sexta-feira, 16 de junho de 2017

Semana da leitura (VI) - Peregrinação

"– De quem gostas mais homem solitário? De teu pai, de tua mãe, de tua irmã, ou irmão?
– Não tenho pai, nem mãe, nem irmãos.
– Dos teus amigos?
– É uma expressão de que não sei o sentido.
– Da tua pátria?
– Não sei onde está situada.
– Da beleza?
– Amá-la-ia se a conhecesse, e a sua imortalidade.
– Do oiro?
– Odeio – o tanto como vós a Deus.
– Então que amas tu, singular estrangeiro?
– Amo as nuvens… as nuvens que passam… lá longe… as maravilhosas nuvens! "(1)

Podemos juntar os elementos e sonhar com um movimento. Fundir na montanha uma elevação, como quem se eleva, como quem se prepara para uma tempestade e ainda assim desenhar uma transformação. Foi isso que Félix Tournachon ou Sarah Bernhardt tentaram cumprir, viajar perto do sonho, experimentar o balonismo, aceder às zonas perto das mais “altas regiões”. Os balonistas foram construtores de um impensado, mensageiros das nuvens, definiram-se como aeronautas e deram ao seu tempo um instante da mais bela forma de liberdade, a que se compatibilizava com os elementos na atmosfera. 

Victor Hugo considerou essas experiências do balonismo como nuvens à deriva; essas personagens mensageiros das nuvens, actores de um progresso, de um milagre que desafiava tudo. Tournachon dedicou-lhe a vida e registou nas suas tentativas do balonismo um ideal de modernidade, um mundo novo feito da fotografia, da electricidade e da aeronáutica. O mensageiro das nuvens era um revolucionário, não o dos programas políticos, mas o que desafiava o próprio sentido da realidade, o fundamento de pássaros e anjos. Sarah Bernhardt, a actriz de fim de século, mulher de emoções e aventuras ao realizar experiências de balão definiu essa liberdade suprema nestas palavras, “não há silêncio, mas sombra do silêncio”(2). Tournachon descobriu como mensageiro das nuvens uma felicidade espacial de silêncio, onde as pobres forças humanas estão ausentes, e onde uma verdadeira dimensão da saúde se concretiza no corpo e na alma. Deixou-nos essa expressão de sabedoria “a altitude reduz todas as coisas às suas proporções relativas à Verdade”. (2)

(1) – Charles Baudelaire. (2007). “O estrangeiro”, in Poemas em Prosa. Coimbra: Alma azul. Imagem: © – 雨アガル。
(2) – Julian Barnes. (2013). Níveis de vida. Lisboa: Quetzal.

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