A
matemática não é para ser cantada, mas podemos imaginar uma orquestra em que
cada um dos seus elementos desenvolva equações. Que o canto ou o som de um instrumento sejam semelhantes ao percurso da matemática quando tenta resolver um problema difícil. Que o som seja uma forma, um percurso, em que se vai do complexo para o simples, da grande confusão para o número único que soluciona e acalma. Música como raciocínio que começa no primeiro som, que é problema, e chega ao fim da música fazendo existir o último som, o que soluciona.
Mas há músicas em que o final não finaliza, mas começa; em que o fim é portanto, ameaça ou expectativa, em que o fim não pede uma passividade satisfeita, mas exige, sim, ao ouvinte, pelo contrário, que se levante porque os seus músculos e o seu raciocínio lhe pedem acção.
Steiner lembra a misteriosa frase de Leibniz "quando canta para Si, Deus canta álgebra", Leibniz que associa a linguagem à "razão audível", à razão que se faz ouvir; razão, portanto, que ocupa o espaço que vai da boca que fala ao ouvido que ouve. Uma racionalidade que se faz som: falamos para os outros, ouvimos o outro.
Mas, então, como pode haver tanto mistério no canto por vezes aparentemente tão exacto?
Uma racionalidade misteriosa que se faz som - eis, talvez, uma definição da música que mais nos encanta.
Se Deus canta uma música exacta, se DEus canta o exacto; ou se Deus, pelo contrário, canta o confuso, o ambíguo, o não resolvido? - eis a dúvida que se pode colocar.
Deus canta versos crípticos ou Deus canta a resolução infalível de uma longa equação?
Meu caro, dirão uns: é sempre preferível entender.
Meu caro, dirão outros: apesar de tudo, apesar de tudo, é preferível não entender, não entender, não entender.
Gonçalo M. Tavares. (2015). Breves notas sobre música. Lisboa: Relógio D' Água.
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