É muito
grande Nova Iorque. Por todo o lado há edifícios altos como casas sobre casas. É uma cidade excessiva e áspera, onde se encontram mais ângulos rectos do que em qualquer outro lugar. É também cheia de brilho e de ruído, de máquinas e corpos e milhões de verbos conjugados no presente. Uma cidade de aldeias empilhadas trazidas de longe, da Europa, de África, da Ásia, homens pobres e desesperados que dão a vida por pouco, que gastam os corpos pelas esquinas afiadas da cidade e à noite se deitam nas suas entranhas.
Quem acorda na cidade desculpa-se por ter dormido. Lá fora há já multidões que correm atrás de uma coisa qualquer que lhes diga que existem. O direito ao nome ganha-se a cada dia e não é certo, nada é certo nesta cidade. O tempo, o pouco tempo de alguns, é o avanço de quem chegou primeiro e não chega para terminar um cigarro.
Quem não sabe para onde ir vai indo sem saber para onde. a cidade empurra, a multidão empurra, a fome empurra, o desejo empurra. Quando alguém pergunta "quem és?" está na realidade a perguntar "o que fazes?", a resposta deve ser rápida e sem hesitações, um verbo e um substantivo. Daí se escolhem afinidades ou a indiferença, nesta cidade um homem é uma máquina de fazer coisas, um verbo, uma função que prescinde de tudo o resto.
Quando é domingo, há muitos homens perdidos pelas ruas, e Karl com eles. Nova Iorque não sabe o que fazer com as horas vagas, a cidade e os cidadãos tornam-se coisas ocas, olhos vazios, pés que caminham porque não sabem fazer mais nada.
A família salva muita gente do tédio, nas famílias todas as horas têm nome: hora de comer, hora de passear, hora de voltar, hora de comer outra vez. Os apartamentos de Nova Iorque enchem-se de famílias e de luz aos domingos, tornam-se faróis tristes para quem anda só por andar. Nas horas vazias dos domingos fazem-se perguntas que não têm resposta e alguns homens matam-se. Há muitos homens a morrer nos domingos da cidade.
Karl percorre as ruas como se fossem partes de um labirinto. Procura o fim daquilo, uma meta para o que lhe falta: alguém com quem falar, uma refeição quente, um lugar tranquilo e bonito onde haja árvores e raparigas.
Nuno Camarneiro. (2013). "Nova Iorque", in No meu peito não cabem pássaros. Lisboa: D. Quixote.
Uma
memória, um ícone de uma civilização urbana - The Big Apple.
Imagem – Alfred Stieglitz, 1910, Baixa de Manhattan,
© Alfred Stieglitz Photography
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