que ela seja uma componente essencial da escola. Aos que nos visitaram e sobretudo aos professores e alunos que colaboraram neste espaço digital, testemunho de uma experiência colaborativa, um muito obrigado. Desejo pessoalmente a todos felicidades para os dias a seguir, e como disse Sophia que eles sejam possíveis de construir algo de belo e de substantivamente justo.

Imagem: “O mensageiro das nuvens”, Ana Marchand, Técnica Mista, 2007, Exposição Catálogo Giefarte, Lisboa, 2007.

Semana da leitura (VII)

"Um dia, eu disse: vamos brincar à beleza das coisas que se pensam, como as que se lêem. Porque as coisas que se lêem precisam de ser pensadas. E ela perguntou: as que existem ou as que não existem? E eu disse: todas. As coisas todas que pudermos imaginar." (1)

A última publicação que deixamos é talvez o momento  que mais importa numa Biblioteca. A realização de uma atividade de partilha de leitura e compreender pela sua evidência que são as pessoas e neste caso os utilizadores de uma Biblioteca o que mais importa. O tempo dos fundos documentais passou um pouco, pois importa privilegiar a utilização colaborativa do espaço.

Ainda da semana da leitura, o registo de uma atividade de leitura com alunos do 8º ano. Uma atividade modesta, mas que nos devolve uma ideia que é preciso cultivar, como algo precioso, fazer acreditar os mais novos que os livros são objetos que acontecem dentro nós, que fazem nascer mundos, que podem nos ajudar a desenhar algo de belo em nós e na identificação do mundo. E sobretudo, que eles são instrumentos preciosos que nos levam ao pensamento. Eles nos conduzem ao nosso próprio interior.

(1) Valter Hugo Mãe. (2015). "O rapaz que habitava os livros". Porto: Porto Editora, página 95.

Into the wild

Rise (1)

«O mundo é assim
Nunca se sabe
Onde ter fé e como ela fortalece
Vai sendo mais forte
Ao destruir as más memórias
Vai sendo mais forte
Quando se aprende com os erros
A passagem do tempo é assim
Demasiado veloz para controlar
E de repente
Absorvido por presságios
Vai sendo mais forte
Ao encontrar
A direcção magneticamente
Vai sendo mais forte
Ao fazer melhor»

(1) Letra da Música Rise
in Eddie Vedder, Banda Sonora de Into The Wild

(Uma penúltima ideia, uma poesia de um livro que foi livro da semana e que nos devolve o essencial do que procuramos como seres humanos. Into the wild, aqui num sentido maior que a sua tradução, O Lado Selvagem é acima de tudo a viagem de um jovem que procura conhecer os seus fundamentos, aquilo que nos pode fazer sentir "fortes", encontrar aquilo que nos pode elevar como seres humanos. A Natureza mais selvagem, entre rios, montanhas céu azul e animais, o que nos pode ensinar, na medida em que não pertencemos nós a esse espaço de encantamento?)

Semana da leitura (VI) - Peregrinação

"– De quem gostas mais homem solitário? De teu pai, de tua mãe, de tua irmã, ou irmão?
– Não tenho pai, nem mãe, nem irmãos.
– Dos teus amigos?
– É uma expressão de que não sei o sentido.
– Da tua pátria?
– Não sei onde está situada.
– Da beleza?
– Amá-la-ia se a conhecesse, e a sua imortalidade.
– Do oiro?
– Odeio – o tanto como vós a Deus.
– Então que amas tu, singular estrangeiro?
– Amo as nuvens… as nuvens que passam… lá longe… as maravilhosas nuvens! "(1)

Podemos juntar os elementos e sonhar com um movimento. Fundir na montanha uma elevação, como quem se eleva, como quem se prepara para uma tempestade e ainda assim desenhar uma transformação. Foi isso que Félix Tournachon ou Sarah Bernhardt tentaram cumprir, viajar perto do sonho, experimentar o balonismo, aceder às zonas perto das mais “altas regiões”. Os balonistas foram construtores de um impensado, mensageiros das nuvens, definiram-se como aeronautas e deram ao seu tempo um instante da mais bela forma de liberdade, a que se compatibilizava com os elementos na atmosfera. 

Victor Hugo considerou essas experiências do balonismo como nuvens à deriva; essas personagens mensageiros das nuvens, actores de um progresso, de um milagre que desafiava tudo. Tournachon dedicou-lhe a vida e registou nas suas tentativas do balonismo um ideal de modernidade, um mundo novo feito da fotografia, da electricidade e da aeronáutica. O mensageiro das nuvens era um revolucionário, não o dos programas políticos, mas o que desafiava o próprio sentido da realidade, o fundamento de pássaros e anjos. Sarah Bernhardt, a actriz de fim de século, mulher de emoções e aventuras ao realizar experiências de balão definiu essa liberdade suprema nestas palavras, “não há silêncio, mas sombra do silêncio”(2). Tournachon descobriu como mensageiro das nuvens uma felicidade espacial de silêncio, onde as pobres forças humanas estão ausentes, e onde uma verdadeira dimensão da saúde se concretiza no corpo e na alma. Deixou-nos essa expressão de sabedoria “a altitude reduz todas as coisas às suas proporções relativas à Verdade”. (2)

(1) – Charles Baudelaire. (2007). “O estrangeiro”, in Poemas em Prosa. Coimbra: Alma azul. Imagem: © – 雨アガル。
(2) – Julian Barnes. (2013). Níveis de vida. Lisboa: Quetzal.

A palavra e o mundo - estender os sonhos (V)

"foi com Johann Bach que aprendemos, nós, que não temos ouvido, e não ouvimos a música, a forma técnica viva da consonância / dissonância que só na música realmente existe." (1)

A palavra e o mundo foi uma etiqueta para abordar a Literatura de viagens e fazer dela uma temática de agregação de ideias nos destaques de livros durante este ano letivo na Biblioteca. Percorreram-se quatro livros em cada mês e sobre os quais se destacaram excertos e apresentações que ultrapassaram os oitenta textos. Destes foram selecionados alguns para a construção de algumas exposições que relacionaram os espaços, as atmosferas sociais e culturais com a palavra.

A última proposta foi o livro de Pedro Eiras, Bach, que nos conduz a uma viagem pelas palavras e pela memória. É ainda a recuperação de espaços de intimidade e a forma como a linguagem consegue descrever esses sonhos estendidos pelos dias. Foi o único caso em que o título do livro se alterou da apresentação dos posts porque isso condicionava o que se queria revelar.

Bach, de Pedro Eiras devolve-nos naquilo que a palavra consegue recuperar os sonhos e as vidas de figuras tão diversas, como as seguintes:
  • Anna Magdalena Bach (1750);
  • Esther Meynell (1925);
  • Jean-Marie Straub e Danièle Huillet (1968);
  • Gustav Leonhardt (1973);
  • Glenn Gould (1981);
  • John Cage (1961);
  • Gottfried Wilhelm Leibniz (1714);
  • Maria Gabriela Llansol (1984);
  • Martin Luther (1528);
  • Jeshua Ben-Josef (S/D);
  • Etty Hillesum (1943);
  • "ICH Habe Genug..." 
  • Albert Schweitzer (1959).
Bach, de Pedro Eiras percorre um conjunto de memórias tentando dar vida a figuras que marcaram a sociedade pelos seus sonhos a que procuraram dar forma. Bach, sem dúvida, Leibniz e essa tentativa de compreender o universo e as suas leis, Etty Hillesum, na fronteira entre o que se pode exprimir e o que se silencia pela confrontação do real no quotidiano, ou Lutero e a fragilidade de compor palavras humanas nos desígnios de Deus. 

No fim é sempre um ponto de partida semelhante, isto é, como cada um ouviu essa música, o infinito dentro do finito, os sons de Bach. O livro conduz-nos por uma banda sonora, a de Bach e desses pontos ligação, fios de personagens, memórias de pessoas e a ideia generosa e feliz que ainda podemos responder às vozes que se perderam. No fundo somos sempre a continuidade de um corpo, de um fragmento que até nós chegou. Um livro de uma enorme magia.

Ebook - Cozinha Experimental (ano letivo 2016/2017)

A palavra e o mundo - estender os sonhos (IV)

Estou sentada em cima da minha mochila, no centro de um vagão cheio, e preciso de te ajudar, meu Deus. (...)
Estou sentada em cima da minha mochila, o vagão trepida, as crianças dormem e os velhos velam,  e eu vou no transporte e penso que tenho de te ajudar, meu Deus. Tu não tens forças para nos socorrer, por isso eu preciso de vir em teu socorro. Porque tu estás reduzido a tão pouco, e não podes valer a todos, então eu preciso de te dar as minhas forças. Precisas de ajuda, meu Deus, porque estás ferido e exangue. Precisas que eu trate de ti, que te vele, que te dê um pouco do calor que guardo em mim, dentro das camisolas de lã. Que eu guarde este calor por ti, dentro de mim.

Eu queria ser o coração pensante dos barracões, meu Deus, porque todos os outros estavam tão ocupados, sempre mais atarefados do que eu. Porque os outros tinham filhos pequenos e os pais a morrerem, e estavam terrivelmente assustados. Mas eu não tinha medo, podia pensar por eles. Podia levar os pensamentos deles até ti, meu Deus, como um correio que não abrisse as cartas para as censurar. Queria ser o coração pensante, quando os outros não tinham tempo para pensar, à procura de comida, agasalho e notícias. E queria ajudar-te a pensar com eles, pensar os pensamentos deles.

Eu ajoelhava em frente ao urzal, meu Deus, o urzal atrás do arame farpado. E tu estavas ali, pobre, atrás do arame farpado. Os raios de sol nas urzes, na água gelada, atrás do arame farpado.
Deixa-me agora ser o coração do vagão, meu Deus. 
Estão demasiado cansados, mal conseguem falar. Mas se eu levar o meu pensamento pela noite fora, toda a viagem de comboio, até ao fim, é como se guardasse um pouco de calor, intacto, por nós todos. Deixa-me guardar o resto do pensamento. Mesmo  a tremer, mesmo a cair de cansaço ainda hei-de conseguir um pouco de força para te amparar. (...)

Eu aceito tudo , meu Deus. Continuo a ajoelhar, e ajoelharei no vagão e no campo, como ajoelhei em frente ao urzal. Se eu não te ajudar, meu Deus, quem te levará até à morada da morte?
Espreito pela frincha, o ar entra, tudo está morto. Montanhas e florestas.
Tenho tudo dentro de mim, mesmo quando é tão difícil.

Partimos de Westerbork há dois dias. Como se a viagem durasse anos de vida. Pode-se envelhecer vidas inteiras num vagão, durante uma noite. Todos nós, mesmo as crianças, somos agora muito velhos. Com mais velhice do que cabe numa vida. Amanhã chegaremos ao campos, e ninguém sabe o que acontecerá. Correm rumores horríveis. mas seja o que for que nos espera, meu Deus, eu aceito. Mesmo na morada da morte te ajudarei.

Olho pela frincha. Lá em cima, a Ursa Maior, clara, nítida, e fria. Que nos acompanha desde a partida. Por que é que as estrelas andam quando eu ando, perguntou-me uma criança em Westerbork, e param quando eu paro?
Uma pequena força dentro de mim. 

As estrelas brilham sobre a neve. Uma claridade branca começa atrás dos montes, o dia nasce do lado para onde o transporte avança. Vejo um caminho, uma casa. Um regato gelado. Luzes ao longe, uma cidade. Uma placa a indicar a direcção. 
Consigo ler a placa: "Leipzig".

E a neve recomeça a cair.
Uma pequena força, meu Deus, dentro de mim.

Pedro Eiras. (2014). "Etty Hillesum", in Bach. Porto: Assírio& Alvim
Imagem - Capa do livro que junta os Diários de Etty Hillesum (1941-43) e que como Anne Frank vivia em Amesterdão; Copyright - persephonebooks

quarta-feira, 14 de junho de 2017

A palavra e o mundo - estender os sonhos (III)

Quase dou razão aos meus adversários: o que há aí, nesses volumes de escolástica, que me sirva hoje? Mesmo nos meus escritos, volume a volume as mesmas ideias recomeçadas, o ensaio infinito do pensamento: que existe nos capítulos para continuar a pensar? Volume a volume, tantos textos, tantas vezes as mesmas palavras. 
Resisto. Abro o meu pequeno discurso de metafísica, estas folhas gastas, leio as linhas que caem sob os meus olhos:

"toda a substância é como um mundo inteiro e um espelho de Deus, ou de todo o universo, que cada uma exprime à sua maneira, como uma mesma cidade é diversamente representada segundo as diferentes posições de quem as vê. Assim, o universo está multiplicado tantas vezes quantas as substâncias existentes, e a glória de Deus redobrada por tantas representações diferentes da sua obra."

Assim escrevi, há tanto tempo. Recordo. Assim eu mesmo em frente a esta janela exprimo todo o universo de acordo com o meu ponto de vista. A mónada que eu sou -substância simples e indivisível - perspectiva o infinito das coisas de tal modo que, se se desdobrassem inteiramente as minhas percepções, o universo inteiro estaria contido, presente, passado, futuro, na minha substância. E como eu sou apenas uma mónada sobre o infinito, Deus é o infinito das mónadas, e a glória.

Mas se cada substância simples espelha Deus, se a mónada exprime o infinito, exprime-o e espelha-o de modo imperfeito, claro no pensamento, obscuro quando os olhos se prendem na janela embaciada e os ouvidos no barulho que as rodas das caleches fazem na rua, lá em baixo, som amaciado pela neve, quando eu apenas percepciono o presente e ignoro o s tempos pretéritos, mas alcanço o futuro. Pois se Deus é presente em cada substância, o ponto de vista de cada substância torna o distinto confuso. (...) 

bebo o chá. Expiro, e sigo a nuvem de vapor a sair da minha boca.
Assim como as ondas, também o som da neve caindo sobre os caixilhos, e o som do vapor que expiro e se desfaz no ar. Pois essa música composta é perceptível, ainda que eu não saiba discernir cada parte. E assim ouvimos mas somos surdos, percebemos o universo e somos cegos. (...)

De novo a pena se suspende. É vão o que escrevo? Tratados, cartas, discursos, o sonho de uma matemática universal. E contudo, eu descobri o infinito em todas as coisas, eu soube que mesmo na unidade se dobram todos o números, que um valor finito é a soma de infinitos valores, pois pode-se desdobrar sempre um corpo, ver o universo num floco, numa pequena pedra, nestas tulipas sobre o parapeito da janela, pétalas a estalarem, as bordas carcomidas já, oxidadas, queimadura minúscula. (...)

Sim - e que nesse mundo determinado, harmónico, o melhor de todos os mundos possíveis, exista uma razão para a própria dor, um fim último desejado, uma razão para a dissonância tal como se apresenta aos nossos ouvidos, parte de uma harmonia maior que só o concerto das mónadas poderia ouvir, a unidade de todos os entendimentos de Deus. Assim uma razão para a neve, para Hanôver, as tulipas no vaso e as dores nas articulações do meu corpo. Uma razão para ecscrever e para não escrever, para a música e o silêncio, uma razão, por todas as coisas distribuída, uma pequena razão. (...)

Arrasto a cadeira, limpo a humidade dos vidros, avisto a rua. A rosácea de sangue sucumbiu sob a neve. Não vejo a criança ferida, e não ouço choros, queixas, consolações. O manto branco esquece tudo.
Tenho frio.

Pedro Eiras. (2014). "Gottfried Wilhelm Leibniz", in Bach. Porto: Assírio& Alvim
Imagem - Friso do pórtico principal da Câmara Municipal de Hanôver

Semana da leitura (II) - A escola a ler

A palavra e o mundo - estender os sonhos (II)

As longas horas, uma imagem quase imóvel no ecrã.
"O que importa conservar é a diminuição da luz, é o movimento da câmara que corta a luz da janela, no início do plano vemos a janela inteira (...) as mãos que tocam na película. O pequeno candeeiros. Um corte. A penumbra. As mãos quase cegas sobre as imagens. Tactear. (...)

"Há um momento em que a luz lhe salta dos olhos, é muito difícil, mas se pudéssemos conservar essa luz - "
Fique com essa luz, mas não lhe dê nenhuma expressão, a ele. O Leonhardt é uma estátua, um mineral, e as árvores ao fundo são tão importantes como ele, feitas da mesma matéria, e a janela, o trinco da janela, aquela rachada na moldura da janela, não perca isso, é imp0rtante. É importante a mão - "
"Eu sei!"
"É importante a mão na janela, porque o Leonhardt não está a agarrar nada, ele só toca na janela para saber onde ela está, não a vê - mas, bom... Precisa de tocar na madeira para saber. (...)

"Mostrar as coisas. Construir por cima das coisas. Os anjos. Já falámos disso. Tantos anjos nas igrejas, no filme. Um exército de anjos barrocos esculpidos. Não é para comover. Mas filmamos os anjos e eles significam o poder da igreja. O Brecht dizia: o preço das coisas. Dizer quanto custa. É igual. O valor de uso, o valor de troca. Dizer isso num filme. Faz um bocado de mado, não?"

Jogo de luzes. A luz na janela, através das árvores.A tira do caixilho de madeira deita uma vaga sombra sobre Leonhardt. Mas a luz artificial, dentro de casa, ilumina o actor, faz reluzir os cachos da peruca barroca, E Leonhardt faz sombra sobre a moldura da janela. A câmara, num ligeiro contrapicado, mostra breves sombras na cara: o queixo, a testa, e junto dos olhos.
O prelúdio coral.

Como se filma a cegueira? Quem está cego? Quem está mergulhado no mundo e não vê o mundo, não vê o que tem em frente aos olhos e toca uma janela, caixilho, madeira, para saber que há ali realidade, o vidro, as árvores? O tempo destas mãos, destes dedos, agora sem teclado: dedos para sentir o mundo, em vez dos olhos cegos. Dedos para ver. Para enrolar a película, cortar, dedos para colar. Paciência.
O charuto em brasas. Straub continua:
"Resistir."
Continua.

"Resistir é regressar aos documentos, fazer os microfilmes das partituras, das cartas, das dedicatórias, tirar o pó aos arquivos e perceber que esses documentos ainda estão no nosso futuro, ainda nos esperam, que a História não está terminada. Nem sequer o século XVII, o século XVIII, nada terminou, ainda estão a acontecer, ainda - de cada vez que você fotografa uma partitura, e depois o Leonhardt toca um cravo branco, e a voz da Anna Magdalena lê os textos - então, nós percebemos que a vida de Bach ainda está por decidir." 
Paciência, paciência

"E também é isso que eles não nos podem perdoar. Na Europa, na Alemanha. O que aconteceu aconteceu, dizem eles; uma pedra em cima, um túmulo. Para o bem e para o mal, esquecer depressa. Fazer o monumento, esconder as ruínas. Mas resistir é negociar outra vez, voltar a fazer contas: quanto custou. Quanto doeu. Pegar nas peças e voltar a construir a Alemanha. mas construir de outra maneira, com fidelidade. Imperdoável! Resistência e fidelidade. A resistência é a fidelidade..."

Pedro Eiras. (2014). "Jean-Marie Straub e Danièle Huillet", in Bach. Porto: Assírio& Alvim

Semana da leitura (V) - Peregrinação [Peregrinação X]

Para mim, peregrinação é um caminho religioso feito a pé por cristãos para demonstrar a sua fé. Em Portugal toda a gente conhece esta palavra, como um caminho feito até ao santuário de Fátima realizado pelos peregrinos. A peregrinação pode ser a realização de uma viagem e não ser religiosa, desde que seja um caminho com um sentido, em busca de algo.
Peregrinação é quase sempre um sinal de fé.
Peregrinação é um caminho a pé em busca de si mesmo.
........, N.º .., 7.º4.ª
.....

Peregrinação significa caminhada. Nos nossos sonhos embarcamos numa peregrinação pelo caminho que mais gostamos, como gostamos e com quem mais gostamos. Aí tudo parece perfeito, até um dia em que acordamos e percebemos que a verdadeira peregrinação começa. Largamos tudo e todos para seguir em frente nesta longa caminhada que é a vida.
Uma longa peregrinação com momentos maiores do que outros, mais perigosos, mais sentimentais. mas ainda assim , a peregrinação continua. Com ela aprendemos lições que iremos levar mesmo na morte, até voltarmos à vida outra vez. 
........, N.º .., 7.º4.ª
.....

Peregrinação... o que me suscita na cabeça quando ouço esta palavra?
Milhões de pessoas que largam tudo durante dias, semanas, até mesmo meses para chegarem ao encontro de Deus. Do Minho a Fátima só para ver o Papa no centenário... Em grupo, ou até sozinhos...
Pessoas que chegam ao seu destino estafados, sem força nas pernas, sem fôlego, mas com uma coisa que não se perdeu na caminhada, a fé.
Cada pessoa que faz uma Peregrinação, de certeza que tem fé a transbordar no coração.
Luís Marino, N.º 17, 7.º4.ª
.....

Quando dou uma volta ao mundo vejo o que se passa. o que me rodeia. Eu peregrino até ao futuro, vou desde o que estou até ao que vou ser. Não posso deixar de peregrinar por aí, sozinha, fazer algo que não se vê, que apenas nós vemos. No outro mundo a viagem é maior, enfrentar sozinha, a minha mente, o meu coração.
Descobrir o que vai e o que vem dentro de mim.
A viagem não me deixa sozinha.
A viagem espera por mim, o mundo está  a ver-me, pois faço parte dele, não posso esperar, tenho de ver o que há à minha volta.
Sim, eu peregrinei e vou peregrinar.
........, N.º .., 7.º4.ª
.....

Semana da leitura (IV) - Peregrinação [Peregrinação IX]

Cada pessoa pode interpretar a palavra “peregrinação” à sua maneira. Umas podem interpretar sendo um caminho de natureza religiosa, como um modo de meditar.
Para mim a peregrinação mais importante é aquela que é feita com o espírito, fora do mundo material. Na minha opinião se toda a gente peregrinasse “na sua alma”, o mundo tornar-se-ia num lugar melhor para o ser humano residir.
Rui Eduardo Reis Félix, N.º 27, 7.º4.ª
.....

Para muitos esta palavra peregrinação tem a ver com um local específico, Fátima, um local de oração. Peregrinação para mim, significa muito mais, pois toda a gente tem um objectivo de vida. No fundo, na vida há quem se perca no seu caminho e todos temos de o descobrir. Assim, peregrinamos para nos descobrirmos.
……………, N.º …, 7.º4.ª
….

A peregrinação para uns é ir a um local de culto, um santuário, como Fátima e exprimir a sua religiosidade. Para outros, ela é uma viagem. Para mim, ela é uma palavra estranha que significa igualmente viagem. Mas viajar para onde? Para quê? Uma viagem para descobrirmos quem somos ou simplesmente ir de um país para outro. Uma viagem em busca de amor, ou de uma família, de um filho, ou de uma esposa. Mas para quê peregrinar se temos tudo aqui perto de nós?
Patrícia S., N.º …, 7.º4.ª
…..

Peregrinação é realizar um caminho que nos faz sair da chamada zona de conforto, ir em busca de um sentimento mais profundo, algo que nos preencha, que nos leve longe e procurar um bem-estar interior.
Margarida Lopes, N.º 18, 7.º4.ª

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Semana da leitura (III) - Peregrinação [Peregrinação VIII]

O meu último ano tem sido uma viagem, não no espaço, mas no espírito. Todas as experiências que tenho vivido, desde viagens e diferentes lugares e feitas com diversas pessoas levaram-me a construir uma viagem interior. Essa viagem interior, que poderia chamar Peregrinação ajudou-me a crescer e mudou a minha perspectiva, em relação ao que se passa à minha volta.
Penso que todos nós devemos ver as experiências que temos e o que vivemos, como uma viagem na qual aprendemos a viver o melhor possível e a descobrirmos o melhor de nós mesmos.
Tomás Teixeira, 11º A1, Nº 20
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Toda a nossa vida é uma Peregrinação, uma viagem. Alguns de nós têm a sorte de ter uma bússola para se guiar, outros acabam por se perder. Alguns são "transportados" ao longo da viagem, outros têm de caminhar com os próprios pés. A verdade é que existem muitos caminhos, mas poucos nos levam ao destino certo. Aliás, será que somos nós que escolhemos o nosso destino?
Talvez, já esteja tudo "programado" por algo superior a nós. Podemos decidir caminhar sozinhos ou acompanhados? Será essa escolha feita por nós, ou por algo que nos é exterior?
Acho que existe um círculo de elementos que nós controlamos e outro à nossa volta que nós não controlamos.
A nossa missão nesta vida é esforçarmo-nos para chegarmos ao destino que nós queremos, e parar as vezes que for preciso, mas nunca desistir. Devemos ter uma atitude de abertura e descontraída face aos nossos problemas., pois existem pessoas com dificuldades bem superiores às nossas.
Rita Barata, 11º A1, nº 15
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Nós podemos viajar de várias maneiras. Viajar espiritualmente, fisicamente ou na na nossa imaginação. Durante os nossos sonhos nós viajamos para um outro mundo criado por nós, pelo nosso subconscientem, criando espaços, narrativas, histórias. Desta maneira não viajamos no sentido em que nos deslocamos, de um sítio para o outro. Deste modo o nosso corpo continua no mesmo sítio, enquanto a nossa mente nos transporta para um outro sítio diferente. Durante a nossa vida nós viajamos, não só nos sonhos, mas também fisicamente, Quando viajamos para outro país, aprendemos sobre a sua cultura e costumes, expandindo assim a nossa mente, sendo isso também uma forma de viajrmos interiormente. Na nossa vida experienciamos vários acontecimentos que nos ajudam a nos construir interiormente, viajando pela nossa mente e criando princípios e ideias que nos fazem como pessoas, nos fazem a nós próprios.
Lúcia Oliveira, 11º A1, Nº 10
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segunda-feira, 12 de junho de 2017

A palavra e o mundo - estender os sonhos (I)

Se alguém escreve a biografia de um compositor do século XVIII, escreve a sua própria biografia. Aporta, entreaberta, afinal dá para o nosso próprio quarto. Espelho, anacronismo. pequena ilusão pessoal e humaníssima, desejo infantil de ver, tão forte. E quando se escreve não é para espiar Johann Sebastian compondo, na sua solidão eternamente perdida, mas para interrogar a própria fantasia, a fantasia própria. Interrogar a imaginação. 
Esther Meynell escreve sobre Esther Meynell, sobre a sua paixão por Bach, disfarçada de biografia.

Mas se toda a fantasia é anacrónica, se Anna Magdalena não surpreendeu Johann Sebastian a compor, nem nunca fugiu com lágrimas nos olhos, se uma autora em 1925 só pode imaginar, se interrogamos com as nossas palavras de hoje o passado perdido, nós, cheios de desejo, então vale a pena lutar contra a inverrosimilhança, então é preferível inventar o passado, assumir o fingimento. Não se pode ressuscitar o século XVIII; mas inventa-se o passado conforme o nosso desejo. Por isso, é o nosso desejo que inventamos.  Por iiso, nunca Esther Meynell é mais fiel do que quando descreve a cena mais inversímil: Anna Magdalena surpreendendo Johann Sebastian a compor, fugindo e chorando, como nós choramos hoje. (...)

Não se pode ressuscitar o passado, mas pode-se escrever sobre o passado, no presente; e misturar os tempos. Receber o que resta de antigas vozes, assinaturas, a dobra da linguagem, suas cerimónias e seus implícitos, a surpreendente consciência de que estas pessoas existiram. (...)

Tentação pequena, infantil, de fantasiar: quem seria este violinista, esse organista, aquele viajante? nomes, maledicências, testemunhos, um simples registo: a única marca, a única prova de que alguém viveu, com os seus entusiasmos, medos, as suas crenças, alegrias, esperanças, a sua morte.

Leio estas páginas, sites, fac-similes com os seus olhos extemporâneos; leio, interrogo, comparo, trezentos anos depois. Ignoro tanto sobre estes nomes; mas sei o que eles não souberam: que o mundo deles acabou, tudo quanto parecia eterno se revelou perecível, a ordem da sociedade e das nações mudou mil vezes, o que era proibido tornou-se corrente e o necessário escusado, crime e inocência confundiram-se, mas nessa violenta desordem das coisas - a que devagar nos fomos habituando, quase inconscientemente, no ciclo das gerações - a música do Kantor, irascível, envelhecido e fora de moda, sobreviveu.

Em cada palavra destes documentos setecentistas leio o passado, o presente, e o que persiste do passado no presente, o destino que nenhum setecentista ousou adivinhar. Organizo, recupero: copio os nomes dos mortos para este texto. Penso que essas vidas não estão terminadas, que nada terminou, leio e releio estes nomes, escrevo, reescrevo, interrogo: trezentos anos depois, respondo.

Pedro Eiras. (2014). "Esther Meynell", in Bach. Porto: Assírio& Alvim

Semana da Leitura 2017

sexta-feira, 9 de junho de 2017

A palavra e o mundo - Sonhos azuis pelas esquinas (VI)

Para onde vou
Ferve a luz
Debaixo dos tectos
Há ontem e amanhã
Amores com pele de líquen
Sonhos azuis pelas esquinas
Ali não é preciso nada
Ali não é preciso nada
Guardamos o lugar
Com palavras
[...]

Paula Tavares~. (2010). Como veias finas na Terra. Lisboa: Caminho.

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Top 10: Livros (3º Período - 16/17)

             
       Os livros mais requisitados durante o 3.º Período (leitura domiciliária)
   

  


   

  

Top 5 - Os leitores (3º Período - 16/17)

Os Leitores que integram o Top5 com mais requisições durante o 3º período. A todos eles os nossos parabéns!
7º ano:
1. Lourenço Simão 7. º3ª;
2. Martim Carrilho de Noronha - 7.º 1.ª;
3. Joana Rodrigues - 7.º 1.ª;
4. Catarina Figueiredo - 7.º 1.ª
5. Alice Neves - 7.º 2.ª.
8º ano:
1. Madalena Ribeiro - 8. º 2.ª;
2. Luana Santos -  8.º 4. ª;
3. Liliana Monteiro 8.º 2.ª;
4. Lucas Pereira - 8.º 2.ª;
5. Diogo Castro - 8.º 1.ª.
9º ano:
1. Daniela Lemos  - 9.º 1.ª;
2. Carolina Paiva - 9.º 3.ª;
3. Ana Rodrigues 9.º 3ª;
4. Manuel Neves 9.º 3ª;
3. Joana Cardoso - 9.º 2.ª;

Ensino Secundário:
10º ano:
1. Winnie Lourenço - 10.º H1;
2. Luís Correia - 10.º E2;
3. Teresa D' Orey - 10.º C1;
4. Joana Santos - 10.º H1;
5. Inês Caetano - 10.º H1
11º/12 anos:
1. Leonor Hermínio - 11.º H1;
2. Sitong Zhou - 11.º E1;
3.  Sharad Poudel - 12.º C2;
4. Leonor Ferreira - 12.º H1;
5. Débora Santos - 12.º C1.