"(...) quem ouve
só fixa as palavras que deseja (...) Quem comanda o conto não é a voz: é o
ouvido" (pág. 142)
Em
As cidades invisíveis, Italo Calvino revela-nos como a cidade se constrói, se
delimita, se habita com o seu nome, com a morte, com os espaços celestes, com a
respiração de um tempo infinito. As cidades ocultas, as que apenas se
pressentem e as que indiferentemente conhecemos, as que estão em toda a parte.
E que gestos, que modos fazem transformar a cidade, os seus espaços, a sua
transfiguração, de modo a que ela seja "cristalina, transparente como uma
libélula"(pág. 165). A cidade dos enraízados e a dos que viajam, dos que
sonham, dos que ambicionam o sonho da errância, como se revivem, como se
libertam? E não é cada cidade uma junção de todas as que nela viveram, ousaram
ser um espaço acima de qualquer tempo?
As
cidades invisíveis dá-nos ainda um diálogo fascinante entre Marco Polo e Kublai
Kan, o imperador dos Tártaros e remete-nos para as possibilidades da construção
do Império, de qualquer um. O que pode o viajante Marco Polo explicar ao
Imperador pelas suas viagens, as suas descrições. As palavras, o pensamento, a
memória, o desejo de Marco Polo permitirá a Kublai Kan compreender a filigrana
que organiza a cidade? A viagem de Marco Polo ou o Império de Kublai Kan são
apenas o reconhecimento do pouco que a sua vida terá, que a nossa vida terá, no
sonho do tanto inconcebível de concretizar, das cidades fixadas em palavras, ou
perdidas em fórmulas inverosímeis.
No
fim, pode ser traçada uma ordem invisível que governe as cidades, que nos faça
compreender a sua orgânica como organismo vivo? O real, a materialidade
do império reduzido à sua essência, conduz-nos a um intrigante nada. A inútil
concretização do nada, nas ruínas dos conquistadores.
Na
inútil tentativa de encontrar a cidade descontinuada no espaço e no tempo,
encontrá-la significa que no desconcerto da vida, precisamos saber reconhecer a
força bela que a poderá fazer renascer, o que de melhor pode viver em nós. É a
cidade invisível que vive acima do que é visível, do que não vemos, das ruínas
do tempo. A cidade invisível também como formulação de uma esperança, a energia para uma libertação, a que permite construir caminhos novos, o
progresso civilizacional que alguns sonham e que importa reconstruir em cada
geração.
Italo Calvino.(2012). As
cidades invisíveis. Lisboa: Quetzal, pág. 142
Imagem,
"Ciutat", Tomasz Pietryk
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