Peregrinação: que palavra, que imagem, que sonho, que viagem,
que pensamento nos conduz por esta palavra? Espinoza dizia que o
sentido das coisas derivava de uma proximidade de realidade entre elas.
Escolhemos então o que nos aproxima de muitas coisas, do mundo, dos outros.
Como o fazemos? Com que linguagem?
# 4 - Peregrinação:
- Enigmas e
mais enigmas.
- Não tens
de escutar. Tens de te escutar.
- Mas pode
um homem escutar a sua escuridão?
- Tudo é
caminho. (…) Tu és a árvore. Tu és o sopro do bosque. Tu és o cheiro forte e
amargo dos fetos. Tu és a linha de névoa flutuante. Não digas: aprendo a
caminhar na escuridão. Diz somente: sou.” (1)
# 5 - Peregrinação: Queria ainda dizer que o conhecimento de Deus é um
conhecimento vivido, como é todo o conhecimento de amor ou de sofrimento. E
parece‑me isto muito importante, porque as pessoas persistem em querer
funcionar com conhecimentos abstractos e intelectualizantes em coisas tão
profundamente experimentais como o amor ou a morte. Aqui é que funciona a
palavra que se fez carne, e sem isso a palavra não tinha explicação. […] O
conhecimento de Deus é um conhecimento vivido. É um conhecimento que exige a
participação do corpo chamado pela água, pelo vinho, pelo gesto ou pelo óleo:
qualquer coisa de sensível que nos faz participar de qualquer coisa de
absoluto.” (2)
# 6 - Peregrinação:
“A poesia é a linguagem segundo a qual deus
escreveu o mundo. Disse o meu pai. Nós não somos mais do que a carne do poema.
Terrível ou belo, o poema pensa em nós como palavras ensanguentadas. Somos
palavras muito específicas, com a terna capacidade da tragédia. A tragédia,
para o poema, é apenas uma possibilidade. (…)
Onde há palavra, há deus. Onde nasce a palavra,
nasce deus. Todos os outros lugares são ermos sem dignidade.
Depois, pensei que o ermo era uma entidade que deus
ciara para ser assim. Uma forma de expressão muda. Lugares mudos que acusavam a
paciência das matérias, a sua maturação, a longevidade e a criatividade
paulatina mas exuberante das coisas naturais. Só pareciam mortas. Não estavam
mortas. As montanhas eram corpos deitados.”
(1) - José Tolentino Mendonça. (2013). O estado do
bosque. Lisboa: Assírio & Alvim.
(2) - António Alçada Baptista. Peregrinação Interior.
(3) - Valter Hugo Mãe. (2013). Desumanização. Porto: Porto Editora
Autor do texto: - Profº Bibliotecário - Luís Campos -
Autor do texto: - Profº Bibliotecário - Luís Campos -
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