quinta-feira, 18 de maio de 2017

Peregrinação (IV)

Peregrinação: que palavra, que imagem, que sonho, que viagem, que pensamento nos conduz por esta palavra? Espinoza dizia que o sentido das coisas derivava de uma proximidade de realidade entre elas. Escolhemos então o que nos aproxima de muitas coisas, do mundo, dos outros. Como o fazemos? Com que linguagem?

# 4 - Peregrinação: 
“- O falcão deixou de contar connosco para que o ensinemos a voar.
  - Enigmas e mais enigmas.
  - Não tens de escutar. Tens de te escutar.
  - Mas pode um homem escutar a sua escuridão?
  - Tudo é caminho. (…) Tu és a árvore. Tu és o sopro do bosque. Tu és o cheiro forte e amargo dos fetos. Tu és a linha de névoa flutuante. Não digas: aprendo a caminhar na escuridão. Diz somente: sou.” (1)


# 5 - Peregrinação: Queria ainda dizer que o conhecimento de Deus é um conhecimento vivido, como é todo o conhecimento de amor ou de sofrimento. E parece‑me isto muito importante, porque as pessoas persistem em querer funcionar com conhecimentos abstractos e intelectualizantes em coisas tão profundamente experimentais como o amor ou a morte. Aqui é que funciona a palavra que se fez carne, e sem isso a palavra não tinha explicação. […] O conhecimento de Deus é um conhecimento vivido. É um conhecimento que exige a participação do corpo chamado pela água, pelo vinho, pelo gesto ou pelo óleo: qualquer coisa de sensível que nos faz participar de qualquer coisa de absoluto.” (2)

# 6 - Peregrinação:

“A poesia é a linguagem segundo a qual deus escreveu o mundo. Disse o meu pai. Nós não somos mais do que a carne do poema. Terrível ou belo, o poema pensa em nós como palavras ensanguentadas. Somos palavras muito específicas, com a terna capacidade da tragédia. A tragédia, para o poema, é apenas uma possibilidade.  (…)
Onde há palavra, há deus. Onde nasce a palavra, nasce deus. Todos os outros lugares são ermos sem dignidade.
Depois, pensei que o ermo era uma entidade que deus ciara para ser assim. Uma forma de expressão muda. Lugares mudos que acusavam a paciência das matérias, a sua maturação, a longevidade e a criatividade paulatina mas exuberante das coisas naturais. Só pareciam mortas. Não estavam mortas. As montanhas eram corpos deitados.”

(1) - José Tolentino Mendonça. (2013). O estado do bosque. Lisboa: Assírio & Alvim.
(2) - António Alçada Baptista. Peregrinação Interior.
(3) - Valter Hugo Mãe. (2013). Desumanização. Porto: Porto Editora

Autor do texto: - Profº Bibliotecário - Luís Campos -

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