quarta-feira, 31 de maio de 2017

A palavra e o mundo - No meu peito não cabem pássaros (III)

Este azul é cor de sítio nenhum. Um lugar que foge aos sentidos por medo e finitude. Olha-se como não vendo, porque é tanto mar que não cabe em gente. Chamar-lhe mar ou chamar-lhe céu, chamar nomes às coisas que riem de nós e de deus. O mar inventou-nos a nós e depois a deus.
No mar vai um barco e no barco vai um homem por ser, um rapaz que deixa um lugar por outro. na cabeça do rapaz há muitas ideias misturadas, também contradições e medos e o tempo infinito de tudo o que se desconhece.

O barco é uma cidade lenta de gente incógnita. pelo convés e pelos corredores, cruzam-se olhos desamparados que se fazem maus porque estão sós e longe. No meio dessa gente vai Fernando virado para dentro e nada o surpreende, nada o pode assustar mais do que já está. É um rapaz que vê a vida mudar de rota, como o barco ou outra coisa grande. Fernando acabou de jantar e fechou-se no camarote, dentro há uma cama pequena, um baú com o que é seu e uma secretária roída onde se pode escrever. Fernando escreve.

"Da última vez estavas igual, tinhas já essa cor de ir e vir dentro de ti. Lembro-me, tu sabes que me lembro. Agora eu sou maior e tu continuas como sempre. Ganho eu. Tens vantagens claras, claro que tens, nós estamos de passagem, agarrados ao que ficou e incertos no que será, tu não.
Se eu fechar a escotilha ficas todo lá fora, sozinho contigo, sem deuses que te aturem, és demasiado grande para chegares a mim, não tens dedos que me agarrem nem olhos de ver ao perto. as tuas ondas poderiam ser rugas se eu quisesse, sabes que o posso fazer? És um bruto desajeitado que esmaga os brinquedos e faz birras a fingir ódio. Entretanto nós passamos, baixamos os olhos e rezamos baixinho para que tu vejas e tenhas pena, mas eu rio por entre as rezas e tu não me vês.

Gosto de te ter por perto, assim como estás agora, ao alcance de te querer. se eu quisesse juntava-me a ti e seria mar também. Mas não quero, ainda não. Tenho os meus deuses para inventar e acredito ainda em cores que não são tuas. Um dia, um dia é o tempo de tudo o que haveríamos de ter sido, e eu ainda tenho dias para mundos maiores do que tu. Se eu quisesse, tu eras um segundo pequeno de uma vida por fazer, sabes o que posso querer? Agora durmo, agora és noite e tens a cor de tudo o resto (o mar não dorme, pois não?).
Não sonhas, mas és sonhado e não há nada que possas fazer.

O tempo das ondas parece-nos curto porque as vidas pequenas que vivemos nos deixam ainda ver tantas. Para o vento as ondas são montanhas azuis. Homens que viajam são o vento de quem espera e de quem fica. Tempo que vai e volta e se esquece no passar. Os homens eternos chamam deuses aos ventos e riem sozinhos ao acordar."

As palavras escritas ficam ali sobre a secretária a baloiçar com o barco nas ondas. Fernando deita-se e fica à espera do sono ou de chorar. Um corpo deitado não espera muito e entrega-se ao que vem.
O barco é uma máquina de mudar vidas, um movimento certo como o tempo. Dentro vão as vidas de gente (....). Um corpo que viaja a velocidade constante perde a noção do movimento mas não esquece que é um corpo, faz o que tem a fazer e depois dorme e é já outro dia e outro lugar.

Nuno Camarneiro. (2013). "Oceano Atlântico", in No meu peito não cabem pássaros. Lisboa: D. Quixote.

terça-feira, 30 de maio de 2017

A palavra e o mundo - No meu peito não cabem pássaros (II)

Por alguma razão quis acreditar que entre tanta folha escrita haveria algures de estar o próprio. Passou muito tempo à procura em enciclopédias, compêndios e romances, mais tarde em contos e poemas, já com menos vida pela frente e outras ambições. Num momento certo soube desiludir-se e mudar de estratégia, passando a escrever-se.

Quando um achador de terras se cansa de procurar caminhos, resta-lhe desistir ou abrir uma estrada nova, assim com os seus avós, assim consigo. Por uma estrada inventada chega-se a qualquer lugar e por palavras escritas chega-se a qualquer vida em qualquer época. Começa-se devagar, com descrença, e vai-se andando encostado ao desespero até que as palavras visitem os sonhos e tomem conta deles. Primeiro uma vida, depois outras que a suportem e justifiquem. Vidas ao lado e vida antigas, vidas que hão-de vir e outras que nunca chegam a ser. Todas fazem falta, todas servem.

Os animais e as plantas são máquinas de criar complexidade num universo onde é mais fácil destruí-la. De um lado as estrelas a queimar a matéria, do outro células a fazer células. Um dia, por acidente ou excesso de zelo, os animais fizeram o homem e muito mudou. A humanidade é uma gigantesca indústria do complexo, capaz de fazer línguas, leis e até livros. Somos o contrário das estrelas e vamo-nos admirando com respeito e temor. Só por distracção e fastio nos vamos impedindo de criar universos a cada instante. A vida que somos forçados a viver é só a que nos dão, e é só uma, dentro temos milhões de alternativas à distância curta de pensar nisso. Bastaria para tanto fazer um futuro e alguns passados, o presente vai no resto.

Jorge tratou de inventar o que lhe foi necessário e muito mais. Entre os muros do jardim e as paredes da sala dos livros, viajou mais do que tantas andorinhas, foi muitos homens com todos os defeitos e todos os destinos. não lutou contra o tempo porque o tempo correu para o sossegar. Afinal o tempo sossega-nos sempre.

É dever dos homens envergonhar deus, mostrar-lhe que há mais histórias do que a que se pratica, derrotar-lhe a inventiva e o estilo. Fazer muito com o pouco que nos deu e pedir-lhe que faça mais com tudo o resto.

Nuno Camarneiro. (2013). "Buenos Aires", in No meu peito não cabem pássaros. Lisboa: D. Quixote.
Imagem – ©: Hauptfriedhof Frankfurt
 

segunda-feira, 29 de maio de 2017

A palavra e o mundo - No meu peito não cabem pássaros (I)

É muito grande Nova Iorque. Por todo o lado há edifícios altos como casas sobre casas. É uma cidade excessiva e áspera, onde se encontram mais ângulos rectos do que em qualquer outro lugar. É também cheia de brilho e de ruído, de máquinas e corpos e milhões de verbos conjugados no presente. Uma cidade de aldeias empilhadas trazidas de longe, da Europa, de África, da Ásia, homens pobres e desesperados que dão a vida por pouco, que gastam os corpos pelas esquinas afiadas da cidade e à noite se deitam nas suas entranhas.

Quem acorda na cidade desculpa-se por ter dormido. Lá fora há já multidões que correm atrás de uma coisa qualquer que lhes diga que existem. O direito ao nome ganha-se a cada dia e não é certo, nada é certo nesta cidade. O tempo, o pouco tempo de alguns, é o avanço de quem chegou primeiro e não chega para terminar um cigarro.

Quem não sabe para onde ir vai indo sem saber para onde. a cidade empurra, a multidão empurra, a fome empurra, o desejo empurra. Quando alguém pergunta "quem és?" está na realidade a perguntar "o que fazes?", a resposta deve ser rápida e sem hesitações, um verbo e um substantivo. Daí se escolhem afinidades ou a indiferença, nesta cidade um homem é uma máquina de fazer coisas, um verbo, uma função que prescinde de tudo o resto.

Quando é domingo, há muitos homens perdidos pelas ruas, e Karl com eles. Nova Iorque não sabe o que fazer com as horas vagas, a cidade e os cidadãos tornam-se coisas ocas, olhos vazios, pés que caminham porque não sabem fazer mais nada.

A família salva muita gente do tédio, nas famílias todas as horas têm nome: hora de comer, hora de passear, hora de voltar, hora de comer outra vez. Os apartamentos de Nova Iorque enchem-se de famílias e de luz aos domingos, tornam-se faróis tristes para quem anda só por andar. Nas horas vazias dos domingos fazem-se perguntas que não têm resposta e alguns homens matam-se. Há muitos homens a morrer nos domingos da cidade.

Karl percorre as ruas como se fossem partes de um labirinto. Procura o fim daquilo, uma meta para o que lhe falta: alguém com quem falar, uma refeição quente, um lugar tranquilo e bonito onde haja árvores e raparigas. 

Nuno Camarneiro. (2013). "Nova Iorque", in No meu peito não cabem pássaros. Lisboa: D. Quixote.
Uma memória, um ícone de uma civilização urbana - The Big Apple.
Imagem – Alfred Stieglitz, 1910, Baixa de Manhattan,
© Alfred Stieglitz Photography

quarta-feira, 24 de maio de 2017

A palavra e o mundo - Mozart (II)

«Aquele que possui em si a plenitude da virtude
É como uma criança acabada de nascer» (1)

Mozart e a sua família viajaram por diferentes cortes. Nelas, o jovem Mozart tentou revelar os seus excelentes dotes musicais. As cartas, por ele deixadas e escritas à sua família, quando já era adulto revela-nos um compositor habitado por elevados valores humanos. Revela-nos que as suas dificuldades financeiras foram muito devidas à sua ingenuidade, a essa ideia de que o génio, a capacidade de fazer será sempre reconhecida pelos outros. No século XVII os serviçais da Corte ainda valiam mais que um músico, mesmo do valor de Wolfgang Amadeus Mozart.
Mozart é um dos mais elevados marcos da música universal e do pensamento. Criança prodígio na execução dos sons, compositor de centenas de obras musicais tentou por sua conta e risco mostrar o seu talento sem a sombra de patronos. Tendo sido um dos maiores compositores universais onde a complexidade nos é transmitida de forma simples, morreu jovem. Homem otimista, esforçado nas suas tentativas para ser livre, viu postumamente o seu génio ser reconhecido. Músico brilhante nunca quis abdicar da sua honra e da sua consciência, mesmo perante os mais poderosos.

Mozart é igualmente um marco na história do pensamento porque representou um esforço para libertar a sociedade humana do controle realizado por aquilo que foi chamado A Cidade de Deus. No século XVII a Europa Continental ainda estava longe de tolerar diferenças religiosas. Algumas das óperas de Mozart, procuraram mostrar que no serviço a Deus existiam diferentes caminhos. A tolerância e a procura do próprio conhecimento é um direito do Homem. Don Giovanni representa a tentativa de procurar esse caminho novo, ao encontro de uma liberdade que seja acessível ao género humano.

A condenação final que ouvimos em Don Giovani é ainda a confirmação de uma sociedade velha onde o controle apertado da religião sobre os indivíduos é manifesta. De uma forma geral, pelos sons que criou Mozart, perto dos finais do século XVII, ajudou a construir esse trajeto que levaria à liberdade individual do Homem «e à possibilidade de este criar o seu próprio caminho. Naturalmente pela vida que teve e pelo património que deixou, podemos concluir com Zhu Xiao - Mei «Mozart é uma criança (...) que tudo conheceu. Uma criança que teve a profundidade de um velho sábio».

(1) Zhu Xiao-Mei. (2007). O Rio e o seu Segredo. Lisboa: Guerra e Paz.
Imagem - As viagens entre as Cortes da Europa
Autor do texto: - Profº Bibliotecário - Luís Campos -

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Folar de Páscoa - Coznha Experimental (VII)

Ingredientes
500 g de farinha
15 g de fermento de padeiro
10 g de sal
2,5 dL de leite
2 ovos
150 g de açúcar
25 g de manteiga derretida

1 gema de ovo para pincelar e açúcar para polvilhar

Preparação
  1. Amassar todos os ingredientes muito bem até a massa não se colar às mãos.
  2. Deixar fermentar, em ambiente temperado, cerca de 2 horas.
  3. Moldar o folar e pincelar com gema de ovo.
  4. O folar vai a cozer ao forno em tabuleiro polvilhado de farinha.
  5. Quando estiver cozido polvilha-se com açúcar em pó.

Fermento de padeiro - Saccharomyces cerevisiae
As leveduras, pertencentes ao grupo dos fungos, são organismos eucarióticos unicelulares que existem no solo, ar, em alguns seres vivos, frutos e alimentos. A espécie mais comum é a Saccharomyces cerevisae, conhecida vulgarmente como fermento de padeiro ou da cerveja. A Espécie Saccharomyces cerevisiae é utilizada há milhares de anos na panificação e na fermentação de bebidas alcoólicas, sendo a levedura fermentativa por excelência. 

Também é aplicada:
  • para a produção de bioetanol. 

  • como organismo modelo para investigação laboratorial quer na área da fisiologia e bioquímica quer na biologia celular moderna, sendo o microrganismo eucariótico mais estudado e aquele cujo genoma foi o primeiro a ser sequenciado;para recolher informação sobre as células eucarióticas e posteriormente transpor essa informação para a biologia humana
  • para recolher informação sobre as células eucarióticas e posteriormente transpor essa informação para a biologia humana.
 

Esta levedura, na ausência ou em concentrações muito baixas de oxigénio, converte os açúcares em etanol, dióxido de carbono e, em menor quantidade, noutros metabolitos que irão ser relevantes para o produto final. A esta reação química dá- se o nome de fermentação alcoólica.

E de onde vêm os açúcares para a realização da fermentação?
Do amido, o maior componente da farinha (cerca de 70 % da sua composição). O amido é composto por 2 tipos de moléculas, ambas formadas por várias unidades de glucose. 
Um desses tipos de moléculas é linear – a amilose – e o outro é ramificado – a amilopectina

Na farinha existem normalmente umas enzimas – as amilases – que, na presença de água, catalisam (ou seja, aceleram) a quebra (hidrólise) de algumas ligações das moléculas de amido, resultando glucoses livres ou maltoses, que são dímeros de glucose (moléculas constituídas por 2 glucoses ligadas entre si).

 
A maltose e glucose, que podem ser então utilizadas pelas células das leveduras presentes na massa em fermentação.
Durante a fermentação, ocorre a formação de dióxido de carbono que conduz à expansão da massa, formando bolhas de ar ao longo da estrutura. O desenvolvimento de uma estrutura alveolar no produto acabado, está dependente do tempo da fermentação utilizada. Quanto mais prolongado for o tempo de fermentação, maior será a formação e retenção de gás na massa, favorecendo desenvolvimento de alvéolos de maiores dimensões.

E como é que a massa consegue aguentar todo o gás que a levedura vai produzindo sem rebentar?
Pelas proteínas do trigo (farinha). As proteínas correspondem aproximadamente a 12% da composição, dividindo-se em proteínas solúveis, albuminas e globulinas, responsáveis por um sexto do total, e o restante referente às proteínas insolúveis do glúten (gliadinas responsáveis pela extensibilidade da massa, e as gluteninas responsáveis pela elasticidade da massa). Assim, o glúten, tem a capacidade de produzir uma massa viscoelástica que retém o dióxido de carbono, dando origem a um produto leve.
Durante o início da cozedura da massa a fermentação contínua, mas as células das leveduras morrem a temperaturas superiores a 50oC. Devido às altas temperaturas utilizadas para a cosedura da massa, ocorre a evaporação do álcool produzido durante a fermentação.

Referências bibliográficas:

Peregrinação (VII)

Peregrinação: que palavra, que imagem, que sonho, que viagem, que pensamento nos conduz por esta palavra:
Espinoza dizia que o sentido das coisas derivava de uma proximidade de realidade entre elas. Se escolhemos o que nos aproxima, quais são os seus nomes, de que início e com que linguagem?
# 10 – Peregrinação:
A Peregrinação também é isto, o modo como olhamos, o que compreendemos com o que vemos, com os nomes que lhes damos, com a nossa linguagem.

Não são as palavras que distorcem o mundo, é o medo e a vontade. As palavras são corpos transparentes à espera de uma cor. O medo é a lembrança de uma dor do passado. A vontade é a crença num sonho do futuro. Não são as palavras que distorcem o mundo, é a maneira como entendemos o tempo, somos nós. (...). ENTENDER OS OUTROS não é uma tarefa que comece nos outros. O início somos sempre nós próprios, a pessoa em que acordámos nesse dia. Entender os outros é uma tarefa que nunca nos dispensa. Ser os outros é uma ilusão. Quando estamos lá, a ver aquilo que os outros vêem, a sentir na pele a aragem que outros sentem, somos sempre nós próprios, são os nossos olhos, é a nossa pele. Não somos nós a sermos os outros, somos nós a sermos nós. Nós nunca somos os outros. Podemos entendê-los, que é o mesmo que dizer: podemos acreditar que os entendemos. Os outros até podem garantir que estamos a entendê-los. Mas essa será sempre uma fé. Aquilo que entendemos está fechado em nós. Aquilo que procuramos entender está fechado nos outros.” (1)

(1) José Luís Peixoto. (2016). Em teu ventre. Lisboa: Quetzal, páginas 97 e 43.

Imagem – Copyright: © Ekkachai Khemkum

Quadrados de laranja- Cozinha Experimental (VI)

INGREDIENTES:
  • 5 ovos
  • 250 g de açúcar
  • 250 g de manteiga sem sal
  • 250 g de farinha com fermento
  • Raspa e sumo de uma laranja
  • Gomos de laranja q.b.
COBERTURA:
  • 200 g de açúcar
  • 50 g de sumo de laranja
PREPARAÇÃO:
  1. Bater o açúcar com a manteiga até ficar um creme esbranquiçado.
  2. Adicionar as gemas uma a uma, batendo sempre. 
  3. Juntar o sumo e a raspa da laranja.
  4. Misturar ben.
  5. Adicionar a farinha em chuva e, por fim, envolva cuidadosamente as claras em castelo.
  6. Deitar o preparado numa forma retangular, untada com manteiga e polvilhada com farinha.
  7. Levar ao forno pré aquecido a 160º C durante 20 minutos.
Enquanto o bolo está no forno preparar a cobertura.
  1. Num copo misturador, misturar o açúcar e o sumo de laranja.
  2. Com uma espátula, cobrir o bolo ainda quente.
  3. Depois de arrefecer, cortar em quadrados.
  4. Pode servir os quadrados acompanhados de laranja laminada em gomos fininhos.
  Os citrinos (laranjas, toranjas, tangerinas, limas e limões) são aceites pelo seu valor nutritivo e medicinal, assim como por providenciarem um sabor característico a uma grande variedade de produtos alimentares, o que lhes confere uma ampla aceitação na indústria de produção alimentar.

A laranja pode ser consumida como fruta fresca, em sumos, doces, gelados, bolos e podem mesmo ser utilizadas em pratos salgados, conferindo frescura, aroma e um agradável sabor ligeiramente ácido. Existem muitas variedades de laranja que se diferenciam pelo sabor, rugosidade e tamanho. De todas estas variedades, a que tem especial interesse é a laranja doce.

Exemplos de variedades de laranjas:
  • Laranjas doces pertencem à espécie Citrus sinesnis (L.) OSb. , sendo a maioria das árvores citrinas existentes nos países produtores desta espécie. Existem quatro grupos dentro desta espécie:
  1. Laranjas Navel: distinguem-se pelo desenvolvimento de uma segunda laranja na base do fruto, pequena e atrofiada, o que lhe confere o aspeto de um “umbigo”;
  2. Laranjas comuns: também designadas por laranjas brancas. Incluem as variedades mais antigas que crescem em diferentes países, possuem nomes locais (ex. “Jaffa' de Israel); 
  3. Laranjas vermelhas:  caracterizam-se por ter uma cor vermelha muito intensa;
  4. Laranjas amargas pertencem à espécie Citrus. Aurantium L.. Possuem normalmente mais sementes e a casca do fruto apresenta uma cor laranja mais intensa que a generalidade das variedades de laranjas doces. Existem também diferentes grupos.  
  • Laranjas amargas pertencem à espécie Citrus. Aurantium L.. Possuem normalmente mais sementes e a casca do fruto apresenta uma cor laranja mais intensa que a generalidade das variedades de laranjas doces. Existem também diferentes grupos. 
A introdução da laranja na Europa
É conhecido, por exemplo, do diário de Vasco da Gama, que os Portugueses tiveram conhecimento da laranja comum em África, na Índia e na China. A “laranja da China”, como era designada a laranja doce, rapidamente ficou conhecida como a “laranja Portuguesa”, termo utilizado nos países mediterrâneos até ao início do século XX. A cultura da laranja rapidamente se propagou por Portugal. Em 1550 iniciou-se um processo de exportação para Espanha e em 1610 para outros países da Europa. Os locais de produção eram essencialmente ao longo do rio Tejo, em Sintra, Colares e na Ribeira de Barcarena. Atualmente o Algarve é o local de maior produção de laranja doce.
Curiosidade: A semelhança entre a palavra laranjeira e a palavra Portugal em diferentes idiomas, parece indicar que os portugueses tiveram um papel importante na difusão desta cultura. Eis os nomes por que é conhecida a laranjeira em diferentes zonas do muno: Bulgária – portokal; Turquia –  portokal; Albânia – portokale; Piemonte – portogaletto; Kurdistão – portoghal; Grécia – portogales; Abcásia - a-patrakal; Nice (França) – pourtegalie; Países árabes – burdugan. No Norte de África há uma variedade de laranjeira que se chama ‘Portugaise’.
Alguns benefícios pelo consumo de laranja
Laranjas são principalmente uma fonte de vitamina C e de antioxidantes (polifenóis e flavonoides), que estão associados ao baixo risco de desenvolvimento de doenças degenerativas, cancros, diabetes, doenças cardiovasculares e neurológicas. A vitamina C facilita a absorção de um determinado tipo de ferro no organismo. Assim, o consumo de laranja com alimentos ricos em ferro, aumenta a absorção deste elemento, propriedade muito importante, sobretudo em indivíduos que sofrem de anemias ferropénicas. Estudos recentes demonstraram que o consumo de laranja por doentes com nefrolitíase (“pedras nos rins” - cálculo renal) podem ter um efeito positivo, devido ao facto dos citrinos diminuírem a formação das tais estruturas. A fibra solúvel que existe na laranja pode facilitar o trânsito intestinal, diminuir a absorção dos níveis de colesterol e ainda diminuir a os picos glicémicos (reduzir os picos de açúcar no sangue).
Algumas referências bibliográficas:
http://www.eurofir.org/food-information-new/
repositorio.ul.pt/bitstream/10451/2587/1/Tese_Mestrado_Susana_Silva.pdf
http://w3.ualg.pt/~aduarte/documentos/Revista%20Sul%20-%20Citrinos.pdf

A palavra e o mundo - Mozart (I)

A vida de Mozart foi também uma viagem que ele retratou em palavras e sons. Foi igualmente uma viagem feita de um génio humano, de determinação, vontade, mas sempre preenchida pela consciência da sua voz. As suas cartas é o livro em destaque nestes últimos apontamentos de #A palavra e o mundo.

"Ainda estou vivo, e muito bem disposto (...) temos a honra de conviver com um certo dominicano, que é considerado santo. Eu não acredito (...)" - 21 de Agosto de 1770

"(...) no aposento do imperador se toca música que afugenta os cães." - 13 de Novembro de 1777

"(...) outros, que de mim não sabem nada, observam-me com olhos grandes, igualmente risíveis. Pensam que, por eu ser pequeno e jovem, não poderá haver em mim nada de grande e adulto (...) - 31 de Outubro de 1777

"Dêem-me o melhor piano da Europa, mas com uma audiência que nada percebe, ou que nada quer perceber, e que não sente comigo aquilo que toco, e perderei todo o prazer (...) Pois também aqui tenho os meus inimigos, mas onde é que os não tive? No fim de conta, é sempre um bom sinal (...)  Se houvesse aqui um sitio onde as pessoas tivessem ouvidos, um coração para sentir e percebessem apenas um pouco de musique, e tivessem gusto, então rir-me-ia destas coisas de todo o coração, mas assim encontro-me entre meros brutos e bestas (no que diz respeito à música)" - Paris, 1 de Maio de 1778

"(...) vejo por aqui tantos medíocres que fazem carreira, e eu com o meu talento não deveria ser capaz?31 de Julho de 1778 

"(...) infelizmente acredita mais no falatório e rabiscos de outras pessoas que em mim (...) permanecerei o mesmo homem honrado de sempre (...) [falando do pai e da incapacidade deste em compreender o sentido de liberdade e consciência]" - 5 de Setembro de 1781

"(...) a minha honra está para mim (...) acima de tudo. - 19 de Maio de 1781                          

  Wolfgang Amadeus Mozart. (2006). Mozart - Uma vida secreta - Seleção Epistolar. Lisboa: Cavalo de ferro.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Leite-creme – quais as reações químicas que ocorrem? - Cozinha Experimental (V)

Ingredientes:
  • 1 L de leite
  • casca de limão
  • 350g de açúcar
  • 1 pau de canela
  • 16 gemas (podem ser 8)
  • 30 g de farinha Maizena

Procedimento
1 - Ferver o leite com o pau de canela e a casca de limão
2 - Misturar, numa tigela, os ovos com o açúcar e a maizena. Usar um misturador de varas ou uma colher de pau. Misturar bem até obter uma mistura sedosa.
3- Deitar o leite quente, aos poucos, e misturar bem.
4 - Levar ao lume baixo a engrossar, nunca deixando de mexer. Não deixar ferver.
5 - Retirar o preparado do lume mal se veja que se forma uma camada espessa sobre a colher de pau ou que se observa que a colher deixa um trilho no fundo do tacho.
6 - Quando estiver frio, guardá-lo no frigorífico.

Composição nutricional do Leite-creme


As proteínas são moléculas constituídas por aminoácidos, e que se encontram normalmente enroladas.

Quando lhes é aplicada energia, tanto mecânica (caso das claras em castelo), como térmica (caso do leite-creme), essas proteínas desenrolam-se e perdem a sua forma natural - diz-se que ficam desnaturadas. A desnaturação é devida à quebra de várias ligações que mantêm as moléculas enroladas.



Depois de desenroladas, estabelecem-se novas ligações entre as moléculas, e forma-se uma rede que retém o líquido no seu seio (no caso do leite-creme o líquido é a água constituinte do leite), formando-se um gel.

O problema é que, se essas ligações forem em grande número, a rede torna-se demasiado rígida diz-se que as proteínas coagulam - e acaba por expulsar o líquido do seu seio – fenómeno designado por sinerese. E é o que acontece no ovo mexido se ficar muito tempo ao lume, fica seco.

Porquê ferver rapidamente o açúcar com as gemas?
  • o açúcar tem uma grande "apetência" para a água (muito hidrofílico) e pode retirá-la às gemas (que tem cerca de 50% de água). Se isto acontecer, as gemas acabam por ficar como que cozidas (coaguladas).
Porquê nunca deitar todo o leite quente sobre as gemas?
Há que deitar o leite quente aos poucos, mexendo sempre, de modo a que o aquecimento seja gradual e bem não haja porções do ovo que atinjam temperaturas que o levem a cozer (coagular). Mexendo, consegue-se que o calor se distribua igualmente por toda a mistura do açúcar com as gemas.

Porquê nunca deixar de mexer o leite-creme quando está ao lume?
O passo fundamental na preparação do leite-creme é a desnaturação das proteínas (gemas e do leite), seguida do estabelecimento de ligações químicas entre as cadeias desenroladas até se formar um gel constituído pela rede proteica onde grande parte do líquido fica imobilizado e cuja viscosidade vai aumentando, à medida que a temperatura vai aumentando também.
Quanto ao açúcar, ele faz subir a temperatura de coagulação das proteínas, o que facilita a preparação.
O ponto ideal para terminar a aplicação do calor corresponde à altura em que ocorreu uma desnaturação ótima, sem que a coagulação tenha lugar.
Por isso, o ideal é engrossar o leite-creme em banho-maria, o que permite controlar melhor a temperatura que o preparado vai atingindo.
O início da coagulação das proteínas das gemas inicia-se aos 65ºC; mas com o leite é um pouco superior - cerca de 82ºC – porque elas ficam diluídas e mais separadas, portanto, por segurança não se deve deixar que a temperatura do preparado ultrapasse os 80ºC.

Porquê se usa farinha maizena?
A maizena é amido de milho. O amido é constituído por grânulos que, quando sujeitos ao calor, absorvem água, incham e aumentam a viscosidade da mistura.

Referências bibliografias: 
htp://portfir.insa.pt/foodcomp/pdf?834
Adaptado “Ciência no leite-creme” (www.cienciaviva.pt/docs/leitecreme.pdf)

Peregrinação (VI)

Peregrinação: que palavra, que imagem, que sonho, que viagem, que pensamento nos conduz por esta palavra? Espinoza dizia que o sentido das coisas derivava de uma proximidade de realidade entre elas. Escolhemos então o que nos aproxima de muitas coisas, do mundo, dos outros. Como o fazemos? Com que linguagem?


# 7 - Peregrinação: 
O que nos chega à mente e ao coração quando pensamos nela? Vemo-la como um caminho, uma descoberta, um processo, ou só um lugar? O que nos diz esta palavra, chamada Peregrinação? É ainda um apelo para ver, escutar, renovar uma forma de encontrar a melodia das coisas, ou é só mais uma viagem sem conhecimento interior?

# 8 - Peregrinação: 
“No escuro mais a fundo, no matagal espesso algo está mais vivo, algo está mais próximo. Imagino o bosque como viagem que não é movimento… não, não é movimento… é entrega de movimento… concentração. Até aqui fascinou-te a rapidez do esquilo… Se tu soubesses a rapidez da árvore que o abriga. Até aqui pensaste na velocidade da raposa… Medita agora na vertigem de terra, gravetos e folhas, na sucção que a poeira faz do teu peso, da tua altura, do teu fedor de raposa… Nunca existiram viajantes, só existiu a viagem. Nunca demos um passo, a terra é que girou, a vida mudou de sítio, alterou-se o céu que nos cobre. Nós somos fixos, aprende. Não existem navegadores: existe o mar. O mar que busca… Busca a viagem em nós.” (1)

# 9 - Peregrinação: 
O sonho por vezes torna-se desatento. Rompe os caminhos e mergulha no mar, ou no nome das coisas que o fez nascer. É preciso reencontrar esse lugar onde o sonho mergulha, não o deixar tremer de hesitação, conduzi-lo para as palavras de tudo o que ainda não vimos. A Peregrinação pode também ser esse sonho que procuramos, ou as lágrimas que sustentam o que ainda não conhecemos.

(1) - José Tolentino Mendonça. (2013). O estado do bosque. Lisboa: Assírio & Alvim.
Imagens - Copyright: 
© Lars Van de Goor,  © Syouta Nagase e © Monica Amberger

Autor do texto: - Profº Bibliotecário - Luís Campos -